Meus primeiros 100km e como cheguei lá

Um relato para inspirar quem está começando a pedalar.

Quanto são 100km? Em 100km dá para ir de São Paulo até a praia ou até Campinas ou até a Serra da Cantareira e voltar. Se para quem não anda de bicicleta, essa distância parece viável só de carro, ela é bastante frequente para os ciclistas de estrada. Sem saber muito bem o que representava, fazer 100km pedalando virou a minha meta para 2016.

Em 2013, ganhei de presente de aniversário do meu marido uma Caloi T-type para passearmos pela ciclofaixa de São Paulo aos domingos. Aos poucos os passeios foram ficando mais frequentes e em poucos meses os tímidos 10km viraram 30 e até 50km, rodando só na cidade.

Passeios pela cidade.

Um dia, em uma ida para a praia de final de semana, vi um grupo de ciclistas pedalando no acostamento da estrada. Eles andavam tão rápido e parecia tão fácil que pensei “É isso! Vai ser assim que vou andar mais do que 50km. Vou comprar uma bicicleta para a estrada!”.

Foi em janeiro de 2016, dois anos depois da minha caloi, que comprei minha speed. Queria pedalar que nem aqueles doidos que vi outro dia na estrada! “Com a bike adequada, mais leve e na posição correta vai ser fácil para alguém como eu que pedalo 40km na ciclofaixa aos domingos fazer longas distâncias”. Foi com esse pensamento ingênuo e ousado que tracei minha meta: fazer um trajeto de estrada de 100km até o final do ano!

Essa foi a primeira vez que saí com a speed.

Mas não tinha como fazer isso sozinha. Nas minhas pesquisas pela internet, descobri um grupo especializado em treino de estrada que tinha um trajeto de 80km para “iniciantes”.

“Feito pra mim! Já faço 50km na cidade, 80km é só um pouquinho a mais”. Com duas semanas de speed, resolvi ir ao treino deles.

No ponto de encontro, em algum momento, um dos organizadores avisou: “O grupo é para iniciantes em ESTRADA não pra quem comprou a speed ontem e quer pedalar hoje.” Na hora pensei “Ixi, acho que errei. Onde me meti?”

Mas não ia desistir. Pedalamos na Rodovia dos Imigrantes e na Via Anchieta. Depois de 60km de pedal, ser empurrada em alguns trechos e receber várias dicas e instruções dos meninos que puxavam o pelotão, vi que já tinha feito mais do que poderia e resolvi ir pro carro de apoio.

Naquele dia fiquei assustada ao entender que a dinâmica da estrada era outra: mesmo com a bicicleta apropriada e pedalar 50km na cidade, sair pedalando na estrada era muito mais difícil do que pensava. A estrada não é tão plana quanto parece, as marchas não aliviam tanto quanto na mountain bike, o vento na cara que eu achava que seria um grande prazer, era o maior inimigo e a alta velocidade queimava minhas pernas e levava o batimento do meu coração ao limite.

Todo esse sentimento de raiva com frustração me deu também um prazer gigantesco e aquele gostinho de quero mais. Com esse sentimento estampado na cara, pessoal ali me incentivou e a frase que mais escutei foi “É só não parar de pedalar que você chega lá!”

Com isso na cabeça, resolvi me dedicar. Comecei a treinar 2x por semana. Entendi que acordar as 4h30 da manhã era normal para muito mais gente do que eu podia imaginar. O despertador toca, pulo da cama, visto a roupa e as 5h15 já estou em cima da bike pronta para o que vier naquela próxima hora.

Descobri que ver o sol nascer é maravilhoso e mais incrível ainda quando está na estrada ou no topo da subida da Cidade Universitária em cima de uma bicicleta. Conheci alguns grupos de pedal, mas foi com o “Pelotão das minas” que me identifiquei. É um grupo de meninas incríveis que incentivam, trocam dicas e estão sempre se desafiando, principalmente àquelas que estão começando. Tudo isso feito com muito bom humor e alegria. Sim, pode acreditar, existem muitas pessoas que estão sorrindo as 5h e não reclamando de estarem acordadas quando ainda nem amanheceu.

Nascer do sol em julho de 2016 em uma quinta-feira às 6h da manhã

Cinco meses depois de ter comprado a minha speed, depois de muitos treinos, dicas de amigxs, leitura em blog e idas a estrada, cumpri meu objetivo do ano: completar 100km pedalando. Para chegar nisso, tive que lidar com o frio e a madrugada, várias negociações com o marido para treinar no final de semana, recusar convites para ir ao bar na sexta a noite porque tem pedal no dia seguinte. Sem contar as mudanças de hábito: cuidado com alimentação, corridas para melhorar o cardio e até um reforço no treino de musculação para me ajudar a ganhar força e chegar no objetivo.

O dia dos 100km era especial. Era aniversário de uma das meninas com quem sempre pedalo, fizemos festa, compramos bexiga e estávamos em um grupo grande. A estrada era Romeiros, que vai de Araçariguama até Itu. Ela é conhecida pelas subidas e também por ter o trecho mais difícil nos quilômetros finais, quando você já está no limite. Durante o trajeto, a cabeça tenta sabotar, falando que não vai dar, que você já está no limite, que a subida é exagerada, que você não comeu direito. A perna arde, o bumbum dói e até os dedos do pé ficaram dormentes. Foram mais de 6h de conversas e discussões intensas comigo mesma, trabalhando o psicológico, a dor e o desconforto. E quando cheguei, parecia que todas as dores e cansaço tinham simplesmente passado e eu queria fazer tudo aquilo de novo.

Estrada de Romeiros com festa!

As metas nunca acabam, a gente quer sempre fazer melhor, ir mais longe, se superar. E não vou parar por aqui. Ainda não sei qual será minha próxima meta e é difícil achar algo tão simbólico como os 100km, mas continuo treinando e buscando fazer os trechos mais rápido e melhor. Comecei a me inscrever em algumas provas para medir meu desempenho e superar os resultados.

Alguma sugestão para a próxima meta?

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Nota do editor: Esse relato foi originalmente publicado no site Canela.


publicado em 03 de Janeiro de 2017, 00:05
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Julia Cambiaghi

Trabalha no mercado financeiro e se identificou com a bicicleta para aliviar o stress do dia-a-dia. Adora falar e conversar sobre assuntos polêmicos, filosofar sobre a vida e com pessoas diferentes. Também ama fotos, viajar e encontrar as amigas.


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