As manhãs geladas do outono são ainda mais inconvenientes aos finais de semana. Dos prós, o único que encontrou foi permanecer de pijama dentro do carro. Acordou bem cedo pra levar o filho pro futebol e se recusou tirar a roupa ainda quentinha do sono. Esperando já dentro do carro, pela janela ela via a linha bem delimitada que separava sua rua em duas, uma metade , a sua, na penumbra, e a outra ensolarada. Ela achava que isso dizia muito sobre sua sorte do dia.

E o filho que não saía de casa. O aquecedor do carro ainda levaria bons minutos para efetivamente deixar o ambiente interno menos gélido. Por hora, só a apatia das mãos duras ao volante e olhos que pareciam já ter visto de tudo. Indiferentes. Estalou a língua no céu da boca quando lembrou de um cheque que estava para cair no começo da semana e ela precisava de dinheiro pra cobrir o valor. Odiava ter que pensar em problemas de semana num sábado, desperdiçar tempo de sossego com apoquentação. Era o tédio. E o menino que não saía de dentro casa.

Buzinou e lá veio o pequeno, mochila torta nas costas e cabelo molhado penteado para o lado. "Não tava achando a minha meia da sorte". A impaciência passou.

Na volta sentia o corpo ainda todo duro da friagem. Tomando leite na cozinha, dedos engessados segurando a caneca, o tecido do pijama gelado nas costas, uma sensação de arrepio sem que seus pelos se levantassem nos braços ou nas coxas. O fato lhe intrigou. Desceu um pouco o dorso e tirou as meias. Empurrou os chinelos e sentiu a temperatura glacial do piso. Esticou os dedinhos para repousar o máximo da planta dos dois pés no chão. Abriu a torneira e enfiou os dois pulsos debaixo junto com a caneca do leite. Abriu uma minúscula fresta na janelinha da cozinha e o vento da rua deu um assobio ao entrar e dançar aquele corte no rosto dela. Subiu as escadas tirando a blusa.

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Na porta do quarto dava pra ver a claridade na sacada. Uma faixa de luz cobria boa parte da extensão da varanda, um calor de ver com os olhos, provavelmente das poucas oportunidades do dia de aproveitar o quente dele antes da desistência. Tirou também a calça folgada e, nua, aos pés da cama, sentiu o corpo todo se ouriçando, revestida por completo de uma tremedeira boa, espetada inteira, barriga e nuca, a delícia de ser tomada pela inclemência do frio e saber como vencê-lo.

Passou a mão de leve no ombro dele e, sem abrir os olhos, ele levantou um tanto do cobertor e ela entrou. Sentiu o braço dele, as coxas contra duas pernas, a pressão do tórax nas costas, a respiração incrédula. "Nossa, como você tá gelada", ouviu ele dizer enquanto acasulava o corpo todo dela contra o seu. "É. Me esquenta", respondeu de volta já com uma voz molenga. Tudo solto. Completamente aninhada. Nem dois foram os minutos e ela já estava dormindo.

De respirar fundo.

O amor é verão.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados