Mecânica e as lições pra vida

Para além das regras e contas.

No ímpeto da suprema sabedoria juvenil, aquela em que se acredita saber sobre tudo sem se questionar, decidi adentrar uma das mais renomadas instituições do país.

Molecoíde, não criado em berço de ouro mas nas boas condições de uma típica família de classe média alta, estudei a vida inteira em escolas particulares, verdadeiras bolhas. Duas gerações antes a família não era abastada. Foi a partir dos meu avôs que os primeiros frutos de uma vida melhor vieram.

Tinha uns quinze anos. Começara a vida sexual com uma namorada que, quando terminei, acreditava ser o último amor da minha vida (assim como cada uma das que viriam depois), as festas começaram a tomar outro teor e o ambiente se resumia à ideia de que eu e meus colegas éramos os donos do mundo, o futuro da nação.

Passados uns meses após a aprovação no vestibular, a compensação de greve acabou e as aulas começaram. Eu não podia imaginar, na primeira vez que passei por aquela portaria, às 6:30 da manhã, o quanto aquele lugar me apresentaria ensinamentos de um jeito até engraçado. Cada matéria ministrada traria uma nova lição.

Você é só mais um e nunca vai ser o melhor em tudo

Os primeiros ensinamentos surgiram das aulas do médio, e chamávamos de aulas sobre a vida: momentos ociosos nos quais matávamos aulas.

As primeiras semanas decorreram em meio a um frenesi de se encaixar no novo espaço. E assim começou o baque.

Nas aulas, passei de destaque para aluno mediano. Na vida social, eu era só mais um calouro, até bonitinho, mas com pouco charme e jogo de cintura.

Foram tempos de agonia, o orgulho foi dilacerado e alguns professores faziam questão de expor a ferida para que a cicatriz fosse muito maior no futuro. Ali aprendi que eu era só mais um e que toda aquela conduta de avareza denotava uma vida vazia e entediante.

Veja bem, no início me senti meio depressivo, mas com o passar dos anos aprendi que, partindo dessa noção, era capaz de me relacionar melhor com os outros e que o ego e o orgulho venenoso (aquele que não se refere ao amor próprio, apesar de usar a mesma máscara) podem destruir qualquer pessoa.

Tecnologia dos materiais: Resiliência deve ser trabalhada e incorporada na sua vida

No meu primeiro ano, passei pelos apertos de um novo tipo de ensino, mais complexo e que cobrava mais. Quase repeti e demorei a pegar no tranco, pensei até mesmo em desistir de tudo e voltar para a minha vida pacata. Mas nessa aula que, entre inúmeros conceitos, ensinava sobre o comportamento dos materiais, fui apresentado à Resiliência:

“Na ciência dos materiais, a resiliência é definido como a medida em percentual da energia que pode ser absorvida dentro do limite elástico sem criar uma deformação permanente (deformação plástica). Em curtas palavras, a resiliência é a capacidade de um material voltar ao seu estado normal depois de ter sofrido tensão.” – Dicionário da Engenharia Civil.

Hoje, agradeço pelo meu eu passado não ter desistido e se esforçado mais. A lição foi que momentos difíceis existem, sempre vão existir, mas cabe a você decidir como enfrentá-los e que é nessas horas que você vai aprender a resistir e ter a chance de se agradecer no futuro.

Desenho técnico mecânico: É tudo uma questão de perspectiva

Nas classes de desenho (meu pesadelo por dois anos), a turma tomava conhecimento sobre as técnicas de se fazer um projeto e como traçar as peças da maneira adequada para que em uma linha de produção não ocorram erros e confusões.

Uma das coisas mais apavorantes e importantes eram as perspectivas em 3D que devíamos fazer no papel. Cada qual com sua função e método de desenho. Até entender direito essa matéria, errava absurdamente as interpretações, sendo até motivo de piadas da professora. Um dia, ela me chamou fora de sala e disse: “Que que você ta arrumando? É só saber interpretar pela perspectiva certa”.

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Vocês não sabem o quanto isso me gerou pesadelos

Aquele esporro, que não foi tão saudável quanto relatado aqui, me fez passar na matéria e entender que tudo que rolasse na vida se resumiria a minha perspectiva sobre o fato, fossem as decepções, as vitórias ou as coisas avulsas. O jeito como o interpretasse poderia ser decisivo, diferenciado lições aprendidas de sofrimento sem necessidade.

Gerenciamento humano e gestão da qualidade: Trate bem as pessoas pelo simples fato delas serem pessoas como você

O mundo industrializado e globalizado como conhecemos e vivemos hoje passou por momentos de adaptação e inovação ao longo da história. As linhas de produção seriam revolucionadas por Ford, Toyota e Taylor. Nelas, o método como se gerencia é determinante. Um importante estudioso e referência na área, Karuo Ishikawa, dizia que a qualidade total só é adquirida quando todos os funcionários da empresa participam da resolução de problemas.

E em meio a estes estudos de como lidar com uma produção e gerenciar equipes, entendi o que era empatia e sua importância. Na época já tinha terminado com duas namoradas (uma que estranhamente durou apenas algumas horas), e estava na famosa fossa, digna de Milionário e José Rico, quando um amigo de peito terminou um namoro de dois anos após a namorada agir como eu havia agido meses antes.

Nessa situação me pus pela primeira vez no lugar do outro e entendi o quão babaca fui e como toda pessoa merece ser bem tratada pelo simples fato de ser uma pessoa. O jeito como você lida com os outros vai influenciar diretamente naquilo que você se torna e no quanto você é feliz. Vale a pena fazer diariamente os chamados exercícios de empatia. 

Usinagem: Cada "peça" na sua vida exige um tratamento específico.

A usinagem se trata da produção de peças, do corte, ajustes, etc. Ela engloba inúmeros métodos que vão desde um simples torneamento ao desbaste por eletricidade (sim cara, uma corrente elétrica consegue cortar aço, vem ver). Cada peça tende a desempenhar uma função diferente e por isso o jeito como ela vai ser fabricada deve ser analisado para uma fabricação ideal e com uma boa relação custo-benefício.

Muitas vezes, agimos embasados em ideias que assumimos previamente com marcas de orgulho e pensamentos que estabelecemos como completamente irrefutáveis (fortes limitantes do nosso crescimento), resultando em consequências indesejadas e que não entendemos como surgiram. Colocamos uma peça para ser feita no torno, mesmo sabendo que deveria ser feita na fresa, por pura birra. Só que isso sai caro, chegando até a estragar peças muito importantes para nós mesmos.

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Mecânica dos fluidos: o direcionamento de suas ações e as consequências

Não se trata exatamente de uma aula que tive, mas sim de quatro em conjunto: Pneumática, Máquinas Térmicas e de Fluxo, Hidráulica e CLP. Em resumo, utilizando de fluidos (no nosso caso ar e óleo comprimidos) aprendíamos a direcionar seus fluxos por meio de válvulas e canais em busca de funcionamentos mecânicos, como o avanço de um pistão de motor térmico.

Eram práticas simples que buscavam introduzir e dar a base necessária para ensinamentos futuros no mercado de trabalho, mas não deixavam de ser fascinantes, na hora que eu vi meu primeiro circuito fazer um movimento boçal de ida e volta de um cilindro delirei.

Nessa época, novamente namorando, fui a um evento sem a patroa e durante seu decorrer uma garota da escola se aproximou. Eu tinha a decisão em mãos: trair ou não trair? Tomei a decisão de não trair, baseado no afeto e companheirismo entre minha namorada e eu (a perspectiva que merecia ser observada e valorizada), e mantenho meu namoro até os dias de hoje.

Antes de ir para a festa, tinha outra decisão a tomar. Estudar para a prova da segunda seguinte ou ir extravasar. Pois bem, acabei estudando, só que para a recuperação. Olhando para esses fatos, entendi que tudo o que faço vai gerar consequências com as quais vou ter que lidar, bem como onde aloco meu foco. Por isso, a responsabilidade e a consciência são importantes.

Tudo deve ser pautado pensando nas consequências e no quanto você está disposto a lidar com elas.

Mecânica técnica e resistência dos materiais: momentos

Nessa aula, a invocação do mal do curso, estudávamos como dimensionar projetos mecânicos e entender melhor seus funcionamentos. Uma das matérias era a de calcular momentos.

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O verdadeiro tinhoso pra um moleque de 16 anos.

Essa foi talvez a matéria mais importante do curso inteiro, não pela teoria, mas por ser a responsável por extinguir o resto de orgulho que tinha quando me repetiu de ano. É também a que me fez repensar como levava a vida da maneira mais sem noção possível e me plantou a semente desse artigo. Desculpem pelo trocadilho, mas aprendi ali que a vida é feita de momentos, cada um exigindo uma conduta e certa responsabilidade.

***

O que gostaria de transmitir através destes exemplos da minha vida é o que está escrito nas primeiras linhas do texto: A vida oferta lições escondidas em todos os cantos e momentos, bastando apenas um olhar mais crítico e interessado para encontrá-las.

Veja bem, essas lições se relacionam com você no seu cotidiano e não devem ser observadas com mantras, longe disso. São reflexões diárias, parecidas com aquelas notícias que você lê rapidamente em um momento de ociosidade no ônibus ou no trabalho. Elas não vão se fixar de uma vez na sua vida inconscientemente.

Muitas vezes depois de aprendê-las tive meus momentos de deslize, e sei que ainda haverão outros. Elas são construções que devemos fazer e sempre analisar novamente, em busca de novas interpretações e adequações.

Ao leitor, deixo o convite dele mesmo olhar para suas experiências e buscar as lições que a vida lhe ministrou, notar o quanto já amadureceu e aprendeu para, a partir disto, encarar com satisfação o quão grande é a gama das vivências que ainda estão por vir.


publicado em 11 de Janeiro de 2017, 15:15
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Arthur Plotz

Mais um aprendendo cada dia mais com o que a vida propícia.


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