Como posso exercer a minha paternidade para que ela não seja apenas uma ajuda?

Cada homem, cada família tem seu contexto e sua história. Todas elas são reais e válidas. Mas como ser um pai presente em qualquer cenário? Eis o nosso desafio cotidiano: fazer o melhor com a vida que se apresenta, sem adotar cartilhas fixas, sem medir amor em horas de cronômetro.

Por muitas vezes, acontecem embates do tipo “Eu passo pouco tempo com meu filho, mas quando estou com ele é um tempo de qualidade”, ou quem sabe “Minha realidade de trabalho e financeira não permite que eu dedique o tempo que eu gostaria aos meus filhos”, ou até “sou divorciado e vejo meu filho só aos finais de semana. É o melhor que posso fazer neste contexto”.

Grande parte dos debates nem é sobre divergência de ideias, mas de conceito: o que significa estar presente? É contato físico? É quantidade de horas? É “tempo de qualidade”? Logo percebemos que essas perguntas não têm respostas exatas; presença é um fenômeno relacional, tecido ponto a ponto no cotidiano — e o princípio fundamental e atemporal que pode direcionar todas as realidades é o interesse genuíno pelos filhos.

Porque quando nos interessamos profundamente, nós cuidamos. Nós aprendemos a cuidar. Deixamos o lugar de “ajudar”, e assumimos nosso papel do cuidado junto com a mãe.

Sim, eu sei. Nem sempre é fácil. Quando um filho entra na nossa vida, nem sempre temos tempo para elaborar o que está acontecendo. O trabalho consome, talvez não possamos neste momento reduzir o ritmo. O dinheiro está contado, mais uma vida para alimentar. E agora? Como abrir o caminho do cuidado em um cenário de tempo escasso?

É verdade que somos responsáveis por nossas escolhas, e que podemos construir uma realidade diferente. Mas nem sempre é rápido, nem sempre temos total controle neste momento. Seria melhor se tivéssemos mais folgas na escala, mais tempo de licença paternidade. Com certeza, é fundamental. Mas ainda não temos. E agora?

Como ser um cuidador primário, um pai presente, que se interesse genuinamente pelos filhos, em cenários de grandes adversidades como o da maioria dos pais brasileiros? Tentarei aqui oferecer algumas perspectivas que possam se encaixar em diversas realidades, sempre ancoradas no princípio maior que citamos aqui: O interesse genuíno pela vida de seus filhos.

Se interesse pelo que seu filho come

A alimentação é um dos alicerces fundamentais da energia vital da criança. Busque conhecimento sobre o assunto, priorize os alimentos que nutrirão corretamente o corpo do seu filho. Ao contrário do que pensamos, alimentos naturais, comida de verdade, geralmente são mais baratos do que os ultraprocessados.

Se possível, faça alguma refeição do dia com ele, sentados à mesa. Assim você poderá notar as preferências, as mudanças, o padrão alimentar. Caso não consiga estar presente na refeição, prepare algumas refeições para ele comer no outro dia. Ele ficará feliz em saber que papai preparou o almoço com muito carinho.

Se possível, faça seu filho adormecer 

Pode ser um bebê, ou já adolescente. Sente com ele por alguns minutos. Converse um pouco, leia uma história. Faça carinho, abrace. Para mim, esta é a hora mais mágica do dia. O momento em que tudo faz sentido, onde o significado salta aos olhos, onde nada mais importa. Seu filho se sentirá mais seguro e encorajado tendo você ao lado dele antes de dormir.

 Brinque com seu filho

Faça isso em estado de presença, ou seja, sem interrupções, sem celular. Só com ele. Seja, 10, 20, 30 minutos. No dia de folga. Não importa. Crie, invente brincadeiras. De preferência, não use nada pronto. O brincar é o portal dos aprendizados das crianças. É o espaço de criação, exploração e conexão. E se estiver com ele nestes momentos, a relação alcança novos patamares de confiança e cumplicidade.

Converse com o seu filho

Tem 15 minutos? Talvez pela manhã antes do trabalho ou quando chegar em casa? Faça uma pergunta e ouça seu filho atentamente. O que mais ele gostou de fazer hoje? O que deixou ele triste? O que ele está sentindo hoje? Navegue pela história, pergunte mais, queira saber mais. Seu filho quer ser amado, ouvido. Quer se sentir parte. A escuta é uma das melhores ferramentas para que ele acredite que: “Alguém me vê!”. Isso é interesse genuíno na sua essência.

Dedique as suas folgas

Se sua escala é 6×1, ou 5×2, não importa: suas folgas talvez não sejam mais suas. Sejam deles. Dedique seu tempo livre sem trabalho para criar momentos e memórias com as crianças. Sim, temos muitos afazeres além do trabalho e por vezes sobra o dia de folga para resolver várias coisas. Encontre um espaço relevante para encaixar um tempo de qualidade com seu filho. Quem sabe envolvê-lo nestas coisas a serem resolvidas. A criança adora contribuir e se sentir útil. O mercado, a limpeza da casa, as receitas na cozinha. Tudo pode virar um tempo divertido juntos.

Cuidar dos bastidores

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Já parou para listar quantas atividades estão envolvidas no cuidado com a criança? Me refiro àquelas dos bastidores. Quando seu filho toma vacina, alguém agendou. Alguém pesquisou quais são necessárias, foi lá no posto no dia certo e deu a vacina (possivelmente a mãe). 

Escolha da escola, compras saudáveis para a refeição, roupas que o filho está precisando, planejamento das atividades da criança além da escola, são muitas coisas que você, pai, pode e deve participar ativamente. Seja protagonista dos cuidados que, talvez, o seu filho não está vendo, mas está sentindo.

Tente ao máximo participar da vida escolar do seu filho

Não conseguiu ir à reunião de pais, fale com a professora nos horários possíveis. Acompanhe as atividades de casa, preste atenção ao desenvolvimento. Pergunte a ele o que ele mais gostou de aprender hoje, observe o que ele tem feito de diferente da semana anterior. Vibre e celebre junto o processo, os avanços e a evolução. Seu filho se interessa mais pelo aprendizado quando você se interessa por ela.

Converse com a a sua parceira ou ex parceira sobre os filhos

Conversem pelo menos 1 vez por semana sobre seus filhos. Dialoguem sobre o que observaram de diferente, o que se encantaram, qual aflição estão sentindo ou quais as preocupações. Se alinhem quanto a maneira de agir ou reagir. Reorganizem tarefas e cuidados. Definam os limites saudáveis, aquilo que pode e o que não pode nesta família.

A maneira com que os pais se relacionam é uma vitrine viva para os filhos aprenderem sobre amor, parceria, lealdade e afeto.

Ninguém nasce pai. Nós nascemos filhos

Ao nos tornarmos pai, precisamos aprender praticamente do zero. E isso exige busca ativa. Geralmente, as mães ficam imersas nos conteúdos e cursos sobre maternidade e nós homens somos menos participativos neste processo. Seja no caminho para o trabalho, aqueles 10 minutos pós almoço, um pouco antes de dormir. Dedique tempo do seu dia para buscar recursos e repertório para criar filhos de forma saudável. Não haverá tema mais importante na sua vida do que este para dedicar seus estudos e empenho de aprendizagem.

Perceba sinais de mudança (emocionais, físicas)

A cada interação, cada momento de presença, fique atento. Não é só a voz que fala, o corpo fala. Mudanças de comportamentos repentinos ou alterações de humor podem ser sinais importantes. Observe o corpo, as unhas, pés, mãos, todo o corpo. Respiração, batimentos, sinais de ansiedade ou medo. Tudo é informação, tudo é precioso para que você possa direcionar seus cuidados com seu filho. Se interessar pelas sutilezas de seu filho é cuidar na sua essência.

Conheça os gostos e incentive

Qual a comida preferida? Qual a atividade predileta? O que você gosta, mas ele não gosta? Qual a matéria preferida? Qual o hobbie? O que gosta de conversar? E de brincar? Costuma ser mais observador? Mais ativo fisicamente? Como se relaciona? Qual o temperamento? Seu filho tem um espectro de personalidades possíveis, que mudam com muita frequência. Não rotule como “corajoso”, “medroso”, “esperto”, “paradão”, “inteligente” ou qualquer outro adjetivo fixo. Fique atento e se interesse pela evolução e pelo aprendizado. E, principalmente, crie um ambiente e possibilidades para que ele reverbere suas forças e paixões. Facilite o processo de seu filho se tornar o que ele quer ser, e não quem você quer que ele seja. 

Isso exige coragem, isso exige interesse genuíno e acompanhamento atento.

Reflita sobre suas ações e reações

Por último e não menos importante: Autoconhecimento

Dedique 5 minutos do seu dia para refletir sobre suas ações e reações com seu filho, e busque fazer melhor amanhã. Ajuste a rota. Nós iremos falhar, diariamente. O que vai mudar o jogo é identificarmos e aprendermos com o que aconteceu.

Nós e nossos filhos seremos um pouco melhores a cada dia se você, pai, se abrir com muita humildade para a autopercepção diária de seus atos. Não será fácil, mas acredite: são os 5 minutos mais valiosos do seu dia.

Precisamos, sim, de mudanças estruturais e sociais para que possamos ter mais equidade de classe, e que homens de todos os níveis sociais tenham a oportunidade de fazer escolhas para ficar mais próximos dos cuidados de seus filhos. Uma mudança significativa passa por legislações, cultura e movimentos unificados. Isto tudo é verdade.

É imprescindível uma licença paternidade maior, uma oferta de tempo estendida para que pais possam cuidar de suas famílias nos primeiros meses de vida e desenvolver novas capacidades e rotinas que permitam manter esses cuidados quando retornarem ao trabalho.  A luta continua!

Enquanto isso, que tal olhar para sua realidade, seja qual for, e criar seus próprios momentos de interesse, cuidado e presença com seu filho?

Você já sabe. Passa rápido. Comece hoje mesmo e experimente as sensações.

O filho nasce, o pai renasce. Não deixe escapar esta oportunidade da vida de ser uma pessoa melhor.

Texto produzido por Roberto Publio do Caminhos de Pai / @caminhosdepai

Andrio Robert Lecheta

Palestrante, Professor, Mestre e Doutor em Educação (UFPR) com pesquisas sobre masculinidades. Atualmente trabalha no departamento de Comunicação do Instituto PDH liderando a equipe editorial.