O carnaval em 19 fotos e vários sentimentos

Uma crônica construída com pedacinhos de histórias.

Nota da autora: A quarta-feira de cinzas chegou e trouxe com ela recados pro ano todo. Aqui no PdH a gente construiu um especial de carnaval com três textos, todos pensados para trazer dicas e reflexões sobre como não ser o vacilão da folia e aproveitar o que a cidade tem de melhor. O primeiro artigo ensinou como fazer um bloco de carnaval dar certo e usá-lo para ajudar a cidade ao mesmo tempo. Já no segundo, foram 7 dicas para se aproximar das mulheres sem ser o vacilão do bloco.

Para fechar essa trinca, fui para as ruas de São Paulo registrar em fotos o carnaval e ouvir histórias de quem viveu as felicidades, conflitos internos, euforias, inseguranças e reencontros na pele. O resultado foi essa crônica, baseada em sentimentos e relatos reais que, espero eu, cumpram o papel de abraçar vocês tanto quanto eu me senti abraçada.

Abraçada porque encontrei pessoas que estavam se propondo a enxergar beleza no riso dos outros, ao invés de cultivar julgamentos ruins sobre o tamanho da saia da Maria ou o beijo que José deu em Pedro. Abraçada porque conheci  homens e mulheres que deixaram de lado preconceitos para dançar, sorrir e sentir o momento. Abraçada porque vi quem vacilasse feio na cantada, mas também vi quem reconhecesse o erro depois de perceber o carão que estava passando. Abraçada porque ouvi pessoas que precisaram de ajuda e foram ajudadas. Pessoas que perceberam outras correndo perigo e se solidarizaram.

Abraçada, porque somos todos seres que falham tanto quanto o anúncio de melhor filme do Oscar. Mas a gente sempre pode olhar ao redor e perceber que estava lendo o cartão errado, né? Isso é libertador.

***

Que bando de gente pelada.

Eram três amigas fantasiadas de unicórnio, cada uma delas usando uma cor de saia diferente e sutiãs cintilantes. Leandro desceu do vagão do metrô pensando na quantidade de roupa que elas estavam vestindo. Não dava pra cobrir nem a perna dele com aqueles panos. Que pouca vergonha. Olhava as meninas de canto de olho com uma centena de pensamentos negativos na cabeça, mas tentava encontrar uma forma de construir um bom argumento para si, porque nem ele próprio sabia de onde vinha aquele sentimento de desaprovação. 

Quando saiu da estação avistou uma guria de cabelo meio roxo, meio azul caneta, e lembrou da amiga Mariana, que tinha umas mechas laranjas.

Se ela estivesse dentro da cabeça de Leandro, o teria obrigado a apresentar todos os argumentos possíveis para  justificar o olho torto jogado nas meninas unicórnias. Era bom conversar com Mariana, quase um exercício de retórica. No fundo ele se sentia num daqueles debates proveitosos em que os dois lados são testados e nenhum sai ganhando, porque o objetivo não é esse. Mas Leandro jamais admitiria isso em voz alta. No máximo soltaria que o carnaval não era justificativa pra ter um bando de gente pelada vagando por aí.

Lógico, não queria dizer pelada no sentido literal, mas a quantidade de pele sobrando era enorme. Continuou andando pela rua e percebeu que as saias e shortinhos não acompanhavam só as meninas. Vários caras também usavam e abusavam das roupas curtas.

Será que eram gays?

Olha as meias, que bacanas.

Mas tudo bem deixar tanta coxa assim aparecendo?

Leandro passou a mão na testa ainda confuso com as próprias perguntas e olhou pra mão toda molhada de suor. Claro. Fazia um calor de sabe lá Deus quantos graus.  Foi uma boa da parte deles estarem com essa roupa.

É. Talvez fosse uma boa da parte das moças do metrô também.

Delas e de todo o resto.

E que resto!

Eram multidões de noivas, policiais, Mários, sereias, Darth Vaders, Cisnes Negros, personagens do laranja mecânica e bailarinas tomando cada espacinho das ruas. Leandro mal enxergava o fim da rua em que estava.

Quando finalmente encontrou uma esquina mais tranquila, ele mudou de calçada pra ver uma roda de brincadeiras perto do trio elétrico. 

Acabou parando antes, no meio da rua, ao lado de outro trio: um trio de amigos.

E foi ali que se deu conta de que na época oficial do gliter e da fantasia, havia também os desfantasiados. 

E aí veio o xeque-mate: era difícil diferenciar os pelados dos desfantasiados. Porque, no fim das contas, não fazia diferença.

O sorriso era o mesmo.

Aquelas expressões conseguiam acompanhar quem estivesse por perto, mesmo os que estavam vestindo as mesmas roupas dos outros trezentos e poucos dias do ano.

A risada era uma espécie de uniforme oficial do carnaval.

 

 

A multidão era bem óbvia, mas olhando com atenção Leandro viu que a rua estava ocupada pelos pelados. Pelas crianças, pelos jovens, pelos adultos, pelos idosos, pelos solteiros, pelos casais. A cidade estava ocupada, e Leandro lembrou de um papo que teve com Mariana sobre o assunto. 

Então era isso que ela estava querendo dizer.

As pessoas estavam existindo, olhando umas para as outras, cuidando umas das outras e ocupando os espaços que também eram delas. 

 

Leandro olhou para frente e enxergou uma verdadeira procissão de foliões caminhando para o metrô. Todos com aquele misto de alegria e cansaço irreparável. Com as roupas mais rasgadas e sujas do que quando o dia havia começado. 

Com o sorriso mais aberto também.

 

Olhando aquilo tudo, Leandro só conseguia pensar em uma coisa: que bando de gente pelada.

Que bando de gente pelada, mostrando a pele, mostrando a alma.

Que bando de gente pelada. Que bando de gente feliz! 

E que esses sorrisos continuem, porque nem todo carnaval tem que ter seu fim.

***

Se deixar transformar pelo que vem das ruas também é uma forma de renovação e crescimento. Ninguém precisa ser um vacilão no carnaval e apontar o dedo na cara de quem quer aproveitar a folia. É só deixar fluir, é só perceber que o clima ao redor pede respeito, e não mais estresse. Porque é tempo de ser feliz e fazer sorrir. De aproveitar a vibe daquela purpurina que demora semanas para sair do corpo e levar o brilho dela para o ano todo.

Quando se é feliz com responsabilidade, a alegria se renova. E se dobra. Se multiplica e vale a pena.

Por aqui o carnaval valeu e ainda vai valer. E por aí?

De homem pra homem: como não passar vergonha nesse carnaval

Catuaba, suadeira, bate-tambor, marchinhas, beijo na boca e alegria pra todo lado. O carnaval é essa data maravilhosa na qual as pessoas põem pra fora suas fantasias e colorem as ruas com tudo o que há de melhor na vida.

Essa é a nossa série especial mensal de conteúdo, versão carnavalesca. São 4 textos ensinando como tirar o melhor do carnaval, da pegação à montagem de blocos para participar do rolê sob outra perspectiva.


publicado em 01 de Março de 2017, 06:37
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Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série Nossa História Invisível , é uma das idealizadoras do Papo de Mulher, coleciona memes no Facebook e horas perdidas no Instagram. Faz parte da equipe de conteúdo do Papo de Homem, odeia azeitona e adora lugares com sinuca (mesmo sem saber jogar).


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