Jovem tenista mostra como a distância entre o sucesso e o fracasso é pequena | Mais quem um jogo #15

A diferença entre estar do lado certo e do lado errado é muito menor do que imaginamos

Lembro-me da primeira vez que vi Nick Kyrgios jogar. Olhando agora em retrospecto chega a ser engraçado. Ele perdia uma partida contra não me lembro quem quando de repente começou a sacar com violência e precisão impressionantes. Acabou virando e vencendo o jogo.

Imediatamente peguei o celular e anotei o nome dele num desses bloquinhos virtuais. Minha intenção era procurar saber mais sobre ele. Por sua idade e sua técnica, certamente se tratava de um grande talento. Quiçá o futuro do tênis mundial.

Não procurei mais tarde e não posso afirmar que ele será o futuro do tênis mundial, mas sei que se ele for, ele ou o tênis precisarão mudar muito. Hoje, os dois estão em rota de colisão.

Ao contrário da maioria das análises que vi sendo feitas sobre o que ele fez recentemente (já já conto pra quem não sabe), não pretendo analisar em que grau suas atitudes ferem a ética do esporte. O que quero propor é uma reflexão sobre como os fatores que nos levam ao sucesso são, muitas vezes, os mesmos que nos levam ao fracasso.

Nick Kyrgios, um tenista rebelde

Nicholas Hilmy Kyrgios é um tenista australiano de 21 anos (mais novo do que eu!). Filho de um pai grego, Giorgos, e uma mãe malaia, Norlaila, Nick é atualmente o 14º melhor jogador do mundo em atividade segundo o ranking da ATP.

Porém, muito antes de se tornar tenista profissional, Kyrgios teve uma breve e ascendente carreira no basquete. Até hoje, o australiano se diz fã do Boston Celtics, time da NBA, e tem entre seus principais ídolos no esporte Lebron James e Michael Jordan. Tal fato não seria relevante se, assim como muitos outros garotos que já tiveram que escolher entre duas modalidades, Nick tivesse optado pelo que mais gosta. Algo que não aconteceu.

"Eu não gosto muito de tênis. Quando tinha 14 anos jogava melhor basquete e me sentia feliz dentro da quadra. Acabei sendo influenciado pelos meus parentes e no fim, meio que não amo esse esporte (tênis)."

Declarações como essa surpreendem pelo talento e pela posição que Kyrgios alcançou tão rapidamente na carreira. Mas se o sucesso veio rápido, também vieram as polêmicas. Apesar de jovem, Kyrgios já se envolveu em episódios que vão desde acusar um adversário dento de quadra de ter sido traído pela namorada com outro jogador do circuito mundial até partidas jogadas sem vontade e pontos perdidos propositalmente, como ocorreu recentemente.

Numa partida válida pelo Masters de Montreal em agosto do ano passado, Kyrgios disse, em inglês, para Stanislas Wawrinka que:

"Kokkinakis fudeu sua namorada. Desculpa falar isso, parceiro"

Link Youtube - Nick desrespeitoso

O australiano acabou vencendo a partida, mas foi multado em US$ 10 mil e suspenso por um mês do circuito mundial. Além de ter conquistado a antipatia de quase todos os jogadores.

Dessa vez, em partida válida pela segunda rodada do Masters 1000 de Xangai, na China, o número 14 do mundo perdeu para o alemão Mischa Zverev, 110 do ranking, demonstrando total displicência, sacando como um amador e entregando pontos de propósito.

Link Youtube - Nick displicente.

Na coletiva após a partida, não demonstrou arrependimento e alegou cansaço físico e mental:

"Foi um jogo difícil. Obviamente joguei muitas partidas consecutivas e estou física e mentalmente cansado. Apenas tomei o caminho mais fácil esta noite e, obviamente, não fiz tudo que podia."

A falta de vontade ficou tão evidente ao longo da partida que o próprio árbitro cobrou mais profissionalismo e esportividade por parte do jogador, bem como, um torcedor que se levantou e pediu para que ele "respeitasse o esporte e fosse profissional". Kyrgios respondeu dizendo para o torcedor "vir jogar no seu lugar ou apenas sentar-se, calar a boca e assistir". Na coletiva, com a cabeça fria, foi ainda mais incisivo:

"Eu não devo nada a eles. É uma escolha minha. Se você não gosta, eu não lhe pedi para vir. Apenas saia. Se você é tão bom em dar conselhos e tão bom no tênis, por que não é tão bom quanto eu? Por que não está no circuito? Você quer comprar um bilhete? Venha me ver. Você sabe que eu sou imprevisível. É a sua escolha. Eu não devo nada a você. Não afeta como eu durmo à noite"

Em resposta ao acontecimento, e por ser reincidente, a ATP multou o tenista em US$ 16,6 mil, mas depois resolveu aumentar o valor em mais US$ 25 mil, além de uma pena de oito semanas de suspensão. A pena só será atenuada para três semanas (mais a multa) se Kyrgios concordar em cumprir um plano onde será acompanhado por um psicólogo esportivo.

Me ajuda a te ajudar, cara.

Diante disso, parece claro que Kyrgios está errado nessa história toda. Ele tem o direito de estar cansado e, talvez, seus contratos não permitam que ele simplesmente não jogue uma determinada partida. Mas parece consenso que nada disso lhe dá o direito de desrespeitar o esporte que pratica, seu adversário e o público. O que eu quero chamar atenção é para o fato de que essa displicência e o desapego ao esporte foi o que fez dele um jogador muito interessante.

O que me impressionou (e lembro de ter visto diversos comentários falando o mesmo) naquela primeira partida e nas outras que vi dele foi a plasticidade de seus movimentos e as diversas jogadas incríveis que ele apresenta ao longo de uma partida, justamente por assumir um risco que os demais tenistas não assumem.

Em muitas partidas, um jogador que é tecnicamente superior ao outro na maioria dos fundamentos, acaba optando por longas trocas de bolas. Fazem isso porque a probabilidade do adversário errar, cedo ou tarde, sem que seja preciso arriscar uma jogada é maior. Kyrgios, pelo contrário, muitas vezes refuta este caminho em troca de jogadas arriscadas que, quando dão certo, encantam.

Fica claro, portanto, que ao contrário do que muitos pensam não existe uma coluna de atributos que devemos refutar e outra que devemos conquistar a todo custo. O sucesso está mais em acertar a dose do que escolher os ingredientes certos.

É por isso que muitas vezes a margem entre o certo e o errado não nos parece tão clara. Por isso que é tão difícil apontar receitas infalíveis pras coisas. Por isso que devemos adotar a perspectiva de que as coisas não são simplesmente preto no branco e sim tons diferentes de cinza.


publicado em 19 de Outubro de 2016, 00:05
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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