Eu já namorei. Meu melhor amigo, o Fernando, está namorando. A Carlinha, dona da floricultura onde passo todos os dias, começou a namorar semana passada. A Jamie Clayton, ela também está namorando.
Clayton é pauta quente - não pelo estouro da série em que trabalha, nem pelo filme que vem aí no próximo ano. A atriz está dando o que falar desde ontem porque arranjou um namorado: ela e Keanu Reeves foram filmados trocando beijos na saída de um restaurante no último mês e a declaração de um amigo do casal à revista Star confirma que eles têm se encontrado frequentemente e que “o fato de Jamie ser transgênero não quer dizer nada. Keanu gosta dela e a respeita não importa o quê.”
Em junho, a atriz e modelo estadunidense estreou como a hacker e blogueira Nomi Marks na série Sense8, que já conquistou muitos telespectadores. Já atuou como Kyla na terceira temporada do seriado Hung, foi Carla Favers em Are We There Yet e a personagem principal, Michelle Darnell, na web série vencedora do Emmy Award, Dirty Work. Em 2016, estrela no thriller The Neon Demon, que deve chegar aos cinemas em março.
Nada disso parece importar tanto quanto sua vida amorosa. Diferentemente do meu, do seu e do namoro da Carlinha da floricultura, o relacionamento de Clayton e Keanu virou notícia de plantão do canal cinco porque a atriz é uma mulher transgênero.
A primeira página de uma rápida pesquisa na rede pelo nome de Reeves dá dez (de doze) manchetes sobre o caso, das quais sete se referem à Jamie como ‘atriz transexual’. É assim, sem nome ou identidade, que ela está sendo estampada nas páginas da internet.
Os comentários são muitos e refletem a nossa própria dificuldade de lidar com o que não é espelho.
Clayton, como mulher transgênero, e a banalidade de seus beijos com Keanu estouram a bolha cisgênero construída dia-a-dia por quem não quer se ver sem reservas, por quem precisa do manual de instruções binário para ser.
A despersonificação da atriz, promovida pelas inúmeras manchetes que não dizem seu nome e a singularizam pela sua identidade de gênero, anda no mesmo sentido: desprovidos da empatia que liga homem a homem, coração a coração, objetificam mais uma mulher - esta que, por não ter nascido com vagina, é considerada desejo marginal no imaginário sexual de um homem.
Eu já namorei. Meu melhor amigo, o Fernando, está namorando. A Carlinha, dona da floricultura onde passo todos os dias, começou a namorar semana passada. A Jamie Clayton, ela também está namorando. E tudo bem.
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Para saber mais acerca de conversas construtivas sobre pessoas transgênero, confira:
- Como se referir aos trans de modo respeitoso;
- Nossa publicação sobre identidade de gênero, educação e política;
- E outro texto da casa que ajuda a pensar além do binário e fala do neutro, do bigender, pangênero e mais.
publicado em 04 de Agosto de 2015, 17:49