Mochila, lama e silêncio no pé da Serra do Papagaio | Na Estrada #32

Escapada de final de semana, pra lembrar que tem hora que não carece de pressa

15h57 – Google Maps me diz que levarei 55 minutos do Centro ao Morumbi de metrô/trem. Tudo isso?

16h03 – Estou em frente ao elevador, um pouquinho preocupada.

16h20 – Fecham-se as portas do trem na linha 4 e ainda estou sorrindo com a perplexidade de um senhor de pelo menos 80 anos. Ele usava o mesmo tipo de boina do saudoso vovô Gilberto e levou com bom humor seu quase atropelamento pela multidão que saía do trem enquanto ele, parado no meio da porta, tentava entrar. Talvez ele não tenha entendido até agora o que aconteceu. Apesar do sorriso, me sinto mal por ter acidentalmente (pero no mucho) dado cotoveladinhas em pelo menos quatro pessoas que me empacaram no caminho da baldeação na Luz.

16h28 – Após perder o trem da linha 9, que partiu deixando na plataforma centenas de pessoas ainda amarrotadas e frustradas por não conseguirem entrar, tenho a brilhante ideia de ir na direção oposta e pegar o trem certo uma estação antes, afinal, o trem demora demais, às vezes 10 minutos (!!!) e nada poderia ser pior naquele momento. Entro no trem toda pimpona quando, 12 segundos depois, um trem completamente vazio vem na direção em que eu deveria estar. Droga.

16h35 – Bato o pé no chão impacientemente enquanto tento me distrair ouvindo a conversa da moça ao lado. Ela conta à prima, por áudio de Whatsapp, que não queria certas pessoas da família no seu casamento. "Ai de quem me encher o saco durante a minha festa" – aparentemente a mãe já foi avisada.

16h48 – Faltam duas estações. Meu Deus.

16h51 – Falta uma estação. Não vai dar.

16h52 – "Pronto aguardando ordens", diz a mensagem do namorado que me espera.

16h55 – Estou na rua, aperto o passo, quase corro. Vai dar, vai dar.

17h01 – Cheguei! 

Deu tempo! Em poucos minutos estava com as mãos no volante daquela máquina que nos levaria ao paraíso durante o final de semana. Botões, luzinhas e outras surpresas aqui e ali nos mantiveram entretidos até pegarmos a Dutra. Na rodovia decretamos oficialmente o início do final de semana.

Olhando assim nem parece um carro.

A partir dali, não houve um momento em que fizemos contas de horário levando em consideração os minutos. Mal falávamos em horas. Fazia mais sentido na nossa nova dimensão de tempo pensar em 'manhã', 'tarde', 'noite', 'quando acordarmos', 'quando tivermos fome', 'quando der sono'.

Como já virou costume, embarcamos na viagem sem saber muito bem pra onde estávamos indo e o que iríamos fazer. Queríamos dirigir no máximo três horinhas e, com as generosas dicas de amigos conhecedores dos cantinhos do mato, fomos parar em Itamonte/MG. Paz, silêncio, natureza e mineiridade nos foram prometidas. Era o que queríamos, uma vez que a ideia era escapar a selva de pedra.

Eu, particularmente, estava ansiosa por tudo isso que muitas vezes me faz falta no dia a dia da megalópole. Eu já deveria, entretanto, ter aprendido que ansiedade não leva ninguém a lugar nenhum. Minha vontade apressada de detectar vestígios mineiros em cada palavra e gesto de cada pessoa que cruzava nosso caminho me frustou um pouco. O sotaque tava mais pra carioca e o jeito de ser puxado pro paulista – nenhuma surpresa, se pensarmos que estávamos numa região de divisa entre estados. Demorou um pouco até me lembrar que nem eu mesma, que me gabo tanto disso, sou lá tão mineira de raiz assim: meu é pai goiano, minha mãe é mineira e os avós sergipanos.

Por aqui, há uma regra de ouro para viagens de lazer e dei a sorte de arrumar um par que viaja como eu: não tem must-do, não há passeio que nos tire da cama antes das 9h00 (quiçá 10h00), não há lugar que nos faça correr pra chegar pois tem hora pra sair. Somos adeptos de trajetos, de vivências, de observações.

Assim, no sábado, fomos fazer uma trilha bem tranquila, de amadores mesmo. Se ela tinha destino final, nunca descobriremos, mas nos propomos a andar umas duas horas até algum lugar que achássemos bonito, ficar por lá e voltar, a tempo de ainda fazer uma bela refeição. Foi assim que passamos por lama, cachoeira e degraus bem íngremes, chegando num topo de morro qualquer que nos deixou tão boquiabertos que por ali decidimos ficar. Em silêncio. A maior parte do tempo. Não sei bem ao certo qual a definição de paz interior, mas se tivesse que exemplificar seria com a sensação que tive naquele lugar.

Ao abrir o mapa no celular, descobrimos estávamos exatamente em cima da divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Eu fui para o lado de Minas. Ele, de São Paulo. Depois trocamos. Uma bobeirinha. Mas bem simbólica.

Nossa trilha amadora.
A serenidade no passo de quem não carece de faixa de pedestre
Aquele horizonte de perder de vista.
De que filme você se lembra vendo isso?
Não tinha Waze, mas o menininho que morava num casebre ao lado da cachoeira sabia o caminho.

Tranquilos porém famintos, nos lembramos que esquecemos que não estávamos em São Paulo. Uma cidade do trajeto não tinha restaurante, outra tinha, mas já estava fechado àquela hora. Foi só no início da noite que achamos, na terceira cidade, o único restaurante que servia jantar na região. Achamos o máximo ter passado por aquilo. A gente se acostuma a ser servido na hora que quer e isso não é necessariamente bom.

Dormimos cedo, mas nem por isso deixamos de lado a regra ali de cima. Depois do café da manhã, decidimos fazer uma travessia de carro. Horas de paisagens de encher os olhos. Éramos só nós, as montanhas, as pequenas fazendas e as vaquinhas. Passamos por alguns povoados, entramos na propriedade alheia, pedimos desculpas, paramos muitas vezes no meio da estrada para ver, ouvir, sentir.

Com o dia já querendo ir embora, chegamos em Aiuruoca e demos a sorte de ser dia de cavalgada. Enquanto os cavalos tomavam o rumo da roça, o pessoal da cidade chegava para a festa que arrecadava fundos para um lar de idosos da cidade. Tinha muita bebida, muita música, muita comida. Mas a melhor surpresa foi mesmo o leilão, que ao mesmo tempo oferecia pernil assado, cesta de café da manhã e galinha viva. Uma confusão simplesmente sensacional!

Povoado de Campo Redondo
A galinha foi arrematada por R$ 22

Com o sol, caímos na estrada rumo à São Paulo. Felizes, descansados, desacelerados.

Até quando não se esforça muito, a paisagem é bonita.

Prometemos não deixar a vida nos atropelar, a por o pé no freio, a não contar os segundos. Tive uma noite de sono excelente, como há tempos não tinha num domingo. Ainda estava animada quando acordei no dia seguinte, fui feliz para o trabalho. Abri o email.

9h17 – Fwd: Entrega do imóvel

Prezada Gabriela,

Informamos que o proprietário do imóvel por você ocupado não tem interesse na renovação do contrato.

O prazo para entrega das chaves é 31/08/2016.

Enviarei o aviso formal por correio com Aviso de Recebimento.

Att.,

Camila

***

Aproveito para fazer um agradecimento especial à BMW, que nos emprestou o Mini Cooper 5 Portas, e indiretamente nos proporcionou tudo isso. Um baita carro para uma baita viagem.


publicado em 11 de Agosto de 2016, 16:08
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Gabriela Lima

Socióloga apaixonada por gente, interessada por planejamento urbano. Acredita que a música dos anos 80 ainda vive. Fã da prosa de boteco, é paulistana de CEP e mineira de coração.


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