Michael Kimmel quer transformar guris de faculdade em cavalheiros – e melhorar o sexo no campus

Demolindo a ideia de que o sexo é uma batalha

Numa quarta-feira quente demais para a estação, algumas semanas após o início do ano escolar, o professor de sociologia Michael Kimmel conversa com alunos e ativistas anti-estupro numa sala de aula na Universidade Stony Brook em Long Island, trocando ideias em ritmo rápido sobre como mudar atmosfera sexual no campus da universidade. Ele se dirige a Jonathan Kalin, um recém graduando, e pergunta a ele o que significaria se, em seu funeral, os presentes dissessem que ele havia sido um “bom homem”.

Antes de Kalin conseguir responder, Kimmel continua: “O que eu descubro, quando pergunto isso aos homens, são expressões como honra, integridade, fazer a coisa certa, defender os desfavorecidos.” Todas elas crucialmente diferentes, na visão de Kimmel, das palavras que se usa para descrever “ser homem” – expressões como vencer, comer todas, enriquecer.

Não que Kalin, um garotão esportivo de fala mansa usando óculos imitação vintage, de aros grossos, seja o tipo de cara que precise receber alguns toques. Durante seu Segundo ano Universidade Colby, bem antes do estupro nos campi ser o foco de atenção nacional que é hoje, ele ajudou a iniciar um movimento de prevenção chamado “Faça festa com consentimento”. Ele imprimiu o slogan em copos vermelhos de plástico que entregava em festas, na expectativa de encorajar os colegas a pensar duas vezes sobre as ações no fim da noite. Desde a graduação no ano passado, ele continuou trabalhando na iniciativa, que agora está presente em 30 campi.

Já Kimmel, o fundador do novo Centro para o Estudo do Homem e das Masculinidades em Stony Brook, espera “aumentar os Jonathans” no mundo. Mais especificamente, ele está preparando uma pesquisa nos campi em todo país para descobrir as melhores estratégias de prevenção de estupro voltadas para a perspectiva masculina, de forma a aplicá-las em todo o país. Enquanto o grupo discute formas de desencorajar a conduta sexual imprópria, ele afirma que jovens do sexo masculino relutam em abandonar a noção tradicional da masculinidade.

“É difícil vender essa ideia para os homens – a ideia do fim da masculinidade. Eles ficam só ouvindo e pensando ‘Mas é só isso que eu tenho’. E então, segurando sua garrafa de água como se fosse um símbolo da masculinidade combativa, com seu sotaque do Brooklyn, grita: ‘Você vai me dizer para jogar isso fora? Daí eu não vou ter mais nada!’”

Em contraste, ele diz que consegue persuadir os garotões das fraternidades a mostrar respeito para as mulheres ao incitá-los a “viver segundo os ideais que professam”. Então se aquieta um pouco. “Essa é uma ideia mais possível de aplicar.”

Kimmel fez carreira como o que se poderia chamar de “tradutor de homem”. Ao trabalhar numa tese de doutorado sobre política fiscal francesa do séc. XVII na Universidade da Califórnia em Berkeley, ele começou a sair com uma mulher que trabalhava num abrigo de mulheres que sofreram violência doméstica. Ao expressar interesse num voluntariado no local, ela sugeriu que ele entrevistasse os maridos abusivos. “Ela me disse, ‘Você apresenta a constituição natural de metade da raça humana. Vá conversar com os seus.’”

Ilustração de John Cuneo

Agora, com 63 anos de idade, Kimmel já ensina sobre a masculinidade há 25 anos. Escreveu dois livros populares tentando decifrar o comportamento masculino, Angry White Men e Guyland. O segundo explora, entre outras coisas, a “cultura dos manos” nas universidades. Espera muito em breve inscrever alunos no primeiro mestrado do país sobre estudos da masculinidade.

No meio tempo, ele tenta aplicar seus insights sobre a mente masculina à questão do problema da violência sexual na universidade. Embora este não seja um problema novo, o estupro no campus ficou bem mais saliente após a onda recente de ativismo anti-estupro e a maior atenção da mídia sobre as políticas das universidades quanto à violência sexual. Até o Presidente Obama se pronunciou, citando a tão repetida (e amplamente constestada) estatística de que uma em cada cinco alunas é estuprada em algum momento de sua estada na universidade. O Departamento de Justiça hoje investiga dezenas de universidades por impropriedades no tratamento de alegações de estupro.

Até este momento, a grande parte da discussão do problema nesse país tem se focado em reduzir o excesso de bebida e levar os estupradores a juízo. Um problema menos tratado, de acordo com Kimmel, é que a maioria dos homens nas universidades é insegura, mal preparada para o sexo, e desesperada para provar algo para seus amigos. Ele diz que a maioria deles encara os encontros com a mentalidade de que “sexo é uma batalha: eu preciso conquistar, tenho que destruir a resistência”.

O desafio então é fazer com que os homens desejem um sexo menos parecido com uma batalha, e mais parecido com uma incomumente satisfatória reunião das Nações Unidas, em que todos entendem os procedimentos e podem dar seu voto. E esse é um objetivo admitidamente distante: apesar do escrutínio recente na mídia, as fraternidades ainda aparecem mostrando cartazes com escritos como “’Não’ quer dizer ‘Sim’, e ‘Sim’ quer dizer ‘Anal’”.

Kimmel diz que não é surpresa que a bebida esteja presente em tantos casos de violência sexual. A maioria dos alunos chega à universidade depois de uma educação de pais que os observam como de um helicóptero – o acesso a álcool e sexo é estritamente policiado até o dia que saem de casa. Então são jogados num ambiente cheio de rituais desconhecidos, todos ali com algo a provar, bebida suficiente para por em coma o exército russo inteiro, e mais pessoas sexualmente disponíveis do que jamais encontrarão em todo o resto de suas vidas.

Compare essa experiência com a de muitos adolescentes europeus. Quando Amy Schalet, uma professora de sociologia na Universidade de Massachusetts em Amherst, entrevistou pais holandeses e estadunidenses, ela descobriu que os pais holandeses muito mais provavelmente aprovavam os primeiros encontros sexuais de seus filhos. Kimmel aponta que os EUA deveria ser um pouco mais como a Holanda.

“Se você cresce na Holanda, você recebe uma boa educação sexual. A primeira vez que faz sexo geralmente é na casa de seus pais”, diz ele, “com os pais em casa”. Nessa visão, o que os adolescentes precisam é sexo melhor e mais igualitário. “Não é ‘não faça sexo’”, diz ele. “Eu quero que se faça sexo de boa qualidade. Como seria bom o sexo se fosse mais algo do tipo, será que posso tocá-la aqui sem ela dizer não?”

Em termos nacionais, várias iniciativas já estão tentando lidar com o estupro nos campi. Algumas universidades focam as fraternidades – cujos membros, de acordo com alguns estudos, têm mais chance de cometer estupro do que outros alunos – forçando as organizações a se tornarem mistas ou encerrarem atividades. Campanhas como o Teatro do Grito em Rutgers, Sem Zebra da Universidade Central de Michigan, e Conheça seu Poder da Universidade de New Hampshire encorajam os alunos a prestarem atenção nos colegas, buscando impedir potenciais violências com a intervenção pessoal. A lei da Califórnia agora exige “consentimento afirmativo” para toda atividade sexual na universidade.

Kimmel acredita que os enfoques mais efetivos serão aqueles a mudar sutilmente a dinâmica de poder quanto ao sexo. Por exemplo, ele acha que as universidades poderiam permitir que apenas as irmandades femininas – e não as fraternidades masculinas – façam convescotes com álcool. “Isso significa que haveria mulheres controlando a entrada, e elas decidiriam se alguém é ‘cavalheiro’ o suficiente, ou confiável o suficiente, para entrar na festa,” diz ele.

Ele também aponta que os esforços anti-estupro hoje precisam falar mais diretamente com os homens. Por exemplo, diz ele, ajuda um homem grandão liderar a cruzada da prevenção do estupro no campus. Um dos membros fundadores do duradouro grupo Homens de Harvard Contra o Estupro, por exemplo, era um popular jogador de futebol, e Jonathan Kalin foi uma estrela de basquete e era bastante conhecido em Colby. O uso do humor também ajuda. Kimmel aprova uma campanha que colocou avisos antirrespingo no fundo dos urinais de várias universidades, proclamando “Você tem nas mãos o poder de parar o estupro”.

Um dos maiores equívocos quanto ao comportamento sexista e a conduta sexual imprópria, de acordo com Kimmel, é que os homens “não querem falar a respeito. Acho que realmente queremos.” Em Guyland, ele conta uma conversa com um grupo de calouros numa “universidade de elite no Noroeste” que se reuniam na sacada da fraternidade para mexer com as mulheres durante sua “caminhada da vergonha” de volta aos dormitórios. Quando Kimmel perguntou se algum deles se sentia desconfortável com o ritual, alguns deles disseram que sim, e então ele sugeriu que no próximo encontro expressassem o desconforto. Mais tarde a fraternidade inteira fez uma reunião e decidiu terminar com a prática.

Kimmel algumas vezes soa como alguém querendo um retorno a um passado romântico, no qual o cavalheirismo não está morto, mas em que a bebedeira, a infidelidade e a misoginia estão. Alguns inevitavelmente consideram esse modelo nostálgico “problemático”, como dizem nos círculos de estudos do gênero. Em certo momento no encontro em Stony Brook, quando Kimmel usa a palavra cavalheiro, Helana Darwin, uma aluna de graduação, se retorce na cadeira. “Minha crítica é que explorar ou glamorizar o conceito do cavalheiro postula o binário da dama. E eu acho a noção da dama extremamente limitante”, diz sem emoção. Ela ressente a ideia de que “você deva parecer fraca para que o homem possa se sentir bem com relação a si mesmo ao segurar a porta para você.”

“Não concordo com você, Helana,” responde Kimmel. “Acho que podemos segurar uma porta por cortesia para as pessoas sem que isso necessariamente se faça com um sentido de poder sobre o corpo do outro.”

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Esse artigo foi originalmente publicado no The Atlantic.


publicado em 10 de Outubro de 2015, 00:05
Olga

Olga Khazan

Redatora no The Atlantic, onde escreve sobre saúde.


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