Bom dia, estimado Fred
Estou numa relação há 14 anos, 9 anos de namoro e 5 de vida conjugal.
De um ano para cá, minha mulher mudou muito, acho que se tornou muito autoritária e facilmente se irrita.
Estamos num flat do Estado por conta do cargo dela, às vezes quando fica aborrecida, ela enfatiza este pormenor.
Ambos trabalhamos. A ligação intrínseca dela com as amigas do trabalho tem sido uma influência desmotivadora para mim, daquela que era humilde, meiga, calma e proativa, passou para uma comandante, com excesso de espírito feminista.
Já pedi muitas vezes para que ela não dividisse nossas problemas com amigas mas ela conta e sempre sobra tempo de eu perceber que atitudes dela tem influência externa. Considero-me paciente, mas juro que estou no limite da minha paciência, preciso de ajuda.
Obrigado, G.H.
Olá G.H.
Sua história pode ter tantas linhas de raciocínio que vou me deter em três alternativas:
1. Você é machista e ela cansou disso
Muitos homens nem conseguem pensar com clareza sobre esse ponto, afinal costumam ter pouca habilidade de auto-análise, mas o fato é que mulheres, na medida que convivem com homens que não se consideram machistas, começam a identificar um padrão de comportamento sutilmente ofensivo do seu parceiro. E então, começam a reivindicar posições de respeito.
Por exemplo: ela prepara a comida e lava as louças e você fica sentado vendo a "mágica" acontecer e tudo se auto-limpar sem nenhum questionamento. Você fazendo comentários do tipo "mulher vagabunda" e "boa menina" como se tivesse fazendo um elogio a ela por ser uma boa menina. A sua perda de paciência quando ela fala sobre questões pessoais e você diz "pára de drama e de exagerar por tudo".
Deixar suas roupas espalhadas pela casa e acusar ela de ter TOC por limpeza só porque você tem "preguicinha" de colocar cada coisa no seu devido lugar. Ela pede um favor e você não faz, ela fala mais duro e você dá de ombros, ela grita e só assim você se mexe para trocar a lâmpada da sala, sendo que poderia ter parado de jogar video-game por dez minutos para fazer isso.
Ver o dinheiro dela como se fosse uma pequena "ajuda" nas contas da casa, sendo que ela, indepentende de ganhar mais, menos ou nada, tem exatamente o mesmo direito de dar sua opinião a respeito de qualquer coisa, assim como você tem.
Nesse caso, o "autoritarismo" dela pode ser uma reação compensatória do seu comportamento passivo-agressivo e do hábito de tratar uma mulher como se ela fosse uma emprega do lar.
E desculpe cutucar onça com vara curta, o feminismo não é causador de problemas conjugais se não há nada intrinsecamente machista na dinâmica da relação.
É, entre muitas coisas, uma luta social e individual para acabar com as folgas masculinas que, para nós, os privilégiados, parecem tão naturais que nem notamos que é um puta babaquice da nossa parte agir como se as mulheres fossem incapazes, retardadas, impotentes, desequilibradas ou servas das nossas vontades.
É verdade que muitas mulheres, por já terem aguentado muita folga alheia, acabam perdendo a mão na hora de sair dessa condição degradante, mas eu aposto que qualquer homem que saísse do esconderijo onde estava sequestrado, daria uns belos gritos por tempo suficiente até que tivesse sua segurança reestabelecidade de forma definitiva.
Então, ao invés de retrucar e se sentir vítima, ouça o que ela tem a dizer e trate-a com verdadeiro respeito e não com a polidez machista de um homem que dá um tapinha nas costas da sua mulher, mas no fundo não escutou nada o que ela disse.
2. Ela está passando por problemas pessoais e você precisa perceber com atenção
Não adianta imaginar que todo o aborrecimento da sua parceira é pessoal. Normalmente temos uma séria dificuldade de reparar na pessoa que amamos como alguém que passa por sofrimento emocional. Não conseguimos vê-la como uma parceira de vida que precisa dos nossos maiores e melhores esforços.
Em geral, uma pessoa reage de forma raivosa porque ela está precisando de muita ajuda. A violência é o maior sinal de desespero que uma pessoa pode dar para o mundo, é quando ela já está tão perdida e fora de controle que nenhum consolo raso seria capaz de ajudar.
A raiva/autoritarismo é filha do medo e da tristeza, se você consegue entender o que deixa sua parceira com medo e triste poderá ajudar na tristeza dela. Isso quer dizer que você precisa estar preparado emocionalmente para lidar com esses conteúdos emocionais. Como? Cuidando você de encarar seus medos e tristezas, afinal, não há como dar suporte a alguém se você está capengando.
No seu caso, G.H. parece que a vida profissional dela e a condição de vida de vocês parece estar criando uma pressão extra, atente-se para isso. Mas não se conforme em achar que mudando condições externas é a solução definitiva. Sempre tem caroço debaixo do angu.
3. A fina película de generosidade dela caiu por causa dela ou por sua passividade
Muitas pessoas, sejam homens ou mulheres, sustentam uma fina película de generosidade por um tempo no relacionamento, até conseguir o que querem. Para cada um o tempo dessa máscara cair é mais demorado ou mais cedo. A pergunta que você precisa se fazer é se ela já era uma pessoa difícil e autoritária e portanto isso faz parte da personalidade dela (coisa que você teria muito pouco a fazer se ela não se movimenta) ou se esse jeito é inédito e talvez tenha algo a ver com você.
Quando você fala que ela era meiga e humilde, pode só querer dizer que ela era submissa a você e que tinha medo de perdê-lo, mas que agora, com suas novas amizades, se sentiu empoderada e já não aceita seus desmandos. O fato dela falar dos seus defeitos para as amigas é porque eles existem, então ela está insatisfeita com você, tenha ela 100% de razão ou não.
Veja bem, essa é a nova mulher com quem você está casado, mais firme, menos passiva ou tolerante com coisas toscas. Encare isso de frente e veja se quer seguir assim, mas não ache que ela tem que mudar só porque você está triste. Há momentos no relacionamento que as pessoas tomam rumos de personalidade diferente e você se adapta ou segue em outra estrada.
Seja qual caso for, para você dar seguimento na sua vida com tranqulidade, precisa fazer um pacto com sua consciência, aja como um super-homem durante 6 meses, agindo da maneira mais incrível que um homem pode agir para beneficiar outro ser humano. Sei que há uma tendência a se justificar, achando que já fez o suficiente, mas provavelmente você só tentou meia dúzia de truques furados e achou que já fez coisa pra caramba. Eu estou falando de mandar bem, agir como se estivesse no primeiro ano de relacionamento, agindo com proatividade, generosidade, desde as coisas pequenas até as grandes, sem esperar elogios ou prêmios.
Coloque sua vida nos trilhos, melhore sua aparência, conviva com pessoas que fazem sua vida ser melhor, dê um jeito na sua vida financeira, transforme sua relação com o trabalho, cuida de sua vida emocional, enfim, aprimore-se como ser humano. Depois de 6 meses de trabalho anônimo, se você não reparar em nenhuma mudança no jeito dela, então você fez uma coisa incrível por si mesmo. Se isso acontecer, pode ter soado o alarme que esse relacionamento não está beneficiando nenhum dos dois.
Mas se você seguir agindo como sempre, então nunca poderá ter essa resposta com certeza. Não fique parado, meu amigo, tem muita coisa para mexer por aí. Segue uma lista de 23 itens para ajudar você já pode colocar a mão na massa.
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Nota: A coluna ID não é terapia (que deve ser buscada em situações mais delicadas), mas um apoio, um incentivo, um caminho, uma provocação, um aconselhamento, uma proposta. Não espere precisão cirúrgica e não me condene por generalizações. Sua vida não pode ser resumida em algumas linhas, e minha resposta não abrangerá tudo.
A ideia é que possamos nos comunicar a partir de uma dimensão livre, de ferocidade saudável. Não enrole ou justifique desnecessariamente, apenas relate sua questão da forma mais honesta possível.
Antes de enviar sua pergunta olhe as outras respostas da coluna ID e veja se sua questão é parecida com a de outra pessoa e se mesmo assim achar que ela beneficiará outras pessoas envie para id@papodehomem.com.br.
publicado em 26 de Fevereiro de 2015, 14:38