O caminho para o lado negro

Diálogo entre Yoda e Anakin Skywalker, em Star Wars Episódio III – A vingança dos Sith:

– Essas visões que você tem...
– São visões de dor... sofrimento... morte.
– De você falando está, ou de alguém que conhece?
– De alguém.
– Próximo a você?
– Sim.
– Cuidadoso deve ser quando sente o futuro, Anakin. O medo da perda é um caminho para o Lado Negro.
– Não deixarei que essas visões se tornem realidade.
– Morte é uma parte natural da vida. Alegre-se por aqueles que ao seu redor na Força se transformam. Lamentar, jamais. Sentir falta, jamais. Laços emocionais levam ao ciúme. Na sombra da cobiça se transformam.
– O que devo fazer, Mestre Yoda?
Treine a si próprio para deixar ir tudo o que você tem medo de perder.

Yoda e sua moderna espada de prajna (sabedoria cortante).

Os caminhos para o Lado Negro muitos são, diria Yoda. Aqui falo de um dos mais perigosos, que nos leva ao sofrimento repetidas vezes durante nossos caminhos como guerreiros Jedi: o medo.

Inicialmente, ele surge desta maneira. Sem forma definida, sem matéria, sem corpo, sem rosto. É apenas um espaço, vácuo, possibilidade, energia potencial. Existe, mas ainda não é. Está latente.

Este medo, pai do sofrimento e filho de uma felicidade condicionada, tem seu nascimento quando obtemos aquilo que desejamos. A carreira, os olhares, o reconhecimento, o apartamento, o carro, o amor de uma rainha. Não importa exatamente o objeto de desejo, mas a energia que se move dentro de nós ao tê-lo. Esta energia é a raiz da motivação que nos leva a tentar manter as coisas exatamente como estão.

– Sentir raiva é humano.
– Eu sou um Jedi. Sei que sou melhor do que isso.
(Padmé e Anakin, em Star Wars Episódio II – Ataque dos Clones)

Aprendemos a gostar de observar a paisagem do jardim que construímos ao nosso redor. Abrimos a janela e lá está, tudo do jeito que sempre sonhamos. Todos os dias. Tudo no exato local em que deixamos da última vez que as luzes se apagaram e fomos dormir.

É assim que, ao menor indício de uma contrariedade, nos desestabilizamos de nossos propósitos. Colocamos nossas bases em fatores externos, totalmente alheios à nossa sensação de controle. E, de repente, acordamos de manhã, olhamos rapidamente e notamos que alguém veio, pisou em nossa grama, esmagou nossas flores e destruiu nosso sonho.

Porém, algum tempo antes, conseguimos ver o que estava por vir. Temos o pressentimento, como uma voz sibilante e repetitiva, anunciando o futuro. Este é o abrir dos olhos do medo.

Exatamente no instante que tomamos consciência da perfeição do momento, projetamos a dor da perda. Construímos uma muralha que inicia uma guerra. O mundo contra o que você deseja. À partir daí fazemos tudo o que for preciso para manter esta condição. Caímos em falsas promessas, cedemos facilmente à ambição, as pessoas nos olham e sabem exatamente que botões apertar para nos levar a fazer o que querem.

"Ajude-me a salvar a vida de Padmé. Não consigo viver sem ela."
–Anakin, cedendo ao lado negro.

Os pesadelos surgem, como a voz do desespero. As coisas não podem sair do lugar em que estão. Você não pode perder tudo o que construiu. Não pode sair de onde está, não pode viver sem aquilo que o preenche. Não pode se ver sem a beleza que estava lá fora há um instante. E agora, como vai lidar com isso?

Com base nestes questionamentos, nos movemos, cegos. Tateando, tentando descobrir o que terá dado errado. Pressionamos, com todas as forças, para manter tudo exatamente como era antes. Abraçamos nossa realidade com mais força, sem perceber que esta ação baseada em medo e aflição é exatamente o que nos conduz para cada vez mais perto da perda.

Nosso medo vai se transformando em raiva à medida que tudo escapa por entre nossos dedos. Quanto mais raiva temos, mais distantes da realidade ficamos. Quanto mais ela se instala, menos livres nos tornamos e mais somos movidos por um outro. Daí até ouvirmos o "Não estou te reconhecendo" não demora quanto gostaríamos.

"O medo leva à raiva; a raiva leva ao ódio; o ódio leva ao sofrimento."
–Yoda.

Nossa reação é falar, numa tentativa de justificar, dizer que ainda estamos ali, que somos os mesmos. Não somos. Cada palavra dita confirma ainda mais a conclusão dela. A mudança já aconteceu.

A raiva transforma-se em ódio. O ódio grita que nada daquilo, no final, era realmente importante ou tinha algum significado. Desmerecemos, cuspimos na cara daquilo que nos trazia felicidade, indignados. O ódio rasga nossa garganta enquanto a voz sai rouca, sem potência suficiente pra expressar o que, de fato, queima dentro e fora de nós.

E é odiando o perder que acabamos odiando nosso antigo foco de afeto. Por meio desta emoção, encontramos nossa companhia mais fiel: o sofrimento.

"O jovem Skywalker que você conhece não existe mais, fora consumido pelo lado negro."

O fim da história nos mostra que, de fato, nada termina. Após uma identidade desaparecer, somos imediatamente consumidos por outra, até que esta mesma desapareça. Lado Negro e Lado da Luz se alternam constantemente, mostrando que não há em nós uma só centelha de bondade ou de maldade.

Seguimos até, pouco antes de morrer, retirarmos finalmente a máscara que nos mantém vivos para ter por alguns instantes a visão clara diante de nossos olhos. Nenhum medo faz sentido, nenhuma raiva, nenhum sofrimento. Nosso império e nossas construções inevitavelmente cairão.

A pergunta que fica é: será necessário estar diante da morte para, enfim, perceber que medo algum faz sentido frente à certeza de que nada é permanente?


publicado em 24 de Outubro de 2010, 12:05
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Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no Youtube, ouvir no Spotify e ler no Luri.me. Quer ser seu amigo no Instagram.


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