O Brasil só terá futuro quando pararmos de olhar para trás

Entre os dias 07 e 08 deste mês de Abril, estive em Porto Alegre para participar do 27º Fórum da Liberdade, evento criado pelo Instituto de Estudos Empresariais – entidade porto-alegrense voltada para a formação de jovens lideranças.

O tema deste ano foi “Construindo Soluções”, mas penso que todos aqueles que ultrapassaram as manifestações da claque que aplaudia cada menção de expressões como livre mercado, estado democrático de direito e liberdade individual têm o direito de sair desesperançosos com a visão preto no branco de algumas das mentes mais poderosas do Brasil.

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Criado em 1999 e encerrado em março de 2001, o programa de compartilhamento de arquivos Napster arrebentou os alicerces da indústria fonográfica. Ao mesmo tempo, o acesso à internet e a expansão das nossas redes de contato mudaram o paradigma da indústria de informação – só não vê quem, do alto de sua tiragem que encolhe ano a ano, decidiu não enxergar. Hoje, testemunhamos os primeiros passos do Bitcoin, moeda produzida em rede na internet que dispensa a figura de um Banco Central para gerenciá-la.

Para entender qual seria o papel do mercado financeiro no contexto de mudanças horizontais que atravessamos desde o surgimento dos softwares peer-to-peer, conversei com o palestrante Gustavo Franco – ex-presidente do Banco Central e um dos fundadores da administradora de fundos de pensão Rio Bravo Investimentos.

Ele acredita que é curioso e paradoxal ver a “glorificação de soluções espontâneas como o Bitcoin”. Para Gustavo, precisamos do sistema financeiro tal como ele existe hoje, com poupança, investimento, financiamento e crédito regulados por instituições cada vez mais fortes. Gosto especialmente do seguinte trecho da nossa conversa (as respostas foram reproduzidas integralmente).

Pergunta: A gente vive uma lógica econômica que foi pensada por estudiosos e pessoas que estavam em cargos diretivos voltados para isso. O senhor acredita em soluções compartilhadas? Soluções diferentes para os mecanismos que já existem?
Gustavo Franco: Existe um sistema de regulação das matérias pertinentes ao sistema financeiro que comporta a figura da audiência pública, que é muito praticada. Ou seja, tem uma nova norma sobre alguma coisa, a autoridade publica a norma, acolhe comentários durante um tempo, consolida e publica a norma acabada.
Pergunta: Sim, esse é o sistema que existe hoje. (...) Mas o senhor enxerga outro tipo de participação popular ou temos que fortalecer as participações tradicionais? As pessoas têm menos vontade de participar de uma audiência pública quando acreditam que o sistema não funciona.
Gustavo Franco: Acho que é preciso fortalecer as audiências públicas. No caso, as instituições. Não existe outro caminho. Não existe mundo alternativo. Não existe vida extraterrestre. O lugar é aqui, é agora. A regra do jogo é a lei. Não vamos inventar nada diferente de democracia e o império da lei. Nos assuntos de moeda e crédito existe uma lei, existe uma autoridade, existe regulação e a inovação tem que caber dentro dos limites da regulação e da lei.
Pergunta: Os limites que já existem?
(Gustavo faz que sim com a cabeça)
Entendi.

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Presidente do Conselho de Administração da Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter foi um dos oradores mais aplaudidos do evento. Apesar de também acumular o cargo de presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade do governo Dilma, ele aderiu ao pensamento reducionista de quem acha que é preciso escolher um lado.

“No mundo você tem duas opções: o mercado e o intervencionismo, em que o benchmark é Cuba”.

Aécio Neves também estava por lá. Palavras do futuro candidato à Presidência: “O Estado, o governo, se não atrapalhar já tá fazendo um grande resultado”
Aécio Neves também estava por lá. Palavras do futuro candidato à Presidência: “O Estado, o governo, se não atrapalhar já tá fazendo um grande resultado”

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Temos novas soluções, mas tanto quem está no Estado quanto quem comanda o leme do mercado financeiro parece mais interessado em requentar os debates de sempre sobre tipos de governo, sistema tributário, burocracia e infraestrutura do que encarar o fato de que, sob novas lógicas de organização e interação social em redes distribuídas, o pensamento disruptivo – como o movimento de desescolarização – pode alcançar as estradas, os portos e até mesmo a democracia tal como a conhecemos.

Vamos lá: bancos trabalham de mãos dadas com o governo. Modelos tradicionais de segurança, transporte, saúde e educação sofrem com corrupção, ineficiência e a constante fricção entre o que é atribuição pública e o que é particular. Ao mesmo tempo, comunidades que unem pessoas e exploram novos caminhos florescem, como os serviços educativos Duolingo, Cinese e Coursera.

Se o liberalismo é um tipo de cooperação voluntária em que indivíduos trocam coisas para benefícios mútuos, por que não enxergar percursos como o da substituição das licenças de copyright por creative commons, o financiamento coletivo de Kickstarter e Catarse e a entrega de tempo para o desenvolvimento de plataformas sem fins lucrativos feito a Wikipedia como manifestações de um novo tipo de ordem econômica?

Vislumbrar as coisas em graus e reconhecer que já existem mais escolhas do que entre as mãos visíveis e invisíveis do Estado na economia me parece mais honesto intelectualmente e bem mais desafiador.

Entre os participantes do Fórum que assisti e aqueles com os quais conversei, o CEO do Liberty.me e anarco-capitalista declarado Jeffrey Tucker foi o único que se mostrou realmente disposto a procurar novas soluções para os paradigmas que nasceram junto com este século.

Quando os reguladores dos Estados Unidos eliminaram o Napster, eles pensavam que haviam eliminado a corrente de troca de arquivos, mas o que eles fizeram foi propagandear a tecnologia para o mundo inteiro.

Não existe filme que já tenha sido feito que você não pode baixar por algum torrent. Todo mundo sabe, e por que isso existe? Porque são indestrutíveis. São maiores e mais poderosos que governos. Isso é gigantesco para a causa da liberdade humana. Pela primeira vez nós temos uma instituição que pode sempre e de qualquer lugar superar intelectualmente a habilidade do governo de controlá-la.

Jeffrey Tucker
Jeffrey mostra a gravata de caveira com dois ossos cruzados, uma referência ao Partido Pirata. “Você acredita neles? Sim, pirataria é liberdade. Eles são heróis”.

Jeffrey acredita que o Estado que conhecemos não pode durar por que regula o passado (cita os serviços de correios como exemplos de instituições anacrônicas), e que em um mundo com internet e impressoras 3D não há chance alguma para a propriedade intelectual, algo bem caro à maior parte das pessoas com quem dividiu o palco.

Em 50 anos as pessoas vão estar rindo de patentes e copyrights. A internet é uma gigantescas máquina de cópias, e é isso que ela faz melhor.

A propriedade intelectual pertence a uma era diferente. Quando eles inventaram o barco à vapor: ok, você pode fazer uma patente e talvez defendê-la por alguns anos. Mas com a velocidade da informação hoje isso não tem chance, então apenas esqueça. É bobo. O mundo se movimenta muito rápido, é muito criativo, muito inovador, muito competitivo.

Nesse contexto de mobilidade, não existem respostas definitivas. Mas existem bons exemplos verticais e horizontais que merecem uma olhada mais crente mesmo de quem não acredita em outros caminhos, em mundos alternativos ou em vida extraterrestre.

A social democrata Suécia desinchou. Diminuiu os gastos públicos de 63% do produto interno bruto em 1993 para 49% em 2013, ajustou a previdência para um sistema mais adequado à população que está envelhecendo e criou um sistema de vouchers para a educação e a saúde que coloca o privado para competir com o público.

Na vizinha Islândia, um grupo de 25 cidadãos apresentou uma proposta de Constituição construída online por centenas de pessoas para substituir a legislação de 1944.

Na Grã Bretanha, terra que tem a Libra como referência de moeda segura, o movimento Positive Money quer democratizar o dinheiro tirando o poder de emissão de divisas do sistema bancário – mesmo sem alçar o Bitcoin e similares à condição de salvadores da lavoura. A proposta é desatrelar a criação de dinheiro da criação de débito, e entregar a grana para a economia real antes do mercado financeiro.

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Não importa se eu e você acreditamos em direita, esquerda, Estado forte, livre mercado ou abolimos essa delimitação do vocabulário. Está na hora de começarmos todos a deixar de enxergar o presente e o futuro com os olhos do passado.


publicado em 08 de Maio de 2014, 12:52
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Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no Instagram.


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