Quando a arbitragem falha - algo que, convenhamos, tem acontecido bastante nesse segundo semestre de 2015 -, a maneira mais cômoda de justificativa é o erro humano. Cômoda porque:
1 - Não carece de investigação de fatores externos que levaram o árbitro a agir de maneira equivocada em lance que influenciou diretamente o resultado.
2 - A preparação da arbitragem brasileira é um lixo (e bater em bêbado é o caminho mais curto).
3 - Pouco interesse editorial em se aprofundar no assunto.
Antes de tudo, vale a leitura do seguinte post deste sítio: Regras do futebol: quem as faz? Lá nós explicamos quem é a International Football Association Board (IFAB), o órgão que regulamenta as regras do futebol. Além de aprovar as leis do esporte ao longo do tempo, a entidade também elabora regras complementares que se aplicam às partidas.
Pois bem. Por que é tão fácil colocar a culpa na arbitragem? Porque a Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol é uma incógnita.
A começar pela sua falta de transparência em decisões e em critérios. Por exemplo: setenta e duas horas antes da partida, a comissão é obrigada a sortear o árbitro do jogo. São escolhidos três nomes para o potinho. A única exigência é que eles não sejam da região dos clubes envolvidos - e, de maneira velada, pedidos externos de dirigentes e federações regionais.
Como esses três nomes são pré-selecionados? Ninguém sabe. E o pior: nenhum grande veículo tem interesse de botar o dedo nessa ferida. A única revolução da Comissão de Arbitragem nos últimos anos foi, pasmem, publicar uma avaliação de atuação dos árbitros na rodada. E de uma maneira totalmente institucional e com questionável senso crítico.
Essa falta de transparência abre um óbvio precedente para a desconfiança. Aliado a isso, temos a omissão oriunda de quem realmente manda no futebol brasileiro: a Rede Globo.
Ninguém mais que a Rede Globo critica a Comissão de Arbitragem. O ex-árbitro Armando Marques, que foi presidente da comissão durante oito anos, foi alvo de todos os veículos da emissora durante o seu mandato. Sergio Corrêa, atual presidente, também não tem alívio. E com justiça. Afinal, comissão tem parcela de culpa na visível incompetência da arbitragem brasileira.
É, mas não podemos esquecer o lado humano da profissão. A arbitragem brasileira não é regularizada. Árbitro de futebol é um bico.
Héber Roberto Lopes é professor de educação física.
Marcelo de Lima Henrique é fuzileiro naval.
Péricless Bassols, que é horrível, é dentista.
Ricardo Marques Ribeiro é assessor judiciário.
Todos eles batem ponto das 8h às 18h. Óbvio que possuem flexibilidade no emprego devido à função de árbitro, mas, poxa, como fica a preparação? A concentração? O maldito foco?
Não fica. Porque não é fácil ser árbitro de futebol no Brasil.
Existem movimentos que buscam a profissionalização da classe. A Associação dos Árbitros, um tipo de sindicato, dialoga com a Câmara Federal sobre esse assunto há anos. Recentemente, eleito melhor árbitro do Campeonato Paulista 2015, Guilherme Ceretta gravou um vídeo para o "Bem, Amigos!" defendendo a profissionalização da arbitragem no país.
"A profissionalização para nós seria fundamental. Teríamos direitos que hoje ainda não temos e brigamos para ter. Em relação à parte técnica, lógico que nós iríamos melhorar. Teríamos tempo integral para nos dedicar à nossa profissão, que seria a arbitragem. O grande problema disso também passa para quem vai pagar. Quem seria responsável pela remuneração? As entidades? Os clubes? Esse formato nunca foi passado para nós. Nunca ninguém pensou como fazer e qual valor ideal para nós recebermos."
Uma vez eu fui jovem e fiz esse vídeo horrível
O árbitro está propenso a errar. Ninguém o obrigou a estar ali. Mas é nosso dever, também, avaliar suas condições para a prática.
É fácil demais colocar a culpa nos árbitros. É fácil fazer uma enquete perguntando se o torcedor acha que “árbitro de futebol” precisa ser uma profissão legalizada e sair com a sensação de grande serviço prestado para o futebol. É fácil mascarar qualquer possível sujeira com tanta competência e bagunça envolvida nessa área.
O que não é fácil é colocar os interesses econômicos em risco ao investigar a existência de corrupção no esporte. Ao que parece, a Rede Globo evita mexer nesse vespeiro. Não porque está focada em qualificar a arbitragem brasileira, mas sim para manter suas condições contratuais - e ai de quem sugerir uma divulgação clara de como ele é feito.
Sendo claro: existe corrupção e manipulação de resultados no futebol brasileiro?
Olha. Eu, um consumidor de futebol, adoraria colocar minhas duas mãos no fogo e dizer: "meu deus, nem diz uma coisa dessas. É claro que não. Os erros que acontecem são reflexos da falta de respeito e qualificação da arbitragem".
Contudo, num país onde há comprovadamente seguidos casos de corrupção no Executivo, Judiciário e Legislativo, onde o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol está preso e o atual evita sair do país para não ter o mesmo destino, eu não seria tão ingênuo.
Me resta torcer. Pelo meu time e por um jornalismo menos hipócrita.
publicado em 18 de Setembro de 2015, 18:48