O cinema em 2011, pirataria, atraso e os melhores do ano

Chega começo de ano, a maioria dos cinéfilos fica toda alvoroçada pra criar as listas de melhores do ano. E isso ainda coincide com a data de duas premiações importantes pro cinema Hollywoodiano, gerando discussões, especulações e a melhor parte entre amigos: Um bolão.

Dica importante: nunca fique devendo para um viciado em cinema depois do bolão

É bem dificil criar uma lista legal no Brasil, pois somos escravos do sistema exibidor. Aí acontece o mesmo todo ano: só temos conhecimento de metade dos filmes destas premiações, nossas listas de melhores do ano é mesclada com filmes que do calendário americano é do ano passado (as vezes até do ano retrasado) e aí temos de criar listas diferentes, pois muita gente que pratica a "baixaria" acaba tendo acesso aos filmes de antemão e podem dar uma opinião mais completa do filme e até mesmo de suas listas.

Críticos respeitam e muito essa ética de comentarem e fazerem críticas de acordo com um calendário oficial de estréias pelas terras tupiniquins. O mesmo acontece com blogs respeitados, como é o caso da Liga dos Blogues, que criam listas de melhores do ano a partir das estreias pesquisadas em distribuidoras. Cada blogueiro cria seus elegíveis, numa lista de todos filmes que estrearam em um ano, e aí, numa contagem feita pelos organizadores, saem os elegíveis a cada categoria que são premiados virtualmente com o "Alfred", nome previsível pra uma premiação de melhores filmes escolhidos por blogueiros. No fim, uma bela brincadeira sadia de defender seu filme favorito do ano.

O grande ponto desse texto, além das listas, é justamente os apuros que passamos esperando a estreias de alguns filmes. Nos cobram de sermos coniventes com o combate à pirataria, de que não devemos contribuir com o comércio de filmes piratas e, por isso, nos bombardeiam com péssimas propagandas de conscientização (no caso os videos que tinham nos DVD´s originais) algumas políticas de choque pra que sejamos parceiros nesta luta, mas quem faz a política em nenhum momento nos quer parceiros.

É um verdadeiro parto uma distribuidora responder a um email de dúvida quando um filme demora a sair, como se nossas dúvidas fossem um incômodo maior. Eu sinceramente me decepciono quando vejo o quanto não querem aliados na pirataria. O quadro atual do sistema exibidor é exatamente esse: multiplex que elitizaram o público, pois poucos tem cacife de bancar o valor que cobram.

A dura luta de desviar de filmes dublados também tem sido tensa, na qual muitos filmes, que nem sempre são pra criança, tem 99,9% de suas cópias na versão dublada, nos deixando sem opção a não ser se render aos facínoras vendedores ambulantes de filmes.

É uma lista grande de fatores que nos deixam numa situação incoerente: o quanto "devemos" estar longe da pirataria e o quanto "nos empurram" até ela.

"Vem com nóis que é nóis que tem, tio"

Notei isso quando dei aula na periferia de Brasilândia de cinema e praticamente todos os filmes que eram novos que estavam em cartaz, fazia parte do repertório de alunos que diziam:

Professor, eu saio de casa pra ir ao cinema, mas quando paro na rodoviária, o "barba" tem exatamente o filme que tô indo ver e ele me vende esse e mais dois por 10 reais. Aí eu compro, volto pra casa e faço a pipoca eu mesmo e nem preciso pegar chuva ou sol forte na cabeça. Conclusão: ele eliminou o gasto de condução para o cinema (6 reais ida e volta), eliminou o gasto de cinema (média de 20 reais) eliminou o gasto da pipoca ou combo (em média, 20 reais) e o que deveria sair em torno de 50 pratas, ficou apenas 10 reais e o conforto de sua casa.

É essa a luta que penso que elitizou o cinema, que antes estava ao alcance de todos e hoje tem se tornado distante e é claro que a nós, cinéfilos, a magia da sala escura nunca se acaba. Passo fome, mas não deixo de ir no cinema. Só que, aqueles que mereciam um pedaço do bolo, acabam discando de fora da festa.

Não muito longe no passado, o Brasil da década passada teve seu sistema exibidor bem ligeiro na luta em distribuidoras visitarem festivais de cinema e escolherem quais titulos trariam ao Brasil. Uma década atrás. Nem é tanto tempo assim pra olharmos com nostalgia.

Deixemos as lamúrias de lado e vamos pensar numa listinha de filmes favoritos do ano. Aliás, gostaria que todos que fossem comentar no final do texo a sua listinha de 5 melhores filmes do ano pra gente fazerem belo exercício do que esqueci e o que podemos lembrar.

Como escrevo o texto, me dei a liberdade de eleger os 15 melhores do ano com um breve descritivo dos filmes e, como apesar de eu cutucar um assunto delicado, coloco minha lista comportada que atende a demanda das estréias do ano de 2011.

15 - A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar

O espanhol sabe bem fazer filmes carregados, inclusive na dramaticidade e mesmo assim,nos soa bem normal e preciso. O filme, na verdade, seria a primeira ficção científica do espanhol sem largar as características próprias da direção.

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14 - Rango, de Gore Verbiski

Uma animação não muito usual, em que um lagarto cai no meio da estrada e se aventura no oeste, imerso num clima de referências cinéfilas (como uma homenagem ao Medo e Delírio em Las Vegas) e a luta pela água.

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13 - Um Lugar Qualquer, de Sofia Coppola

Uma garotinha que tinha a distância do pai, uma celebridade de hollywood, começa a ter a proximidade que não existia. Tudo muito sintomático e sem grandes efeitos catárticos na narrativa.

Talvez uma das coisas que Sofia faz com perfeição é filmar sensações de abandono. Já havia feito isso bem no Encontros e Desencontros. Fez novamente e mandou bem.

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12 - Super 8, de J J Abrahams

Assumo que este filme me contagiou pela extrema fidelidade aos filmes da década de 80 de Spielberg e espírito de aventura protagonizados por jovens. Parecia uma mistura de Goonies e Contatos Imediatos de Terceiro Grau. Se Abrahams já nos comove com roteiros complexos, neste filme que é simples, chegou mais longe do que suas obras anteriores.

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11 - Belair, de Bruno Safadi

Tardiamente descoberto no festival de cinema de Tiradentes com o filme Meu nome é Dindi, Safadi fez aqui um dos melhores documentários de cinema sobre cinema: dissecou não somente a obra, mas os progenitores da produtora entitulada Belair: Rogério Sganzerla (de o Bandido da Luz Vermelha) e Julio Bressane (de O Anjo Nasceu) e seus filmes demarcadamente misticos na época de pós AI-5. Tão caótico quanto a época, eram os filmes e seus criadores, porém, Sfadi teve maturidade de nos mostrar como era este elo.

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10 - Cópia Fiel, de Abbas Kiorastami

Como sou um fã confesso de obras metalinguísticas, não seria diferente aqui nesse filme. Um escritor que visita a Itália com sua obra (com mesmo nome do filme) conhece uma suposta fã da obra que o leva para um passeio e a convivência traz particularidades aos amigos, que começam a ver complexidade nos limites de amizade e "algo a mais".

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9 - Balada de amor e ódio, de Alex De la Iglesia

Já acompanho o diretor desde seus filmes sombrios lado B e vê-lo de volta às raízes traz grande satisfação aos seus fãs. Aqui, um palhaço que herdou a carreira de seu pai, morto na guerra civil espanhola (numa sequência bizarra de luta entre militares e palhaços), tenta carreira no ramo de circo que anda em baixa e se apaixona por uma mulher de um violento membro do circo. A teia de relações entre os membros do circo muitas vezes nos lembra Santa Sangre de Alejandro Jodorowsky

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8 - Poesia, de Lee Chang-Dong

Uma senhora, de vida rotineira, tem uma quebra de paradigmas ao ganhar a resposta de um professor de poesia, na qual tudo que era comum aos seus olhos, torna a vida com um sentido mais amplo, desde cuidar do seu neto até como cuidar de um senhor debilitado.

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7 - Missão Madrinha de Casamento, de Paul Weig

Como um bom fã das comédias capitaneadas por Judd Apatow, mesmo quando esta não se sai na expectativa investida, sinto que vale a pena. Na história, são duas melhores amigas. A protagonista não tem uma visão boa para casamento decorrente às experiências que vive.

A outra está prestes a se casar e ainda por cima ganhou uma nova "melhor amiga" por conta do noivo. A mistura destas visões sobre a esperança em uma instituição esquecida pelo cinema (o casamento) é que nos traz uma excelente sensação da química de otimismo e pessimismo.

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6 - Bravura Indômita, dos irmãos Coen

Ao se sentir trapaceada nos negócios que o falecido pai deixou, a jovem Mattie Ross busca ajuda externa de um Texas Ranger para ir atrás do lendário nome de Rooster Cogburn. Apesar de parecer simples, esse remake de um western de 1969 traz a preocupação para uma decupagem excelente de uso de widescreen, de tensões entre personagens, já que estes três se encrespam entre si e sem nunca deixar de lado a pegada forte da direção.

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5 - Namorados para Sempre, de Derek Cianfrance

Deixando de lado o fato de darem um nome tão insignificante pra obras como essa, o diretor trabalha com maestria um filme sobre o começo e decadência de relacionamento, mas de uma honestidade tão grande que faz os filmes de Meg Ryan da década de 90, parecerem contos de fadas cinematográficos. Talvez seja, junto de Prova de Amor (David Gordon Green), um dos filmes de romance mais pés no chão que já assisti e que agrada desde a garota mais sonhadora ou marmanjo mais insensível do mundo.

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4 - Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas, de Apichatpong Weerasethakul

Premiado em Cannes no ano retrasado, o diretor é considerado o Tim Burton asiático e não é a toa que este reconhecimento foi legitimado pelo proprio Burton, que presidiu a mesa de juri em no festival francês. Assistir Tio Boonmee é uma experiência que não deveria nem ser descrita. Nos seus últimos dias de vida, Boonmee vai com a irmã para uma casa isolada no campo e lá recebe as visitas de espíritos e do seu filho perdido, que se transformou num símio.

Lendo assim parece maluquice, mas a relação que o cinema tem com imagens/fantasmas ainda mais quando o protagonista está em campo aberto, vai além do que a descrição de história. É ver pra ver, nem precisa crer.

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3 - Meia Noite em Paris, de Woody Allen

Alguns gostam de ser minuciosos e dizer que nesta embalada que o diretor deu em filmes geniais, ele carrega alguns tropeços. Já eu prefiro dizer que um diretor nessa idade, que faz um filme por semestre, está mais do que justificado se tropeçar.

Aqui, a escolha de Owen Wilson foi certeira ao mostrar o escritor cheio de crises que viaja com a familia da noiva e, ao visitar as ruas da França, tem uma viagem sensorial e acaba conhecendo todos grandes nomes em 1920, desde Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Pablo Picasso e até visualmente trazer uma contextualização do cinema de Buñuel. Não se contagiar com seu humor ácido é negar o filme desde o primeiro minuto.

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2 - Melancolia, de Lars Von Trier

Talvez eu seja um cara que pegou picuinha de um diretor tão chato como esse. E nem digo isso apegado em frases infames que tenha soltado por aí, mas pelo jeito pedante que seus filmes se comportam. Um dia entendi melhor seus filmes quando assumiu que os fazem pra poder ter essa valvula de escape. Entendi mais ainda quando vi essa obra.

Todo pedantismo e depressão do diretor se concretizou nesta obra. É como se ele pegasse seus defeitos e os transformasse em dom e Melancolia é isso. É o planeta que vai colidir com a terra e isso é descoberto aos poucos durante uma cerimônia de casamento que Justine, é encontrada chorando e desencorajada a assumir tal postura. Ponto para KIeffer Shutterland que está impecável, um personagem que não é protagonista, mas atua monstruosamente como Kirsten Dunst.

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1 - A Árvore da Vida, de Terrence Malick

O "cineasta de gerações", Malick faz aqui um filme que dialoga com Melancolia de Von Trier. É engraçado pensar que esses dois filmes passaram no mesmo festival e nos completa acerca do que pensarmos sobre a vida, sendo que otimismo e pessimismo aqui também se fazem presentes.

À partir de um questionamento da mãe que perde um filho, ganhamos uma viagem temporal criando uma elipse que desde 2001 não existia. Alguns chamarão de filme "viajandão", mas como fã confesso de Malick, vê-lo tratar de experiências de vida e morte desta maneira, é um ganho pra minha vida e minha fé mística.

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Agora vamos aos papos aqui embaixo. Quero ver diversas listas interessantes.


publicado em 13 de Fevereiro de 2012, 22:12
File

Vébis Junior

Professor, produtor, diretor em cinema. Graduado em Audiovisual pela Universidade Metodista de São Paulo e Mestre em Cinema pelo Instituto de Artes da Unesp. Foi coordenador do Curso de Prod. de Audio e Video da Etec Jornalista Roberto Marinho, é professor de Cinema na Unimonte e conteudista do site Sociedade Jedi.


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