Já vi vários finais dos tempos e estou vivo pra contar a história

Apesar das tragédias e do sofrimento envolvidos, os “finais dos tempos” que passamos revelaram uma capacidade humana incrível para adaptações.

Já enfrentei vários finais dos tempos e tô vivo pra contar a história

Existem ondas que, de tempos em tempos, tomam conta da humanidade. Um senso de finitude da civilização, uma decadência de valores morais que, aparentemente, poderia degenerar num cenário de apocalipse.

Por tudo o que ouço na vida pessoal, no consultório, em trabalhos voluntários e capturo do clima de desânimo nos jornais, tenho farejado esse espírito do tempo.

Nasci em 1980 e, nesse pouco tempo de vida, poderia dizer que essa é a quarta vez que noto esse clima pairando no ar. Em 1999, com o sentimento de bug da virada do milênio; em 2001, com o atentado às torres gêmeas; em 2008 com a crise da bolsa americana e; agora, por volta de 2016-17, com a cena Trump-Kim Jong-un.

Nem é preciso ser muito genial para chegar à conclusão de que, na história recente da humanidade, as reviravoltas são mais comuns do que imaginamos. A globalização e a internet colocaram agilidade e intensidade na nossa percepção catastrofista. Até os desavisados e alineados estão alarmados sem sequer saber bem o motivo.

Meu fascínio pessoal por séries e filmes apocalípticos, vide "The Walking Dead", sempre foram temas de análise pessoal. Agora, não parece ser muito diferente. Temos distopias novamente pipocando por Hollywood, com filmes como o Mad Max: Fury Road, Ghost In The Shell, Blade Runner 2049 e até o esgotamento do livro 1984 na Amazon.

Por que raios eu adoro pensar na humanidade sendo emparedada e reduzida a condições escassas de escolha e qualidade de vida?

Desde os tempo de "Mad Max", o original dos anos 80, eu já me dava conta que tirar quase toda a água do planeta (ou qualquer outro recurso natural) parecia evocar em mim uma urgência, um senso de escassez emocional.

O que a escassez nos leva a pensar e sentir como indivíduos e sociedade?

O que os filmes e literatura sobre os cenários de degeneração humana nos induzem a pensar é que a nossa pior faceta vem à tona. A ideia de que nos tornamos mais paranóicos, dissimulados, amargos, mesquinhos e competitivos predomina nessas distopias.

Talvez isso seja parcialmente verdade. Mas é importante lembrar que existe um elemento comum em todos os quase-cataclismas anteriormente anunciados: diante das adversidades, encontramos novos formatos para fazer coisas antigas e nos permitimos ensaiar outras possibilidades.

Apesar das tragédias e do sofrimento envolvidos, os “finais dos tempos” que passamos revelaram uma capacidade humana incrível para adaptações.

Em janeiro de 2017 nasceu minha filha. Uma pessoa que não conheço pessoalmente me mandou uma mensagem em particular, perguntando se eu não tinha vergonha de colocar um filho no mundo em que vivemos.

Fiquei pensando se, no futuro, eu estaria dizendo "minha filha, aquela da geração dos anos 17, derradeiro ano da humanidade". Em seguida, pensei: já tem 37 anos do meu nascimento e, de lá pra cá, na verdade, encontramos melhores condições para viver e até morrer. Ela, por exemplo, teve uma complicação de prematuridade e tenho minhas dúvidas se ela estaria em meus braços hoje se tivesse nascido no mesmo ano que eu.

Se você, como eu, já tem algum tempo de estrada, provavelmente sabe que passamos por esses períodos e, bem ou mal, estamos aqui, vivos.

Claro, há sempre as exceções e não é todo mundo que goza das condições para ter um nascimento ou uma morte minimamente confortáveis.

Ainda assim, parece que cada vez mais encontramos maneiras menos piores de viver. Nunca é demais reforçar que ainda não conseguimos incluir esses benefícios para todas as pessoas de todos os povos. O crescimento populacional, o esforço democrático, um sentimento separatista-aristocrático e a complexidade econômica global torna tudo mais demorado. No entanto, se compararmos com tudo o que já vivemos, estamos no melhor-pior momento para viver.

O que parece fermentar com as narrativas embaladas em cataclisma são as soluções simplistas e radicais, colocadas em bandeiras salvacionistas e messiânicas e – junto disso, é claro, seus profetas. Há relatos, por exemplo, que a busca por igrejas protestantes aumentaram nos EUA depois do 11 de Setembro.

Ficamos menos presunçosos e contemplativos em situações assim.  Algumas pessoas, emocionalmente mais vulneráveis, aderem a ideias de fanatismo com mais facilidade, seja na política, na religião ou na ciência. Quando tudo está um caos, melhor simplificar a vida entre bem/mal, certo/errado e, se possível, fugir de qualquer ambiguidade, área cinzenta ou paradoxo inconciliável, mais angústia num caldeirão de dilemas sem resposta começa a soar insustentável.

Então, não se trata de afirmar um otimismo bobo, ou uma alienação dos principais problemas ecológicos e políticos, mas talvez redimensionar essa visão do fim, da decadência moral, do eclipse das instituições.

Existem centenas de esforços não publicados, de iniciativas, mudanças e questionamentos saudáveis em todas as esferas. Há muita experimentação acontecendo.

É preciso colocar colorido nisso também, o mundo não gira em torno dos tweets do Trump. E, apesar de todo poder, ele não é a palavra final do que acontece na política americana, e quem dirá, mundial.

Aprender a tolerar angústias sem respostas, enxergar as alegrias em pequena escala, ter curiosidade por inovações locais e exercer algum empenho comunitário podem diminuir esse senso de "tudo ou nada" que, no final das contas, só alimenta uma mentalidade consumista e desorientada.

Eu fico muito curioso a respeito de como anda a percepção de vocês sobre esses “tempos difíceis” que estamos vivendo. O que pensam sobre o assunto?

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publicado em 06 de Dezembro de 2017, 00:05
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Frederico Mattos

Sonhador, psicólogo provocador, é autor do Sobre a vida e dos livros Relacionamento para Leigos" e "Como se libertar do ex". Adora contar e ouvir histórias de vida no instagram @fredmattos. Nas demais horas cultiva a felicidade, é pai de Nina e oferece treinamentos online em Fredflix.


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