Abro o Gmail. Faço login com minha velocidade máxima de digitação. Não estou atento ao ar que entra e sai.

Olho para títulos negritados, nomes de pessoas, suas primeiras falas, mundos inteiros que se oferecem. Escolho qual abrir e logo minha mente é direcionada para problemas, piadas, pedidos, reclamações, gifs animados, confissões… Se estava um pouco relaxado e sereno, isso rapidamente começa a se perder.

Tento decidir o que fazer em cada bolha que me envolve. Desenvolvo uma mente reativa, responsiva, por um treino dedicado de cliques no botão que aponta para a esquerda. Meu ânimo é controlado por estímulos virtuais.

Pessoa checando emails

A descoberta de Linda Stone

Após participar de um treinamento no método Buteyko de respiração, Linda Stone começou a praticar vinte minutos de Buteyko todo dia, antes de abrir seu notebook. Ao ler e responder emails, notou um gigantesco contraste: ela estava segurando sua respiração.

Linda passou os próximos 7 meses observando e entrevistando mais de 200 pessoas. E também conversou com pesquisadores e médicos sobre os efeitos fisiológicos de segurar a respiração. Chamou esse distúrbio de email apnea: ausência ou suspensão temporária da respiração devido à checagem de emails.

A respiração cortada, superficial, afobada provavelmente desregula o funcionamento do corpo. Não sei da veracidade das pesquisas levantadas por Linda, mas não ficaria surpreso se descobrissem que o modo com o qual checamos emails diminui nossa imunidade e causa desequilíbrios em nosso sistema nervoso. (Alguma médica ou médico leitor PdH conhece boas pesquisas sobre a relação entre respiração e saúde?)

É como se nosso organismo estivesse se preparando para uma ação que não vai acontecer. Nosso processo mental dá a sensação de que estamos agindo em muitas frentes, mas nada de fato está acontecendo com o corpo. Tensão desnecessária. Para o corpo, enquanto estamos sentados, é como se estivéssemos descansando. Mas estamos?

Alguns ficam jogados para trás, todo tortos, em cadeiras bonitonas, por longos períodos. Outros se curvam, se aproximam da tela, deixam o queixo para cima, nuca atolada, displicentes. Além da ansiedade e dispersão da mente, nossa má postura obstrui ainda mais o fluxo do ar.

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Estamos sonhando

Observe uma pessoa diante da tela do computador. Às vezes ela move rapidamente os dedos e solta sorrisinhos. Ou bufadas. Às vezes fica parada por um longo tempo e levanta do nada, como se algo muito grave tivesse acontecido.

Enquanto checamos emails, estamos alucinando, cruzando realidades de sonho.

Não há problema que seja assim. De fato, toda a nossa vida é constituída do mesmo modo. Encontramos chefes, pais, amigos, namoradas, ex-namoradas onde só há seres. Encontramos bancos, bares, ruas, escolas, empresas onde só há espaços. Vivemos em uma realidade sutil o tempo todo. O mais concreto mundo é igualmente virtual.

O problema é não reconhecermos isso e, assim que o sonho vira pesadelo, sofrermos.

Checar emails é parecido com dormir: seu corpo para e você começa a sonhar

Acordar pelo corpo

Desde que me envolvi com TaKeTiNa e também após minha experiência como bolsista numa academia de dança de salão, tenho observado que poucos de nós se movem como corpos, com a certeza de não somos mentes abstratas atrás dos olhos.

Para mim, um dos maiores antídotos à apneia causada por checagem de emails é justamente acordar o corpo, reavivá-lo, para criar um contraste maior entre viver e checar emails, de modo que possamos perceber mínimas oscilações em nosso funcionamento, assim como Linda Stone fez pelo foco na respiração (um dos processos com grande capacidade de integrar corpo e mente).

Precisamos habitar nosso corpo inteiramente. Ser, não ter, um corpo. E investigar, em primeira pessoa, pela experiência, as dinâmicas corporais, emocionais e mentais que nos fazem adoecer.

Artes marciais, ioga, tai chi, TaKeTiNa, técnica Alexander, dança de salão, método Feldenkrais, parkour… Qualquer treinamento desses pode nos trazer de volta ao corpo, esse que trava toda vez que começamos a nos perder dentro das bolhas do Gmail.

Gustavo Gitti

Professor de <a>TaKeTiNa</a>