Tem sido tempos de papos bem batidos com gente interessante, essas últimas semanas. Talvez pelo momento, talvez pela companhia, tenho esbarrado em gente que me inspirou e fez pensar. A começar pelo Adriano Silva.
Vivido na arte de formar boas equipes e comandar negócios que deram certo, Adriano nos contou – você já pode ver no primeiro artigo que soltamos com ele – como atingir um momento de sintonia fina é algo raro. Algo que encontramos uma ou talvez duas vezes na carreira toda, mas que precisamos buscar o tempo todo.
Essa fala, vindo de alguém que podemos chamar de bem sucedido como ele, caiu como uma bomba e como um reconforto no meu colo. Ao mesmo tempo que acalentou minha ansiedade de ver tudo dando certo o tempo inteiro, fez a caixola disparar a pensar como alcançamos essa tal excelência em momentos estranhos e ao mesmo tempo perfeitamente previsíveis.
Quando vi a notícia sobre a renovação de contrato do técnico Joachim Löw até 2020 com a federação alemã de futebol, não pensei duas vezes: hora de puxar essa conversa com vocês.
O lugar certo na hora certa
Quem conhece futebol e se presta a fazer uma lista de melhores técnicos do mundo dificilmente coloca Joachim Löw nela. Apesar de ser o comandante da atual campeã do mundo, o treinador alemão não é badalado, nem muito elogiado, mas também passa longe de ser questionado no alto cargo que ocupa na seleção tetracampeã mundial.
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Löw era um treinador de futebol mediano que não tinha alcançado mais destaque do que o título da Copa da Alemanha de 1997 com o Stuttgart. Depois de pular de trabalho em trabalho, aceitou o convite de Jürgen Klinsmann para ser seu auxiliar na seleção alemã e acabou assumindo o cargo de técnico principal quando este deixou a equipe após a eliminação nas semifinais da Copa de 2006 disputada na própria Alemanha.
De lá pra cá, Löw conduziu a seleção até pelo menos a semifinal de todas as competições que disputou. Alcançou o 2º lugar na Euro 2008, 3º na Copa de 2010, 3º na Euro 2012, 1º na Copa 2014 e 3º na Euro 2016, além de se manter invicto nas eliminatórias europeias, feito que vem sendo prorrogado desde 2001. E lá se vão 15 anos.
Diante desses resultados, do fato de Löw não ter um currículo consolidado pré-seleção e à luz da sua renovação de contrato até 2020, nos colocamos em busca dos motivos pelos quais este técnico pode se tornar um recordista no cargo. O que descobrimos? Na Alemanha, isso é uma prática.
O tempo que o tempo têm
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Desde que a Nationalelf passou a ter um profissional com dedicação exclusiva em 1926, apenas 10 seres humanos diferentes exerceram essa função, consolidando uma média impressionante de 9 anos pra cada um. No caso de Löw, se ele cumprir a mais nova extensão de seu contrato até o final, deverá atingir 14 anos no cargo, se tornando o segundo mais longevo da história e o com o maior número de partidas disputadas.
Tudo aponta, portanto, para uma prática fundamentada numa crença já conhecida da Federação Alemã de Futebol e replicada em diversos outros lugares de sucesso no mundo: se deseja que um trabalho dê frutos, então dê tempo para que este trabalho seja feito.
Para não dizer que tal cultura não pode ser aplicada no Brasil, basta ver o que vem sendo feito com qualquer uma das seleções de vôlei do país. Nos últimos 15 anos, a seleção masculina de vôlei teve Bernardinho como único técnico. No mesmo período, a seleção masculina de futebol teve Emerson Leão, Luis Felipe Scolari (duas vezes), Carlos Alberto Parreira, Dunga (duas vezes), Mano Menezes e o atual Tite. É quase o mesmo número de trocas de comando que a seleção alemã teve em toda sua história.
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A essa altura, porém, você pode dizer que nada disso prova que os bons resultados são frutos de longos períodos de comando e não o contrário. É quando eu te apresento, o segundo fator dessa equação vitoriosa: alta capacidade de adaptação e atualização.
A repetição leva à perfeição
Quando Luis Felipe Scolari assumiu a seleção brasileira pela segunda vez em 2012 foi perguntado o que tinha mudado no futebol desde sua última passagem em 2002 e respondeu que 'o futebol não tinha mudado tanto assim'.
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Felipão poderia ter baseado essa sua falsa crença na observação da longevidade de outros treinadores, mas não percebeu a capacidade que estes tiveram de se reinventar nas posições que ocupavam. Para manter no exemplo do futebol, Löw assumiu a seleção alemã com a intenção de continuar o trabalho de Klinsmann, uma vez que a federação alemã acreditava no trabalho que estava sendo desenvolvido pelo treinador que deixou o cargo por vontade própria (a federação queria que ele continuasse, mesmo após a eliminação na semifinal da Copa do Mundo em casa).
E no início foi exatamente isso que Löw fez: manter as coisas como estavam. Economizou tempo de adaptação dos jogadores a um novo estilo de jogo e intensificou pouco a pouco o processo de renovação da seleção. Os títulos, porém, custaram a aparecer e o aproveitamento de Löw no comando do time nacional ainda hoje não passa dos 66,7%.
O treinador, porém, aproveitou-se da segurança e estabilidade que desfruta no cargo para começar a colocar um pouco das suas próprias ideias em prática. Foi assim que ele implementou um futebol sensivelmente mais ofensivo do que seu antecessor e, a despeito da goleada aplicada sobre o Brasil na semifinal da Copa de 2014, viveu o seu momento mais sublime no comando da seleção alemã em termos de futebol bem jogado na Copa de 2010 quando goleou a Inglaterra por 4 a 1 nas oitavas de final e a Argentina por 4 a 0 nas quartas. Por motivos que fogem do seu controle: foi parado na semifinal pela Espanha que viria a se consagrar campeã do mundo pela primeira vez na história.
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Em resumo, Löw é mesmo um treinador de currículo mediano, alçado a posição de comando máximo num país de tradição no futebol, que conseguiu alcançar o maior status possível de sua profissão por fazer parte de um trabalho de longo prazo. Mesmo ao longo de todos esses anos, a seleção alemã segue tendo seus altos e baixo, mas mantém um nível bastante elevado em perspectiva, o que confirma aquilo que Adriano Silva disse recentemente: a excelência é algo que nós devemos buscar o tempo inteiro, mas é um momento raro na nossa carreira.
Pensando assim, fica mais fácil admitir que nem todas as falhas significam que a rota está completamente errada e que o mais importante é ter tempo para corrigi-las, se manter atualizado e aguardar pelo momento mágico que virá e inevitavelmente desaparecerá por motivos que nem sempre estarão ao nosso alcance. O segredo é continuar trabalhando em busca do próximo.
“Eu gostaria de agradecer a confiança e o apoio da federação na extensão do meu contrato. Também gostaria de agradecer toda a comissão técnica. Nossa cooperação se baseia no conhecimento e queremos confirmar o sucesso que tivemos no Brasil também durante a Copa do Mundo da Rússia. Estou muito feliz por poder continuar desenvolvendo o time e os jogadores. Agora, o próximo objetivo é qualificar a equipe como líder de seu grupo nas Eliminatórias”
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