Acho válida a mobilização feita para impedir que Julien Blanc, o “pegador profissional”, venha ao Brasil ensinar suas artimanhas intimidatórias sobre as mulheres. A cultura do estupro já é muito enraizada por aqui, onde o imaginário coletivo e destrutivo de submissão contra elas diz que o não é “talvez”, o talvez é “sim” e o sim é “sim, com tudo o que tem direito”.

No entanto, como não consigo me imaginar sem nenhum pecado (o que não me impediu de assinar a petição), em vez de olharmos só além da cerca, observemos também o nosso comportamento. O cenário é desastroso. Ele está vindo para o Brasil com agenda lotada, ou seja, há grupos de homens que entendem que a mentalidade da forçação de barra sobre as mulheres é legítima porque, em muitos casos, funciona.

Nem tudo que funciona é correto ou legítimo. Mesmo que o escravo concorde com a escravidão, seja por ignorância, medo, conformismo,  desesperança, ainda assim o que acontece com ele não é cabível. Sim, a ameaça funciona e pode ser tão convincente que faria até a mais firme das pessoas recuar, ficar confusa, achar que está errada e sucumbir sem ceder realmente.

Todos nós, com matizes mais ou menos impregnadas de Julien Blanc, precisamos olhar um pouco mais abaixo da pele de bom mocismo e reconhecer que precisamos caminhar muito.

Como?

Julien Blanc
Julien Blanc

Olhando para o nosso desprezo sutil, que as vezes subestima a competência emocional ou intelectual de uma mulher, que estigmatiza clichês de “para casar” e “para transar”, que não gosta de admitir que — no fundo — pensa que mulher de respeito não pode usar decote para provocar os homens (“incapazes” de controlar seus ímpetos).

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Enfim, toda vez que somos coniventes com algum tipo de abordagem não solicitada sobre a aparência de uma mulher (seja para criticar ou elogiar fora de contexto) ou medi-la de qualquer jeito pela nossa visão masculina que se recusa a perceber-se privilegiada.

Um homem passa por uma mulher, percebe o decote generoso e toma o cabelo dela como quem laça um novilho e tira uma “casquinha” dos seios. Problema tanto seria com o bichinho como com a mulher. O decote dela é somente a exaltação da beleza e não um lugar onde se coloca a mão sem ser convidado.

Então seremos todos anjinhos?

Não. Depois de conversar com a garota, considerar a pessoa que ela é, se está consensualmente disposta a avançar as casinhas no jogo da sedução até mão e seios se convidam numa mistura de sussurros, brincadeiras, sorrisos, charme e confiança mútua. Antes disso, qualquer coisa me parece um assalto à integridade física de outra pessoa.

Imagine a hipérbole dessa petição. Seria uma medida que esvaziaria todas as baladas, bares, restaurantes e ruas em que esse tipo de pegada no cangote ou puxada no cabelo é muito comum.

Seríamos todos extraditados juntos com o Julien.

Frederico Mattos

Sonhador, psicólogo provocador, é autor do <a>Sobre a vida</a> e dos livros <a href="https://amzn.to/39azDR6">Relacionamento para Leigos"</a> e <a href="https://amzn.to/2BbUMhg">"Como se libertar do ex"</a>. Adora contar e ouvir histórias de vida no instagram <a href="https://instagram.com/fredmattos/">@fredmattos</a>. Nas demais horas cultiva a felicidade