Tento levar a vida com um grau elevado de ceticismo a respeito de coisas do senso comum. Existem alguns pensamentos popularescos que me absorvem atenção especial. Um deles tenho visto sendo repetido reiteradas vezes nas redes sociais. Trata-se da ideia que pode ser resumida pela seguinte frase: "não me importo com o que os outros pensam".

Em condições normais, vejo essa concepção de realidade ser sustenta especialmente por adolescentes e, com esses, pouco me preocupo. Creio que a vida se encarregará de fazer as devidas correções, dentro do seu devido tempo. Estando o adolescente diante de todas as verdades do mundo, seguro de suas certezas, por que ele estaria preocupado com a opinião alheia a respeito do seu cabelo, sua roupa, seu comportamento, não é mesmo?

O caso passou a me chamar atenção quando observei um número substancial de adultos embarcando nessa conversa ou, simplesmente, ao não desembarcando dela. É muito possível que se trate da chamada adolescência prolongada, da qual muitos falam. Mas não sou psicólogo; então, também não tenho interesse nas patologias do comportamento humano individual. A natureza humana é muito mais divertida quando analisada no geral. 

Nossos sentimentos de interesse pelos outros estão ancorados na utilidade daquelas virtudes consideradas socialmente interessantes para o bem-estar das nossas comunidades, benevolência e justiça, por exemplo. Quando o assunto é nossa ganância e nosso egoísmo, eu e você somos de tipos diferentes de gananciosos e egoístas, com objetivos diferentes, interesses que não se cruzam etc. Contudo, a respeito dos nossos sentimentos morais de justiça, amor ao próximo e compaixão somos apenas diferentes em grau, não em espécie, e nem um nem outro é integralmente alheio às considerações valiosas expressas em virtudes socialmente tão valiosas. 

O que nos faz ter interesse sobre a opinião que os outros formam a nosso respeito é algo diretamente ligado à opinião que temos em torno de nós mesmos e do comportamento que, por sua vez, julgamos adequado para ser socialmente reproduzido. O apreço por si mesmo é a única coisa que une o tolo e o sábio. Nesse sentido tão elementar, somos vaidosos, e isso não é uma característica boa ou má. Nossa vaidade, por mais equilibrada que possa ser, nos mantém conectados com os valores socialmente instituídos e esses valores são necessariamente louváveis ou censuráveis, quando analisados do ponto da utilidade pública. 

Leia também  "We are legion"

Quando nossa honra está em jogo, uma das melhores formas de tentar defendê-la é atacando ou menosprezando o adversário. "Pouco me importo com o quê você pensa a meu respeito" é uma tentativa de menosprezar, mas não se surpreenda se o autor da frase estiver disposto a ataques aleatórios. Quem estaria mais preparado para encontrar inimigos do que aquele que os inventa? Imagine isso em um ambiente onde, não uma, mas várias pessoas estão inventando seus inimigos: seria estranho que se encontrassem e se digladiassem entre si? 

Curiosamente, é muito difícil encontrar um raciocínio mais vaidoso do que aquele que diz ignorar o quê os outros pensam a seu respeito. É justamente dentro desse sentimento que está minha declaração: muito me importa, sim, tudo aquilo que os outros pensam ao meu respeito!

Toda vaidade do mundo está contida dentro dessa emoção de desprezo pelos outros. É justamente essa condição pueril que atesta a eficiência e vivacidade da nossa vaidade e estabelece uma ponte indestrutível entre o egoísmo e nossa intenção de sermos agradáveis a todos os demais. Não fosse o autor de tão esquizofrênico raciocínio uma pessoa diretamente preocupada com o quê os outros pensam a seu respeito, ele não seria capaz sequer de pensar no assunto.

Tendo em vista os parâmetros de profundo desprezo que ele tenta (em vão!) empregar, dizer não se importar com o aquilo que os demais pensam a seu respeito é apenas hipocrisia. 

Everton Maciel

Everton Maciel é gaúcho e não suporta bairrismo. Só tolera bares que não permitem camisas polo. Nasceu jornalista, mas fez mestrado em Filosofia e mantém um blog próprio, <a>o Blog do Maciel</a>. Tem <a href="https://www.facebook.com/macielmacielmaciel">Facebook</a> e <a href="https://twitter.com/TomMaciel">Twitter</a>"