Lá onde você comprou, tinha pra homem?

A diferenciação de gênero na moda como conhecemos hoje está se tornando ultrapassada

A ambiguidade de gênero na moda não é novidade. Lembre-se de Diane Keaton em Annie Hall (1977) e de Kate Moss vestindo jeans folgados para a Calvin Klein (1992).

Depois disso, o armário feminino também passou a servir aos homens. Já vimos Kanye West fazendo shows vestindo blusa de coleção feminina e kilt (abaixo), Lil Wayne cantando com calça jegging de leopardo, Harry Styles e Justin Bieber usando jeans femininos.

Hoje em dia, vestir-se além das linhas de gênero é só mais uma escolha estética possível.

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Androginia

Diria que David Bowie, Kiss, Twisted Sisters, Secos e Molhados, entre tantos artistas e bandas que chocam a sociedade desde os anos 60, foram os precursores dessa história de quebrar as caixas dos gêneros. Essa galera vem desde então nadando contra a corrente e, no fim das contas, possibilitou essa discussão que está rolando agora.

Um bom tempo depois do estouro de Ziggy Stardust, surgiu no mundo da moda a tendência de homens com perfis andróginos estrelarem campanhas femininas.

Em 2011, a modelo Andreja Pejic, quando ainda assinava Andrej, desfilou para a Ausländer no Rio de Janeiro vestindo peças desenhadas para mulheres. Ela é a terceira pessoa a entrar na passarela no vídeo abaixo.

A modelo exerceu com sucesso o papel feminino e masculino durante anos e recentemente passou por uma cirurgia de mudança de sexo. Muitos criticaram sua decisão dizendo que iria perder o que a tornava especial. Um agente chegou a afirmar que ser andrógino era melhor do que ser transexual. Contudo, em uma matéria da revista Vogue, Andreja diz: “Isso é bom. Estamos finalmente descobrindo que gênero e sexualidade é complicado.”

Transsexuais

Pejic não é a única modelo trans trabalhando atualmente. Ines Rau, Arisce Wanzer e a brasileira Lea T são outros bons exemplos.

Lea T foi escalada para a campanha da Givenchy no outono de 2010 e, segundo Riccardo Tisci, designer da divisão masculina da marca, a escolha de Lea veio da vontade de mostrar para o mundo que “ela é uma mulher transgênero, mas é tão humana quanto todos”.

Enquanto isso, séries como Orange is the New Black, Transparent e Sense 8 – recomendo as três – ajudam a normalizar a vida de pessoas trans para grandes audiências. Filmes como Meninos Não Choram e Garota Dinamarquesa também dão visibilidade à essas pessoas. Creio que isso seja fundamental para quem não teve um modelo na família ou em sua comunidade em quem se espelhar ou simplesmente para mostrar que essas pessoas existem, que elas são reais.

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A moda sem gênero

Há poucos anos atrás, a Gucci e a Chanel lançaram homens em passarelas femininas. Já a Givenchy, Giorgio Armani, Saint Laurent, Raf Simons e Moschino fizeram o oposto, elencando mulheres para desfilarem peças masculinas.

Alessandro Michele, diretor criativo da Gucci, diz que “a escolha é uma forte afirmação de liberdade, que vai além da catalogação e dos rótulos”.

“A distinção estética entre homens e mulheres está desaparecendo”, afirma Lazaro Hernandez – co-fundador da Proenza Schouler. “Como estilista, você deve refletir sobre a cultura, e essa é uma grande faceta da nossa cultura hoje”.

A partir daí as campanhas de gênero fluido – nas quais é difícil distinguir peças masculinas de femininas – se tornaram cada vez mais comuns. E isso reforça a ideia de quanto a linha imaginária que divide a moda em dois segmentos pode ser tênue.

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Homens vestindo “roupas de mulheres”

Até então, só havíamos visto modelos homens com perfis mais delicados vestindo roupas femininas.

Então, em 2015, as marcas Topshop, Hermès e Saint Laurent também apostaram em campanhas sem gênero, fortalecendo a tendência. Com isso, a Louis Vuitton resolveu entrar na onda convidando Jaden Smith – homem, cisgênero, heterossexual – para estrelar uma campanha de moda feminina ao lado de quatro mulheres. Bum! A repercussão foi gigantesca.

O filho do Will Smith já havia demonstrado que transita entre as normas de gênero livremente. Volta e meia posta nas redes sociais fotos de si mesmo vestindo “roupas de mulher”, ou, como ele mesmo faz questão de chamar, “roupas”. O garoto curte uma polêmica pelo bem do progresso. Segundo ele: “você deve chocar a sociedade para promover uma mudança”.

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E agora?

Isso tudo trouxe uma reflexão importante sobre a escolha de cores, modelagens e estruturas para os sexos. Por que homem não pode usar saia? Bem, certamente não é uma restrição biológica.

É claro que sempre haverá peças que valorizam mais a silhueta masculina ou a feminina. Mas isso não significa que um homem não possa usar um vestido se ele quiser. A não ser o fato de a sociedade em geral – fora do mundo da moda e do showbiz – ainda não estar pronta para isso.

Por isso, ao meu ver, a moda sem gênero tem o papel fundamental de abrir o caminho, quebrando esse grande tabu. Não é algo que vai acontecer de um dia para o outro, mas é bom ver que os primeiros passos já foram dados.

Um dia talvez a escolha das roupas não estará mais condicionada à uma identidade de gênero e o seu estilo poderá ser mais flexível e expressivo. Essa tendência traz mais liberdade e é um alívio para quem não se sente confortável na dicotomia sexual que sempre foi imposta.

Afinal, o papel da moda deveria ser valorizar nosso corpo, nos expressar através dela e nos fazer sentir bem, certo?


publicado em 17 de Março de 2016, 16:50
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Rodrigo Cavassoni

Entusiasta de práticas sustentáveis e dono de um brechó online, a Arara.


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