O caso da menina de 9 anos estuprada em Pernambuco e alguns questionamentos que ainda não foram feitos

Chocou o Brasil e foi notícia no mundo inteiro o caso da menina de 9 anos, da cidade de Alagoinha, em Pernambuco. A menina e sua irmã mais velha, eram regularmente estupradas pelo padrasto, e então ela engravidou. Para piorar, engravidou de gêmeos.

Chocou o Brasil e foi notícia no mundo inteiro o caso da menina de 9 anos, da cidade de Alagoinha, em Pernambuco. A menina e sua irmã mais velha, eram regularmente estupradas pelo padrasto, e então ela engravidou. Para piorar, engravidou de gêmeos.

Apesar dos protestos do pai, a mãe optou pelo aborto, amparada pela legislação, e pelo fato de ser um tipo de gravidez que traria riscos óbvios para a criança. Uma gestação gemelar já é arriscada na mulher normal, imagina em uma criança de 9 anos, cujo organismo, apesar de já ser capaz de gerar vida, é imaturo?

Então vieram os já esperados protestos da Igreja Católica, na voz do Arcebispo de Olinda e Recife. Ao saber da consumação do aborto, Dom José Cardoso Sobrinho, excomungou a mãe da criança e os médicos envolvidos no processo, ato pelo qual foi duramente criticado.

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O Bispo Dom José e a menina. Caso mais complexo do que parece.

Sob esse aspecto, excepcionalmente sairei em defesa (parcial) do Arcebispo. Fato é que a Igreja possui sua doutrina e defende seus princípios, e o aborto é caso de excomunhão automática. Ora bolas, ele fez o papel dele, concordam? Eu entendo a posição da Igreja, até porque para a minha pessoa, uma excomunhão da Igreja Católica e uma picada de mosquito têm valor parecido - na verdade, prefiro a excomunhão, picada de mosquito pode passar doença. A cena que vislumbro um dia, é, num caso parecido, os representantes da Igreja batendo à porta de um casal que vislumbra o aborto, e ouvindo o seguinte:

“Nós não somos católicos. O que vocês fazem aqui?”

Quem fala o que quer, ouve o que não quer.

Enfim, é algo doutrinário, e por mais que aparentemente não se encaixe no contexto da sociedade atual, cada um defende o seu próprio interesse, portanto, a Igreja tem o direito de defender sua causa, de forma que, ao contrário dos que criticaram a excomunhão, como o Presidente Lula e o ministro Temporão, sou neutro quanto a isso. Aliás, lanço dois questionamentos. Na própria doutrina da Igreja, a excomunhão é automática para executores e defensores do aborto.

Pergunto então...


  1. Tendo em vista que o presidente e o ministro defenderam o aborto na situação, por que diabos também não foram excomungados?

  2. A Igreja pode me dar os argumentos que forem cabíveis. Mas não entra na minha cabeça o fato de excomungar mãe e médicos, e o tal do padrasto que comete um crime hediondo, NADA.

“Santa” incoerência, Batman!!!

Isto posto, versemos sobre a lei brasileira quanto ao aborto. O aborto no Brasil é crime, exceção feita em 3 circunstâncias:


  1. Risco de vida para a mãe

  2. Estupro

  3. Malformação fetal incompatível com a vida.

Desde já, podemos ver que a menina se encaixava automaticamente em uma delas, o estupro. Segundo parecer do Supremo Tribunal Federal, a lei brasileira permite o aborto em vítimas de estupro até a 20ª semana de gestão. Neste caso, o procedimento pode ser realizado de acordo com avaliação médica, independente de autorização judicial.

Só isto já garantiria à mãe o direito de autorizar o aborto. Adicionalmente, os médicos que avaliaram o caso afirmam que havia risco de vida para a criança-mãe. O que para mim, médico que sou, é mais que óbvio, ainda mais numa gestação gemelar de uma menina de NOVE anos. Três vidas em risco, e nesse caso, a Constituição Federal garante o direito de preservação da vida da mãe.

Dura lex, sed lex. Somos um país laico, felizmente.

Mas agora, se me permitem, eu descerei a lenha na instituição Igreja Católica. Por conta disto aqui:

“A criança estava internada no Instituto Materno Infantil (IMIP) e teve que ser transferida para o Cisam, às pressas, porque a Igreja Católica procurou a direção do IMIP, a fim de tentar impedir o aborto, legalmente autorizado.” (Diário Oficial de Pernambuco, 05/03/09)

Ao fazer isso, tentar impedir a intervenção e retardar a mesma, a igreja, na pessoa do arcebispo, tentou impedir um cidadão de usufruir de um direito líquido e certo; com os agravantes que a cidadã em questão é menor de idade e sem condições de se defender desse atentado criminoso aos seus direitos. O direito de um não termina onde começa o direito do outro? Logo, o que a Igreja está fazendo, acima de defender o que crê, é ATROPELAR O DIREITO ALHEIO. No popular, meteu-se onde não foi chamada.

Além disso, cito este outro fato também:

“Advogado de Igreja vai denunciar mãe de menina grávida ao MP”

Em resumo, para quem teve preguiça de ler, o advogado da Igreja oferecerá denúncia ao Ministério Público contra a mãe da menina grávida. Denúncia de homicídio, inclusive. Alega basear-se nos artigos 1º e 5º da CF, que versam sobre o direito à vida. Estudante de Direito que fui, tive que ler e reler 10000 vezes para crer no que meus olhos viam. Ainda mais que, conforme descrito na reportagem, o próprio Ministério Público ofereceu parecer favorável ao procedimento, sem consulta jurídica prévia.

Pensei em enviar um protesto à OAB, para aumentar o rigor nos seus exames. Não é possível que, com toda a informação atual, o cara não saiba que na situação da menina, o aborto era legal. Não é possível que o cara tenha comprado o diploma. Mas não é necessário ser muito sagaz para perceber o que se passa.

Não há como não pensar que, em a Igreja entrando com uma ação que é CAUSA PERDIDA desde o começo, que não se trata de revanchismo. Não posso afirmar que é. Mas que parece, ah, parece. Ou um belo jogo de teatro para fazer uma média com os fiéis. Logo a Igreja, cuja missão é propagar os ensinamentos de Jesus, esquece-se do quão nobre é o perdão e demonstra isso indo até as últimas conseqüências. É mesquinho demais.

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crédito:
http://nanihumor.blogspot.com/

O montante aplicado nessa ação contra a mãe da criança teria um destino bem melhor em orfanatos, obras sociais ou ações de caridade. Já não excomungaram a mulher? Para que ir além disso? Se querem fazer justiça, denunciem os padres pedófilos, ao invés de abafar o caso como sempre é feito. “Santa” incoerência 2, a missão!

Bom, ainda se tivesse um fundamento jurídico, vá lá. Ter, até tem, nos artigos 1º e 5º da CF, que alegam o direito à vida. Porém, toda a jurisprudência relativa ao caso já produzida, orienta pela legalidade do ato em si. O que não me conformo, é com o fato que vão entrar com uma causa já perdida. Deve estar sobrando dinheiro.

Verdadeiro tiro no próprio pé.

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ps: Mandei um email para a Arquidiocese de Olinda e Recife, perguntando como faço para obter minha excomunhão (eu fui batizado, mas por favor não espalhem). Não vou protestar contra a excomunhão dos colegas e da mãe da garota, até porque isso é direito da Igreja, e acho que quanto menos trela se der a eles, melhor. Mas para quem quiser, deixo o link de uma petição online.


publicado em 22 de Março de 2009, 19:50
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Mauricio Garcia

Flamenguista ortodoxo, toca bateria e ama cerveja e mulher (nessa ordem). Nas horas vagas, é médico e o nosso grande Dr. Health.


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