Marcos Feliciano e George Orwell: Como um pastor preconceituoso pode proteger as minorias?

Muitas vezes, na história da humanidade, os livros foram – mesmo sem a pretensão – oráculos, cujas profecias se revelaram corretas. Como os livros são escritos por pessoas, então esse mérito deve ser concedido aos seus autores que, sendo habilidosos com suas ideias e suas estruturas textuais, conseguiram expressar a realidade de seus momentos presentes e fizeram com que seus textos ecoassem até os dias de hoje.

Quando soube da notícia que Marcos Feliciano, um pastor racista e preconceituoso, foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, logo me surgiu a pergunta: será que já escutei essa história antes? Fiquei pensando aqui com meus botões e, eis que de repente, surge a melhor referência literária que eu poderia escalar.

Como lhes falei, alguns autores poderiam, com autoridade, exigir o título de oráculo ou profeta, e George Orwell foi um deles. Com o livro chamado 1984 – mas publicado em 1949 –, ele mostra uma sociedade muito parecida com a nossa. É claro que nem todo o contexto opressor se configura nos dias de hoje, mas muitos de seus elementos são atualíssimos. Para começar com o programa de televisão campeão de audiência conhecido pela alcunha Big Brother.

Para quem não sabe, essa expressão foi criada por Orwell e se refere a um governante mão de ferro que está presente em tudo e controla todos os aspectos dos comportamentos das pessoas. Esse Grande Irmão (Big Brother) monitorava cada minuto da vida das pessoas e o fazia por meio de câmeras – alguma semelhança com o programa de televisão? – instrumentos esses que também serviam para repassar ordens e verificar se tudo estava sob controle.

Porém, um aspecto da sociedade distópica criada por George Orwell, em 1984, me chamou a atenção quando soube da notícia observada acima. Havia um mote muito usado pelo governo que dizia assim:

“Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”.

Essa expressão era protegida e colocada em prática por vários ministérios. Dentre eles cito dois: Ministério do Amor e Ministério da Paz.

Embora seus nomes, inicialmente, levem o leitor descuidado a uma interpretação tranquila e calma, fazendo-o pensar que a intenção básica dos Ministérios é bem definida, sinto dizer que estão enganados. Infelizmente, a função primordial do Ministério da Paz era promover a guerra e a do Ministério do Amor era reprimir os desejos e as vontades do povo.

Tendo essas informações na cabeça, fica fácil identificar a relação com o ocorrido nesse famigerado caso. Um pastor preconceituoso e racista ser eleito presidente de uma Comissão que cuida dos interesses de minorias contra as quais já deu declarações claras e precisas, dentro do sistema político vigente no mundo distópico de Orwell, é perfeitamente aceitável.

E quantas vezes não nos vemos representados por pessoas que não condizem com os cargos que ocupam? O objetivo desse texto não é enveredar pelas questões da representatividade democrática, muito menos questionar os motivos pelos quais essas pessoas são eleitas. Contudo, penso que é revoltante que um político corrupto seja presidente do Senado Federal, por exemplo, e isso me faz pensar que muitas dessas pessoas estejam nos lugares errados.

Dessa forma, vejo perfeitamente reproduzida, dentro dos limites estruturais que a obra de ficção propõe, a sociedade construída no livro 1984. Podemos citar inúmeros aspectos presentes na atualidade, mas, não consigo deixar de associar o pastor com um Ministro do Amor, que buscará, sem que ninguém perceba, a repressão das minorias e das vontades, caminhando em sentido contrário ao cargo que ocupa.

Mas isso não é problema, né? Afinal de contas, o Big Brother Brasil entra no ar logo depois do futebol e da novela e a distração que a sociedade precisa está cheia de anestésico alienante.

Então caríssimos leitores, qual o próximo assunto do momento para nos fazer esquecer dos absurdos?


publicado em 12 de Março de 2013, 13:28
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Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.


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