O BDSM das mães inglesas não me impressiona

Cinquenta tons de cinza, romance de E. L. James vendeu mais de 70% das 200 mil cópias da versão brasileira que a Editora Intrínseca produziu até o primeiro dia do seu lançamento. No mundo, foram mais de 10 milhões de cópias em apenas seis semanas. Nada mau para um livro que surgiu como uma espécia de homenagem à série Crepúsculo.

Minha compra está no meio dessa estatística. Na verdade, a compra da minha mãe, que também ficou curiosa pelo furor que este livro tinha causado nas mães inglesas.

Danadinhas

Com apenas poucos dias de lançamento, Cinquenta tons de cinza já havia recebido tantas críticas positivas quanto atingido marcas incríveis de venda. Talvez, você já tenha sido atingido por algumas das campanhas em torno do livro. De qualquer forma, não estou aqui para falar da sua qualidade literária.

Estou aqui para falar do Sr. Grey e dos homens brasileiros que encontrei ao longo da vida.

Um best-seller entre as mães inglesas

Imagino como essas mães podem se impressionar com caras como o Sr. Grey. Ele é podre de rico, tem físico de academia, um passado misterioso e é mau. Muito mau.

Como você pode prever, uma relação com esse homem poderoso não poderia ser só uma aventura de sexo convencional. O Sr. Grey é adepto do BDSM. Mas com limites rígidos (porque se não as mães ficariam chocadas, claro): sem sangue, sem estrangulamento, sem dejetos, sem queimaduras e por aí vai. E é claro que ele não poderia ser só um cara solteiro e estranho. O Sr. Grey tem medo de se relacionar. Aliás, tudo é feito com base em um contrato com ele.

Para uma jovem inexperiente como a protagonista, Anastasia Steele, tudo é um bicho de sete cabeças. Ela cai no velho dilema de "ele só quer me usar", com um adicional de crise existencial por ele ser um completo pervertido. Senta lá, Sra. James.

Esse cara não é de nada

Enquanto lia o livro, revirei os olhos algumas vezes. E nesses momentos, pensava um pouco no que eu vivi, no que já li e no que já ouvi de amigas ou mesmo de desconhecidas.

Lembro de uma conversa com uma polonesa. Eu estava triste em uma festa e ela notou. Veio me perguntar o que era e confessei que estava um pouco frustrada. Tinha recebido uma mensagem do cara que eu estava interessada às 22h30min. Ele perguntava se eu não queria dar uma passada no apartamento dele.  Estava nessa festa com um amigo meu, mas não pude deixar de me sentir tentada.

Calculei o tempo que levaria pra pegar um ônibus e quem sabe até passar em casa pra dar um grau. Respondi: "você quer que eu durma aí?" A resposta demorou um século, mas veio: "Hoje não dá. Vou receber hóspedes de madrugada". Fiquei chocada porque ele realmente só queria que eu fosse lá para dar uma rapidinho. Sem nem ter o sacrifício de me deixar ficar, nem que fosse pela minha segurança. A polonesa ouviu tudo com atenção e depois soltou: "Mas você é brasileira. Ainda não se acostumou com isso?"

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E o que isso tem a ver com o Sr. Grey? Ora, o Sr. Grey é um cafajeste, sabe. Ele não gosta de relacionamentos, mas dorme com Ana quando ela se sente só. Ele quer usá-la somente, por isso a persegue, manda e-mails diários e . O Sr. Grey tenta ser sincero e vive dizendo para a protagonista como ela o seduz e como ela é gostosa – exatamente com essa dramaticidade.

Fico pensando se não falta um pouco de realismo ou se é só no Brasil que o Sr. Grey parece um ursinho de pelúcia cantando música de ninar. Sei que a internet está cheia de postagens discutindo as principais fantasias das mulheres.

Uma bem frequente é a de ser possuída com violência – não encontrei forma melhor de descrever. E a Sra. James deve acreditar que Grey é um exemplo ideal disso. Mas ele é apenas a fantasia pela metade. O que torna o Sr. Grey mau é somente a quantidade de dinheiro que ele gastou comprando chicote e todos os brinquedos do sex shop, mas já vi bem menos alarde numa bunda vermelha.

O cara que me chamou de madrugada não mandou o motorista particular ou um helicóptero pra me buscar. Ele não ia pagar nem o bilhete do metrô. Os peguetes das minhas amigas só mandam mensagem de duas em duas semanas.

"Nunca recebi uma mensagem"

Se você falar que está tudo acabado, eles não vão aparecer na sua casa dispostos a tudo para te convencer. Eles vão dar de ombros e ligar novamente um mês depois como se nada tivesse acontecido. As mães inglesas ficariam indignadas, sem dúvida. Já imaginou levar umas palmadas e não receber – não diria nem um carro, um MacBook ou um celular – nem o convite para comer macarrão instantâneo?

Engana-se quem acha que vim para reclamar desses homens. Talvez um pouco menos de malandragem fosse melhor. E, talvez a porcentagem de problemáticos com relacionamentos pudesse ser reduzida. Cavalheirismo e sinceridade, sem dúvida, não fariam mal algum. Mas, em minha pouco importante opinião, aventura e erotismo de verdade não é o forte das mães londrinas.

Entre o Sr. Grey, com seus problemáticos tons de cinza e os cafajestes que conheci, eu ainda ficaria com os segundos. Esses, sim, são maus.

E dariam um livro bem melhor.


publicado em 21 de Agosto de 2012, 15:50
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Seane Alves Melo

Jornalista e aspirante a mestranda. É estranha, invocada, amante de vírgulas e apaixonada por milhares de coisas aleatórias. Escreve o que vem à cabeça em E o mundo seguiu adiante e posta coisas de menina semanalmente em Kitty Cat Makeup.


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