Logan poderia ter sido o melhor filme de super-heróis

Mas não é

"I'll make you hurt."

Obs.: Este texto contém spoilers. Volte depois de assistir ao filme ou siga por sua conta em risco.

Esse é um assunto que machuca. Então, antes de mais nada, segura a emoção que eu vou falar coisas boas e coisas ruins.

O otimismo

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Foi um caminho dolorido até aqui. Oito filmes envolvendo o universo dos X-Men, filmes corajosos por trazer de novo os filmes de super-heróis para as telas de cinema, uma pequena "retomada", muitos deles bem ruins, alguns muito bem intencionados, alguns acertando ótimos pontos. É complexo. 

E Logan tenta fechar essa trajetória com chave de ouro. Um filme Rated R, ou seja, para maiores de dezoito anos, com possibilidade de mostrar violência, sexo, rituais satânicos, acordos nacionais com o supremo e com tudo. Uma história que busca focar mais no homem cansado de tanto domar a fera dentro dele, a despedida bonita de Hugh Jackman do papel que o fez famoso, 17 anos antes. E ele o faz muito bem. É notório o carinho do ator com a personagem que ele desconhecia por completo antes de conseguir o papel, dá pra ver nas entrevistas e no filme em si, o cuidado na atuação, o esmero em fazer coisas certas pela última vez. É visível a despedida.

E que começo. A primeira hora, por mais que se repita no ciclo fuga-descansa-foge outra vez, tem um ritmo bom e explora muito bem as relações das personagens entre elas e com elas próprias. Patrick Stewart, um mestre e um cavalheiro, nos dá o melhor de um Charles Xavier enfrentando a maior das ironias, o mutante com a mente mais poderosa já vista virando um velho com todos os males da cabeça, esquecido, convulsionando, arrependido. Sua relação com Logan, ríspida e crua, verdadeira, demais, só possível com os longos anos que se passaram é maravilhosamente bonita de se ver. 

E temos a pequena X-23, finalmente, curiosa e bestial. Os olhos da menina Dafne Keen fizeram todo o trabalho. Temos também Donald Pierce e seus Carniceiros! O que eu gosto muito nesse início é a faceta profissional que a personagem tem nas mãos do Boyd Holbrook, que conhecemos da série Narcos. Gosto muito quando ele se diz fã do Wolverine, quando ele afirma, com palavras e atitudes, que sua função ali é profissional, que seu foco está em resgatar a pequena Laura, nada mais que isso, mas que faz qualquer coisa por isso. "Just business".

Logan nos dá maquiagem e figurinos muito bonitos, o amarelo do deserto, a sujeira do deserto, a secura, a exaustão constante. Nos dá uma impressão de que podemos, enfim, ter um baita filmão nas mãos.

Mas daí eles chegam em uma fazenda. E, com ela, a escuridão.

O pessimismo

A minha impressão é que, aqui, começaram as pressões dos estúdios ou a velha mania do diretor James Mangold de avacalhar quando tudo tá tão bem.

Logan é um filme que acaba pecando pelo excesso. Pressa, muita coisa, gente demais. Minha ideia não é nem procurar refazer o roteiro do filme, acho que se trata de uma escolha muito bem definida por eles. 

Sem ficar pitacando nas escolhas de como trazer o universo dos quadrinhos pro filme, mas pensando mesmo na construção de narrativa da película, pra um filme que tinha o intuito de ser mais adulto ou maduro, a escolha de um clone do velho Logan rendeu um belo balde de água fria no Jader aqui. Lembra que eu disse aqui em cima que tínhamos um vilão massa, que é profissional, que teme essa profundidade de não estar ali só pra fazer o mal, mas pra cumprir uma meta profissional? Pois o clone coloca toda a sua profundidade de pires na história, servindo apenas como o "pure evil", o mal pelo mal, que ainda traz consigo outro vilão, só pra ficar tudo cheio de gente mesmo, todo mundo sem muita função real pra história mesmo, só pra enfiar uma galera? 

Daí, depois da morte do Professor X, que poderia ter um fim minimamente mais digno ou, ao menos, mais interessante (imagine ele sucumbindo à própria mente? Mas, de novo, não vou ficar dando opções de roteiros), a coisa toda começa a degringolar. 

A pressa. A corrida que começa com a ida para North Dakota, o conhecer as crianças do Éden sem tempo para fazer conexões empática com elas, a perseguição na mata com gente demais, o didatismo de mostrar a arma com bala de adamantium no chão diversas vezes pra gente ter a absoluta certeza de que ela seria mesmo de fato e certamente usada. 

É um filme divertido e tem seus bons e ótimos momentos. Se minhas críticas tivessem as famosas estrelinhas (não terão), eu daria três, na tranquilidade. No final, a grande frustração em Logan é a indecisão, o não saber se é, de fato, um filme de super-herói ou um drama mais sério que usa o universo mutante como pano de fundo. Na tentativa de equilibrar ambos, escorregou.

Ao menos aqui.


publicado em 07 de Março de 2017, 00:10
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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