Virilidade.
Para os homens negros, a experiência da masculinidade pode ser resumida basicamente a essa palavra.
Do momento em que começamos a nos entender por gente, uma série de expectativas nem sempre silenciosas cercam o ideário sobre que tipo de homens devemos ser: fisicamente aptos, trabalhadores incansáveis, sexualmente dominantes.
A essa linha de pensamento principal, soma-se outra desejável: que tenha a medida certa entre ser agressivo, capaz de lutar pelo que for preciso, mas também obediente. Enfim, que não cause problemas.
Animal perfeito. Fera enjaulada.
Justamente por isso, é revigorante testemunhar quando alguém desobedece o que está posto.
E é esse o caso de Victor Apolinário.
“Mas esqueceram a constância do meu amor. Eu me defino como tensão absoluta de abertura. Tomo esta negritude e, com lágrimas nos olhos, reconstituo seu mecanismo. Aquilo que foi despedaçado é, pelas minhas mãos, lianas intuitivas, reconstruído, edificado.”
“Pele negra, máscaras brancas”. Frantz Fanon, página 124.
Considerado um dos principais estilistas da nova geração de criadores no Brasil, Victor Apolinário faz, na prática, o que essa passagem de Franz Fanon (psiquiatra e filósofo que, entre outras coisas, influenciou os Panteras Negras) retrata.
Homem negro, gay e periférico, ele reescreve, com a própria existência, os caminhos e conceitos pré-traçados.
Além de levar estéticas urbanas e recriminadas como as do pixo para o universo da moda, desenha roupas agêneras, cujos cortes podem ser utilizados tanto por pessoas do sexo masculino quanto feminino (recentemente, ministrou um curso sobre o tema no SESC).
Criador da marca Cemfreio — que fez muito barulho nas últimas edições da Casa dos Criadores e da São Paulo Fashion Week —, Apolinário faz questão de levar para as passarelas a maneira como vive. “Por ser gay, negro, periférico, a negritude se faz no meu trabalho just for living, sabe? Eu não preciso reafirmar códigos intrínsecos e caricatos atribuídos à minha ancestralidade e nem só nesse ponto”, explica.
“Tudo que a gente tem hoje, enquanto dogma ou enquanto crença social e pública, é uma construção social”, diz. “Então, por entender que o gênero é uma construção social pautada no aprendizado, vamos desaprender que existem só esses extremos e nuançar todas as formas de exercer o corpo, em liberdade de autorreconhecimento”, diz Apolinário.
Para o desfile na SPFW, o estilista montou um casting com pessoas negras, brancas, gordas, magras, deficientes físicos, homens, mulheres e pessoas trans. Para além disso, dividiu o controle criativo com as 16 pessoas convidadas a desfilar. Um jeito de garantir pertencimento, de promover o que faz cada um dos participantes se sentir bonito.
“Tipo, a gente tá num esquema agora que a vida, cada dia, cada interação nova, cada círculo que se forma é um processo de aprendizado que deve ser colocado, inserido e aplicado em todos os vieses do trabalho. A gente já tá no ponto em que tem que assumir nossas raízes e resgatar isso. Fazer isso com força, e fazer disso um viés de informação para nossa criação”.
Victor, que também costuma defender a boa remuneração das pessoas que fazem parte da cadeia de produção, como as costureiras, não foge do rótulo de militante que costuma estampar a carreira de quem leva essas questñoes como negritude e gênero a lugares mais tradicionais.
Link Youtube – “A partir do momento em que seu corpo é político, quais são as políticas que você está colocando nele?”
“Sim, eu sou ativista ativo, sem discrição nenhuma e inseridíssimo no meio. Eu não tenho medo dessa rotulação, formulação ou discussão, porque eu aciono. E eu aciono no grito, eu aciono no berro, e aí que assusta”.
(…)
Eu me coloco nesse lugar de barulho porque eu passei a minha vida toda, quase que toda, sob quase que um catequismo, sabe, sobre servidão, sobre silêncio e sobre espaços de atuação etc. Agora que eu me sinto livre pra exercer toda a minha ancestralidade.
Sinceramente? Faço votos que sua voz (e suas criações) façam cada vez mais barulho. É sempre bom entender que existem outras formas possíveis de ser homem nesse mundo.
Para ler mais:
- Serão os negros criminosos?, escrito pelo Alex Castro;
- Como seria o mundo se você não estereotipasse ninguém?, escrito pelo Bruno Passos;
- Senzalas & campos de concentração, escrito pelo Alex Castro.
- Sou homem, forte e negro, e as pessoas pensam que sou violento ou limitado por isso | Caixa-preta #21, com Diógenes Saraiva
Mecenas: Natura Homem
Natura Homem acredita que existem tantas maneiras de exercer as masculinidades quanto o número de homens que existem no mundo. Por isso, apoia a série Homens Possíveis e o evento de final de ano do Papo de Homem que, com o mesmo nome, busca dialogar sobre as várias facetas do masculino.
É importante trazer exemplos de homens que têm feito trabalhos benéficos e que transformam os contextos no quais estão inseridos.
Seja homem? Seja você. Por inteiro.
Natura Homem celebra todas as maneiras de ser homem.
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