Uma missão: fazer o melhor com o que tem na mão | Mais que um jogo #12 paralímpica

Entre fazer um aborto e se tornar paraplégica, ela escolheu a segunda opção e hoje tenta fazer o melhor

Eu ainda era pequeno quando alguém me disse que todos nós, seres humanos vivos, deveríamos compartilhar uma responsabilidade: procurar fazer o melhor sempre.

A gente erra, erra muito, eu até seria capaz de nos definir como criaturas errantes, mas me parece errar menos quem tem a intenção de acertar. E até hoje acredito que esse deve ser o nosso compromisso. Se não por nós, pelas gerações que virão a seguir e encontrarão o planeta que deixamos pra trás.

Os níveis de exigência que a gente pode se impor nessa tentativa são distintos. Honestamente, definir o seu próprio é um acordo que deve ser feito individualmente. Mas caso seu nível de comprometimento com a busca de fazer o melhor possível está muito baixo, aqui vai um empurrãozinho.

Uma estranha mania de ter fé na vida

Coragem e precisão na tomada de decisão são atributos treinados por qualquer bom esgrimista. Mas no caso de Mônica Santos, essas qualidades se manifestaram antes mesmo dela se tornar uma atleta da modalidade.

Aos 18 anos, Mônica já tinha três anos de namoro com seu atual marido quando descobriu que estava grávida. Entre a alegria pela maternidade e o medo dos desafios que se sucederiam, ela teve que lidar com uma questão ainda mais delicada.

Quando nos primeiros meses de gravidez começou a sentir uma fraqueza nas pernas, Mônica pensou ser algo normal do período. Os sintomas, porém, foram se agravando a ponto de não conseguir mais ficar de pé e foi numa cadeira de rodas que deu entrada no hospital para descobrir que o motivo real por trás da fraqueza até tinha relação com a gravidez, mas não era algo que pudesse ser chamado de normal: Mônica descobriu um angioma medular.

"Eu nasci com uma malformação nas veias da medula, mas não sabia disso. Quando engravidei, parei de menstruar, e uma veia dessas inchou apertando as outras. Isso comprometeu meus movimentos."

Mônica ouviu dos médicos que o aconselhável seria interromper a gestação para evitar que a lesão pressionasse ainda mais a medula e para que pudesse fazer a cirurgia de remoção do angioma. Seguir com a gravidez significava correr o risco de ficar tetraplégica, parar não dava nenhuma garantia de que sairia sem sequelas da mesa de cirurgia. Sob pressão, a jovem adolescente optou por não abortar e assumir o risco.

"Eu já achava que ia morrer na cirurgia. Queria pelo menos deixar uma parte de mim para os meus pais cuidarem. O natural não é os pais enterrarem os filhos, é os filhos enterrarem os pais."

Ainda no leito do hospital, Mônica precisou assinar um termo judicial se responsabilizando pelo que viesse a ocorrer. Felizmente, seis meses depois, deu a luz à Paolla e se submeteu à cirurgia. Perdeu o movimento das pernas, mas seguiu podendo carregar a filha no braços.

Religiosa, ela tem suas posições sobre o aborto, mas afirma que isso nem sequer foi uma questão para ela na época.

Me tornei cadeirante em 2002 por opção. Não foi uma questão religiosa. Foi uma questão humana. No momento eu nem pensava em ser contra aborto ou a favor. O fato é que eu queria ter um bebê.

A questão que parecia estar resolvida ainda apresentava um último desafio. Além de ter que viver e conviver com as dificuldades impostas pela deficiência, Mônica ainda precisava pensar no que responder à filha quando esta começasse a perguntar o motivo pelo qual a mãe tinha se tornado paraplégica.

Quando Paolla, hoje com 13, completou 11 anos, sua mãe decidiu que era hora de contar a verdade e resolveu fazer isso da melhor maneira possível, sem que a filha se sentisse culpada pela condição da mãe.

"Eu dizia a ela: 'não é que a mãe está na cadeira por causa de ti, é por causa de ti que a mãe consegue fazer as coisas'. Foi a minha filha que me reabilitou, que fez eu me tornar independente. Se eu não tivesse engravidado antes, isso teria acontecido comigo quando chegasse à menopausa."

A questão da independência parece ser algo realmente forte na história de Mônica. Deficiente, poderia ter ficado acomodada diante das circunstâncias, mas novamente escolher fazer o melhor com o que tinha.

Enquanto Paolla era um bebê, foi dona de casa. Depois passou a ajudar na oficina do marido. A sensação, porém, era de que ainda faltava algo que fosse só seu e a solução veio através do esporte. Passou pela natação, pelo tênis de mesa, pelo tiro esportivo, até que...

"Quando andava, fazia futebol amador e não conhecia a esgrima. Após a lesão, comecei no basquete e fui apresentada ao jogo de espadas procurando esportes adaptados"

Na modalidade que surgiu por acaso, Mônica rapidamente surpreendeu a todos. Na primeira competição que disputou, terminou em terceiro lugar. Em um ano foi convocada para a seleção brasileira permanente e logo firmou-se como principal atleta feminina do país.

Se tornou tetracampeã brasileira, foi ouro no florete individual no Regional das Américas-2015, em Montreal, e bicampeã no ano seguinte na competição realizada em São Paulo quando ainda conquistou um bronze na espada.

"A ambição foi crescendo: me tornar campeã brasileira, aí quem sabe entrar para a seleção, aí quem sabe tentar vaga na Paraolimpíada."

E ela conseguiu. Conquistou a vaga para os Jogos Paralímpicos Rio 2016, se tornou a única representante feminina do Brasil na modalidade individual e mostrou que o melhor possível que estava ao seu alcance ainda era muito bom.

Em Londres tínhamos um atleta, agora temos oito. Isso é muito bom porque cresce a modalidade, e as pessoas veem que não é um bicho de sete cabeças. Não é o Zorro jogando, são atletas mesmo que estão buscando resultados para poder representar bem o Brasil.

Agora dentro de casa, Mônica conta muito com o apoio da torcida. Após receber recomendações dos atletas brasileiros que disputaram as Olimpíadas, a esgrimista aponta esse aspecto como o mais importante na competição dentro de casa.

Acho que a grande diferença vai ser a torcida, vai empolgar muito a gente e passar energia boa. Está na sua casa, tu que manda, então vamos incomodar. Cada um luta com as armas que tem.

Quando Mônica entrar na pista com seu florete para lutar por uma medalha, ela estará novamente procurando fazer o melhor com o que tem na mão. Paolla estará na arquibancada e todos nós na torcida pelo melhor resultado possível, ainda que, nesse caso, isso seja apenas um detalhe.

***

Nota da edição: amanhã (14), Mônica Santos estará na pista 3 da Arena Carioca a partir das 9h em busca de uma vaga nas quartas de final da esgrima nos Jogos Paralímpicos Rio 2016. Quem quiser torcer por ela, pode ir se programando.


publicado em 13 de Setembro de 2016, 21:21
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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