Se você vive nesse mundo, com certeza já viu que Beyoncé causou na última final do Super Bowl. Depois de ter se posicionado politicamente quanto ao feminismo nos seus shows e músicas, ela protagonizou o show da final esportiva feito com Coldplay e Bruno Mars.

Na apresentação da música nova, Formation, ficou claro o apelo político para a causa negra. As roupas dela e de suas dançarinas remetiam ao grupo Panteras Negras, ativistas do nacionalismo negro, e o X performado por Beyoncé na apresentação nos traz à mente Malcom X, defensor da mesma pauta.

Além disso, a canção é um clamor explícito ao fim da violência, especialmente de origem policial, contra negros nos Estados Unidos. Letra e clipe são cheios de referências – a Messy Mya, rapper negro assassinado a tiros em New Orleans, aos graves preconceito e violência sulistas, a Martin Luther King e aos assassinatos de negros em Ferguson, Carolina do Sul e Baltimore.

Apresentação e canção foram tomadas por ofensa por parte da população branca americana, que está falando até em racismo reverso por parte da cantora, bem como a acusam de desmoralizar a polícia americana que tanto se dedica à segurança e bem-estar de seus cidadãos, mas parece que segue matando negros desarmados. A revolta é tanta que surgiu o mote #BoycottBeyoncé.

Só que outras críticas também foram feitas, com base em diferentes argumentos. O debate tomou conta principalmente das redes sociais, no qual o feminismo de Beyoncé já era posto em cheque.

Foram os trechos de cunho consumista e que chamavam a ostentação, como quando fala de seus vestidos Givenchy, que a colocaram na berlinda da problematização. Outras mulheres negras passaram a questionar o quanto o sustento e incentivo desse padrão de consumo não faria vistas grossas à opressão negra, já que reforça um sistema econômico no qual seu povo está historicamente explorado nas relações de trabalho.

Por outro lado, há quem defenda o empoderamento estético que Beyoncé fortalece: sua imagem seria fonte de identificação positiva para outras mulheres negras, que têm seus traços e beleza tradicionalmente depreciados.

Leia também  Meus amigos queriam mudar o mundo

Como pessoa branca, sinto que tenho de aprender e tô é ficando quietinha e ouvindo comentários que chegam até mim. Foi assim que descobri a última esquete de Saturday Night Live, que foi ao ar – obviamente – no último sábado.

Nele, a identificação de Beyoncé com a causa ativista negra é que desperta, nos americanos, o estalo de que, de repente, “oh, deus, essa mulher é negra!”.

A sátira dorme nas entrelinhas: na noção de que a fama, o sucesso, o reconhecimento e um lugar no showbusiness de entretenimento são brancos. Aquele espaço social é branco.

Num país cujas linhas raciais são bem menos tênues que as nossas, no qual diferentes raças pertencem a grupos bem definidos tanto no entretenimento – o discurso de Viola Davis no Emmy 2015 foi de botar pra pensar – quanto na escola – pense nos grupos de negros, brancos e latinos dos colégios públicos estadunidenses –, perceber que a mulher que protagoniza a cena pop mundial é negra só pode ser um choque mesmo.

E saber que essa mulher, símbolo da hiperlucrativa cultura musical de exportação, não é só negra mas é também consciente de sua causa e está a por a boca no trombone, claro, só pode ser motivo pra boicote mesmo.

Porque dá pra vendar os olhos pra sua etnia quando a vemos ostentar símbolos do consumo branco no palco, mexendo seus cabelos louros e lisos, fazendo dinheiro à indústria musical, mas não quando canta sobre a hostilidade de New Orleans e Baltimore aos negros enquanto afunda sobre uma viatura.

Isso foi só o que vi na sátira do SNL, e já foi muito. Mas tô aberta pra ouvir mais, afinal, as críticas ainda não vieram. O convite se estende nos comentários para o debate sobre o engajamento de Beyoncé. Bora?

Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.