Manhã de prova

Sete horas da manhã.

Uma brisa leve arrepia os pelos do meu braço. Penso em tudo o que me espera e um nervosismo aperta o coração. Tento me manter presente, sem pensar no esforço que vou encarar. Levo a atenção até meus pés e sinto-os tocando o chão, imóveis.

SchoolKids3

Uma respirada funda inunda meus pulmões com o ar gelado da tímida manhã que reluta em acontecer. E isso me anima. Mexo os braços e as pernas pra ver se ainda tenho controle sobre o corpo ou se estou anestesiado dentro de um sonho. Não, tudo ainda está bem, não estou sonhando, isto é real, pra valer, é pra isso que eu me preparei, não vou desistir.

1459988_260135814141003_423118472_n

Sinto a adrenalina se infiltrando em cada fresta dos meus tecidos, me aquecendo, fazendo surgir uma ansiedade e uma palpitação difícil de deixar passar. Forço uma respiração mais tranquila, profunda, completa. Lembro que me treinei para relaxar em momentos de tensão, sei que só estando relaxado é que posso dar tudo de mim, ver as brechas por onde andar e as oportunidades a agarrar.

F1-67-Nurburgring

É isso. Tudo convergiu para este momento. Não tem porque voltar agora. É só ouvir o relógio bater e anos de dedicação serão postos à prova, testados à exaustão. Relembro que não cheguei até aqui só por causa da dedicação, com esforço, cheguei porque fui ajudado por uma infinidade de pessoas que viram sentido na minha trajetória, viram que algo bom poderia vir disso, pra mim e pra todos.

oakland-motorcycle-club-hill-climb-about-1924

A mente esvoaça, perde o prumo por alguns segundos. O corpo reage, impelido a fazer o que foi treinado a fazer. Volto a consciência pra este exato momento. Minha mente fica afiada, alerta, focada, sagaz. Reparo na respiração – está curta, rápida, pesada, ineficiente, se perdeu no nervosismo. Relaxo. Deixo o ar entrar e sair naturalmente, na medida da necessidade do coração. Reparo no tamborilar dentro do meu peito — forte, intenso, ritmado, feito uma tribo indo pra guerra.

Villanova Vintage 004

Olho para os lados. Outras mentes, outros corpos, outras vidas, outras histórias, lado a lado tentando o mesmo. Estamos juntos nessa loucura. O que os move? O que estão apostando nesta tentativa? Um misto de raiva e desespero toma conta. Raiva por ver outros mais bem preparados e desespero de não ter me dedicado o suficiente. Lembro da minha motivação e do que me moveu. Lembro das pessoas que ajudei a também se moverem em direção ao que procuravam. Isso me da mais ânimo e uma alegria brota no meu peito.

tumblr_m6ld5r1IwJ1qbq5i7o1_1280

Sou todo fluxo. Não preciso de controle e tensão pra continuar. A mente opera em outra frequência, relaxada e afiada, tranquila e em ebulição. O mundo parece girar mais devagar, cada movimento é o que de mais preciso tenho em mim. Nada é senão o que eu devo fazer, ali, naquelas circunstancias, naquele momento. Ao mesmo tempo percebo um relaxamento incrustado em cada ação. Um não-tentar-fazer, apenas deixar que tudo siga, sem obstrução, sem tentar ganhar um jogo comigo mesmo.

198005_large

Nem acredito que consegui. Estou ofegante, dei tudo de mim, fui além do que imaginava. O coração dispara de excitação e felicidade. Vejo se esgueirar um certo medo também — os resultados vão se escancarar logo ali, todos verão.

Percebo o quão desnecessário é esse temor, afinal, dentro de mim, tenho a certeza e a calma de perceber que nada poderia ser diferente. Usei tudo o que tinha e cheguei onde tudo me levou. Aliviado, enfim, cheiro o ar úmido, ouço o burburinho de vozes, sinto a respiração profunda, a mente tranquila, o corpo fadigado, cansado, levemente amortecido e cheio de vida.

Sete e meia da manhã.

Saio da água, me seco, reencontro a equipe, sorrio satisfeito por ter conseguido outra vez atravessar à braçadas alguns quilômetros em águas abertas.

loc1


publicado em 11 de Julho de 2014, 18:59
Fd1af135a54533dd4c276d7f8f35b1d6?s=130

Marcos Bauch

Nascido na Bahia, criado pelo mundo e, atualmente, candango. Burocrata ambiental além de protótipo de atleta. Tem como meta conhecer o mundo inteiro e escreve de vez em quando no seu blog, o De muletas pelo mundo.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura