Novembro Azul | Homens negros tem mais chances de ter câncer de próstata e nas formas mais graves

A atenção a prevenção tem de ser redobrada considerando os fatores de risco de cada população. Uma entrevista como Dr. Osei Akuamoa dá dicas práticas de quando procurar um médico.

Saúde do homem não é um tema só para novembro, é prática pra todos os dias, mas novembro é quando a gente se permite um tempo para sentar e conversar um pouco mais sobre isso. Afinal, você quer viver sete anos a menos?

Homens vão pouco ao médico.

Segundo a Sociedade Brasileira de Urologia, mais de metade dos homens não vão ao médico com regularidade. Dados do ministério da saúde mostram que, quando os homens procuram um médico, sete em cada dez só o fazem após a insistência da mulher ou dos filhos.

“É a realidade do nosso consultório, é aquele paciente que fala a 'Doutor, você sabe que é a primeira vez que eu venho ao médico na minha vida?' ou 'Ah doutor já fui no pronto socorro por conta de uma dor qualquer, mas que eu sento para uma consulta é a primeira vez'”

Dr. Osei Akuamoa Jr. é médico urologista, especializado em cirurgia robótica minimamente invasiva, e é uma voz das mais importantes para nos ensinar sobre saúde do homem e sobre os cruzamentos de gênero, raça e classe que fazem parte dos obstáculos para que mais e mais homens se cuidem.

“Eu sou um médico negro e a gente sabe que a população negra é a que mais utiliza o  SUS. Tem um dado que o professor Silvio de Almeida citou,que aproximadamente 70% da população negra brasileira depende totalmente do SUS. A nossa população é a que é mais desassistida, isso se repete durante todo o ciclo de  vida do homem.

Tem um dado que o câncer de próstata é mais comum na população negra.

O homem  da raça negra tem mais chance de ter câncer de próstata e quando o tem ele tem ele tem um forma mais grave em termos histológicos [na investigação do tecido que forma o tumor]."

[Se você quiser entender mais sobre o câncer de próstata, dá uma olhada neste texto]

"Não existe fundamento teórico claro para isso. Mas o fundamento básico, é que este homem procura a assistência de saúde, mesmo quando ele tem um problema grave como o câncer, procura maneira tardia, então ele acaba tendo o diagnóstico de uma doença mais avançada e isso se repercute em todos os agravos de saúde.

Em todas as raças existem doenças que são mais ou menos prevalentes, isso precisa ser dito. Mas a gente não trabalha isso de forma tão a fundo quanto se estuda. Em termos de saúde pública as coisas são colocadas de forma muito generalista.  

A gente passa o mês inteiro falando sobre novembro azul e esquece de frisar que a raça negra tem o câncer de próstata de forma mais frequente e quando o tem, tem de forma mais grave."

Como mudar esse cenário de abismo?

Mapas das desigualdades espaciais mostram a diferença de expectativa de vida entre homens negros e brancos, variando também de acordo com a localidade. 

Mudar esse cenário de abismo e de desigualdade passa por: Reduzir as desigualdades, garantir direitos básicos, como o acesso ao SUS, acesso que atenda a toda a população e, também, ampliar as informações.

Isso é importante para gente alertar uma raça, que no caso nosso [população negra] é de 56% da população, que é um problema de saúde que é mais presente em você.”

Esse convite ao cuidado é para todos!

Como o Dr. Osei coloca, é importante mostra o recorte de raça, porque informar é um dos caminhos para diminuir o abismo e para que homens, e principalmente homens pretos, não morram mais cedo por falta de cuidado. Mas o convite ao cuidado é para todos os homens, de todas as idades.

Procure a assistência de um urologista a qualquer momento, não tem idade para procurar e o princípio é holístico: assim como um bom clínico, a gente consegue fazer esse direcionamento pros pacientes baseado nesse primeiro contato, nessa primeira consulta no urologista. 

Ás vezes o homem vai se descobrir hipertenso numa consulta com o urologista. Ou que é diabético, ou que tem outro agravo de saúde... como acontece com as mulheres que vão ao ginecologista.

O urologista é o médico do homem deve ser procurado em qualquer momento, mas claro que tem alguns momentos cruciais: esse momento entre os 40, 50 anos, é o momento pertinente pra investigar os problemas relacionados à próstata, dentre eles o câncer de próstata.

Mas a gente da urologia deveria ser procurado desde o recém-nascido.  Os pais deveriam procurar um urologista porque o urologista tem um papel no desenvolvimento daquela criança que tem uma fimose, daquele adolescente que está fazendo a transição para vida adulta, daquele adolescente que tem muito questionamento em termos de desenvolvimento ou em termo de transexualização."

Hoje em dia, quando os homens vão ao urologista?

A Sociedade Brasileira de Urologia identificou, em 2015, que 51% dos homens nunca foram ao Urologista. Perguntamos ao Osei, quais os motivos que levam os homens ao consultório dele, atualmente. Mais que prevenção, é o aparecimento de sintomas:

"Na faixa etária mais adulta é o cara que vai lá se consultar baseado em problemas miccionais: dificuldades para urinar, levantando muito a noite para urinar...

Na fase do adulto jovem, é o cenários das IST [infecções sexualmente transmissíveis]: É o cenário do adulto que está com alguma verruga genital, que teve uma relação sexual desprotegida....”

Quais os principais obstáculos?

Por que os homens não procuram, não fazem consulta de rotina?

"Essa pergunta esbarra em vários conceitos e esses conceitos nos acompanham lá da infância. A gente se cria e absorve uma masculinidade que é tóxica para nós mesmo homens.

A gente fica preso a cultura do não cuidado da saúde, não prevenção, não ir ao médico porque tem que ser durão, não pode sentir dor, não chora, são estes conceitos bem presos a nossa cultura que nos afasta da assistência de saúde de forma preventiva. E quando fica doente tem que ser simples, não precisa procurar um médico porque de algum jeito as coisas vão se resolver.

Isso e um conceito muito errado porque nós homens temos agravos de saúde, tanto quanto as mulheres, então a gente precisa procurar assistência de saúde."

Anota ai: quando essas consultas deveriam ser feitas?

Mini-guia: Quando devo consultar um urologista?

Resumindo aqui várias das instruções do Dr. Osei, é importante fazer visitas em alguns marcos da vida masculina:

1.Primeira Infância

"Só têm dois momento na vida que a infecção urinária nos homens é muito mais comum que nas mulheres, que é na primeira infância, até o 5 anos de, porque tem a fimose que é muito comum até o terceiro ano de vida então é um momento na vida que tem muita infecção, e no momento da velhice em que a próstata está acrescida então tem muito sintoma. 

Aquela criança que fala: 'Pai, tá doendo pra urinar', isso não pode ser negligenciado, tem que ser consultado."

2.Adolescência

“Aquele adolescente que tá no desenvolvimento e que tem dúvida sobre sexualidade, tem que ser levado ao urologista.”

Mais que diagnosticar problemas, o urologista é um profissional capacitado para passar informações preventivas e guiar o jovem para um vida sexual em que a tomada de decisões será mais consciente por ser mais informada. 

Enquanto 42,1% das meninas responderam ir ao ginecologista, apenas 3,5% dos garotos fazem o mesmo.

“O adolescente que quer ser um candidato a transexualização (que é a mudança de sexo) é fundamental o urologista participar do processo.”

3.Vida adulta: manter a rotina de 2 em 2 anos

O Dr. Osei indica que, para jovens adultos, pelo menos a cada dois anos seja feita uma visita preventiva ao urologista e ainda dá um alerta sobre o qual pouco se fala:

“O câncer mais comum entre os homens de 20 e 30 anos de idade, é o câncer de testículo e pouco se fala disso então às vezes o homem tem um caroço no testículo e acha que tomou uma pancada namorando ou jogando bola e aquilo ali pode ser um câncer de testículo.”

4.Após os 40: rotina todos os anos

“Depois dos 40, 50 anos, o câncer de próstata se torna mais importante então a visita anual deve ser considerada.

E ainda deixa um conselho para aqueles que têm receio ou acham desnecessário o exame de próstata:

“O câncer de próstata não tem, na literatura médica, um fator predisponente objetivo, não existe fator causal. O único fator que existe dados robustos é histórico familiar. Todo paciente que tem histórico de parente de primeiro grau com câncer de próstata, ele é um paciente de altíssimo risco, é o paciente da luz amarela. Se tiver dois parentes de primeiro grau, ele tem 2.5 mais chances de ter câncer de próstata, quando ele é um paciente negro, ele tem 3.1 vezes mais chances de ter câncer de próstata.”

Uma proposta para esse novembro azul:

Vá a um urologista e converse com um amigo sobre isso.

Jornada_PdH: Saúde do Homem 

A jornada é um percurso contínuo de encontros virtuais que fazemos, duas vezes por mês, para poder dialogar mais de perto com a nossa comunidade de membros PdH.

O Dr. Osei é quem vai nos guiar na jornada deste mês participando dos círculos virtuais, ensinando sobre saúde do homem e tirando dúvidas. 

Para participar destes encontros e de outros eventos PdH, se inscreva no nosso Programa de Membros do Catarse (na faixa Jornada PdH para cima). 


publicado em 05 de Novembro de 2020, 12:57
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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