Não está tudo bem, eu sei

Está tudo perfeito na vidinha cotidiana e nem por isso está tudo bem

Começo este texto sentado na biblioteca central da Universidade Estadual de Londrina. Este é um lugar relativamente calmo, onde consigo estudar, ler e produzir meus textos com uma alguma paz.

Minhas contas estão pagas, não tenho que me preocupar com o que vou comer hoje a noite, onde vou dormir ou tomar banho. Minhas roupas estão lavadas, tenho mais livros do que consigo ler e, ironicamente, para um cara que admira as raízes estoicas e preza pelo desprendimento material, tenho uma quantidade desnecessária de aparelhos eletrônicos que costumo carregar comigo.

Apesar de ter solucionado basicamente todos os problemas básicos poderia me preocupar, existe um sentimento de vazio, uma angústia que não sou capaz de descrever em palavras, mesmo considerando que colocar ideias no papel é algo que faço com certa facilidade.

Uma grande parte da população vive esse mesmo dilema. Muitos de nós temos nossas necessidades básicas supridas - mesmo que às vezes com um certo esforço - mas ao fim do dia deitamos em nossas camas e sentimos uma fisgada, uma pontada aguda e dolorida no que a literatura romântica chamaria de alma.

Acordamos um certo dia e resolvemos compartilhar isso com alguém, qualquer pessoa que seja, um amigo, aquele colega de trabalho, ou até no twitter ou snapchat.

De uma forma tímida e resumida, o diálogo se daria mais ou menos assim.

— Cara, sei lá, ando meio tenso. Não sei o que está rolando.

— Mas tá com algum problema? E tal?

— Não, tá tudo tranquilo com grana e essas coisas, mas não sei, sinto uma parada estranha.

— Ah, como assim? Tá aí de carro novo, iPhone na mão. Relaxa cara, tá viajando, tá com a vida ganha e fica ai reclamando. Foca nas coisas boas que tudo vai se resolver.

— Pô, mas nem é disso que estou falando. Não estou reclamando que preciso de coisas, mas que não me sinto como acho que eu deveria me sentir. Não me sinto feliz, sei lá.

— Ah cara, pensa na galera que passa fome, que sustenta uma família inteira com salário mínimo. Aí você vai entender que está reclamando de barriga cheia.

— É. Deve ser...

Assim, uma conversa que começou como um sutil pedido de ajuda, termina com uma aula introdutória de “sua vida é perfeita demais pra você ficar reclamando”.

Não estamos bem

Você entra no elevador e começa a apertar o botão do andar, e durante os 40 segundos que o elevador vai do térreo ao décimo andar, você apertou esse botão mais vezes do que eu consigo contar.

Eu, você e todo mundo, sabemos que o elevador não vai mais rápido se você ficar apertando o botão.

Mas a ansiedade é irracional, você faz isso porque não consegue ficar parado, em paz.

Se outra pessoa entrar junto com você no elevador, o primeiro gesto é sacar o smartphone e mergulhar na tela, rolando a timeline pra baixo, sem ao menos ler o que está escrito, apenas tentando se esconder, como um cachorro que esconde o a cabeça mas deixa o corpo para o lado de fora, achando que ninguém está vendo. Estamos acuados, tensos.

O trânsito nos irrita, os 30 segundos a mais que o motorista do ônibus demora pra sair já nos faz suspirar de raiva. Ao abrir do sinal, já estamos buzinando, na expectativa do carro da frente simplesmente desaparecer e nos deixar passar. Intervalos minúsculos de tempo se tornaram gatilhos para explosões cada vez mais agressivas, e esses exemplos acima são uma irrisória representação de momentos que todos nós acabamos explodindo ao longo do dia, basicamente por “nada”.

Para os mais irônicos, essas preocupações são apenas frescura, mas qualquer um que parar para pensar um pouco além, será capaz de deduzir que isso é um sintoma de uma doença maior, que estamos sofrendo de uma extrema sensibilidade emocional.

Qualquer pequena oscilação nos padrões do cotidiano são motores para a raiva e a revolta.

O uso de medicamentos antidepressivos sobe em disparada, a maioria esmagadora das pessoas está insatisfeita em seu local de trabalho. Temos medos, receios e uma série de outros sentimentos que ainda não conseguimos explicar, mas aparentemente não podemos reclamar, porque nossa vida é perfeita demais.

Todos sabemos que existem milhões de pessoas com problemas bem mais extremos que os meus ou os seus. Se você possui acesso à internet, telefone celular ou computador, você é um privilegiado. 4 bilhões de pessoas sequer podem acessar internet, quem dirá ter acesso ao mínimo necessário para uma sobrevivência digna.

Eu sei disso, você sabe disso.

Os chamados “problemas de primeiro mundo” são sempre ridicularizados como forma de descreditar a pessoa que sofre. Você não pode ficar deprimido, você é rico. Você não pode se sentir sozinho, tem namorada. Como assim, não consegue estudar? É só sentar a bunda e abrir o livro. Não fez nada hoje, hein, você é muito preguiçoso. Está faltando força de vontade aí, você não quer isso de verdade, né?

Essas e outras frases são extremamente comuns, mas que ao invés de apontar o problema para uma pessoa, simplesmente a faz ficar mais confusa. Como assim, é só sentar e estudar? Eu não consigo! Se era para estar feliz, porque não estou?

O que diabos está errado comigo?

Não sou eu quem vai dar essa resposta. Nem seu namorado ou namorada. Nem sua mãe.

Eu mal consigo entender meus próprios sentimentos de confusão, seria uma pretensão vazia tentar solucionar essa massa de pensamentos que surgem na sua cabeça.

Nessa bagunça emocional que todos nos encontramos, já ajuda muito simplesmente ouvir e tentar compreender o sofrimento do outro, sem menosprezar com comparações para mostrar como a vida é perfeita e ele não pode ficar triste.

Nenhum de nós é guru. Por agora, o máximo que podemos dizer é “cara, eu te entendo, vamos tentar sair dessa”.


publicado em 18 de Novembro de 2015, 10:55
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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