Uma forte luz surge na escuridão da noite. Dentro de uma barraca compartilhada, na vastidão do cerrado da Chapada Diamantina (BA), só eu a vejo. Ela clareia e aquece algo dentro de mim, escondido bem lá no fundo. E acaba iluminando uma dor. Ou melhor, um velho padrão de comportamento: minha busca incessante por controle. 

É algo bem profundo que já me machuca há anos – e sempre acaba sobrando para quem está a minha volta. Por algum motivo, só naquele momento no meio de uma expedição na natureza, eu realmente me dei conta. Aquilo mexeu tanto comigo que decidi ir mais longe.

Foto de uma das jornadas promovidas pela OBB.

Com o tempo, tracei novas rotas na minha vida, ajustei meu rumo e comecei a trabalhar com a mesma organização que guiava a expedição pela Chapada. Assim me tornei membro da equipe de instrutores da Outward Bound Brasil — uma organização mundial que une aventuras com processos de desenvolvimento social e emocional. 

A iluminação que eu havia vivenciado naquela noite na barraca começou a ficar ainda mais clara para mim. O que eu senti era parte do poderoso ciclo de aprendizagem experiencial em ação. Um ciclo responsável por fazer aquela roda emperrada dentro de mim finalmente girar.

De forma geral, o tal ciclo consiste em quatro etapas:

  1. Experiência;
  2. Reflexão;
  3. Contextualização;
  4. Aplicação.

Ao fim, o ciclo se conecta com outra Experiência, dando início a uma nova volta, na qual você já não é mais o mesmo. 

O que é Aprendizagem Experiencial?

Um dos principais pensadores que colocou este movimento em palavras é o psicólogo norte-americano David Kolb, autor de Experiential Learning, um verdadeiro tratado sobre o assunto publicado na década de 1980. Além dos próprios estudos e testes, Kolb bebeu da fonte de outros expoentes no assunto, como John Dewey (EUA), Kurt Lewin (Alemanha) e Jean Piaget (Suíça).

Sua teoria sobre o ciclo experiencial não apenas dá embalo a algo inerente às nossas vidas — aprender fazendo, tentativa e erro — como traz uma perspectiva transformadora e holística aos processos de aprendizagem, porque une noções de experiências, percepções, cognição e comportamento humano. 

Em outras palavras, aprendizado experiencial é um modelo que acelera incrivelmente nossa capacidade de aprender. Colocando neste caldeirão elementos como a própria natureza, os riscos e as nossas emoções (tema do próximo artigo desta série), conseguimos potencializar as conexões e o aprendizado.

Pegando carona na obra esclarecedora do filósofo e pedagogo catalão Jorge Larrosa Bondía, vale explicar que, quando falamos em experiência, estamos pensando na experiência como algo singular, que não se repete e não se separa do indivíduo. É um ato de abertura e receptividade. E, certamente, é um lugar de total exposição.

Como aprender com as experiências?

Para trilhar o caminho da aprendizagem experiencial, você pode tanto  procurar um serviço de profissionais que trabalhem com isso e que vão te guiar e auxiliar nas jornadas, como pode tentar aplicar isso na sua vida por si só. Após entender e sentir seu efeito é totalmente possível aplicar essa lógica de aprendizado sozinho, em qualquer área de nossas vidas. 

Este voo solo, no entanto, costuma ser bastante desafiador, sobretudo nas nossas rotinas atuais. Estamos sempre ativos e sedentos pelo próximo estímulo. Seja em casa, no trabalho, com amigos ou até mesmo ao ar livre curtindo e interagindo com uma beleza natural (e já pensando na foto, no vídeo ou para quem vou compartilhar).  Falta espaço tanto para experiências genuínas como para reflexão.

Em ambientes de aprendizagem há várias vantagens. Além do tempo, há mais espaço seguro para errar. O erro já vai acontecer de qualquer maneira, seja dentro de um curso ou em nossas vidas “reais”. A questão é o quê (e como) fazemos a partir dele. 

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Neste sentido, o papel de um educador conectado com este formato tem uma ligação muito forte entre o primeiro e o segundo estágio do ciclo experiencial: abrindo espaço para a experiência e instigando a reflexão. Um sutil empurrão para que o ciclo se mova e se complete.

Experiência como elemento central da aprendizagem 

A maioria de nós viveu (e ainda vive) uma noção de aprendizagem pautada por estímulos externos e bem programados. Uma abordagem muito mais protocolar, com pouco espaço para individualidades, descobertas, ou para processos mais fluidos. Não se dá tempo para absorver tudo isso.

Na aprendizagem experiencial, os ensinamentos surgem das oportunidades. E é preciso aceitar logo de cara que o potencial de aprender, assim como o desfecho que vai acontecer, é totalmente variável e incerto.

Foto por Outward Bound Brasil.

Em qualquer lugar do planeta que este processo aconteça, uma das chaves para atingir resultados que possam ser aplicados em nossas vidas é focar no presente — no aqui e agora — e na relevância de tudo o que nos propomos a fazer. Partindo deste princípio, nossas perguntas são infinitamente mais importantes do que as respostas que buscamos.

Educadores experienciais com décadas de vivência em campo defendem que adeptos do ensino mais tradicional ficariam espantados com a rápida aceitação e evolução de seus alunos diante de processos que usem da experiência. O Brasil é um terreno fértil de bons profissionais da área, ainda que essa seja pouca difundida

Talvez seja uma hora bastante oportuna para colocarmos esse tipo de aprendizagem em prática. Com a nova Base Nacional Comum Curricular aprovada no país (que entra em vigor a partir de 2020) instituições e educadores terão de se adaptar para incluir “habilidades sociais” no currículo obrigatório.

Será que realmente vamos aprender autonomia, tomada de decisões, resolução de conflitos, liderança, entre outros temas, dentro de ambientes fechados e controlados? Apenas lendo apostilas e debatendo o assunto?

Existem também jornadas para crianças. Foto por: Outward Bound Brasil

A aprendizagem experiencial é um convite para enxergar nossas capacidades humanas e sociais de outro ponto de vista. Mais do que isso, é uma ponte para nos aproximarmos da natureza e da relevância dela para nossa aprendizagem. 

Não estou falando de uma enorme revolução. É mais simples do que isso. No fundo, é uma mudança de olhar, necessária e urgente.

De volta a vida real…

Refletindo sobre o assunto, minha mente volta agora àquela noite na barraca da Chapada Diamantina. Depois do meu “despertar” interno, saí rapidamente da penumbra e fui atrás de uma companheira de jornada. Percebi que minha busca por controle havia se repetido naquele dia, ao lado dela. 

Começei pedindo desculpas e explicando a forte sensação que acabara de tomar conta de mim. Por fim, a agradeci, afinal, a partir dali eu poderia fazer diferente. 

De volta à minha vida “normal”, o impacto foi impressionante. E essa transferência é essencial em um programa de viés experiencial: levar os aprendizados de uma jornada ao nosso dia-a-dia.

E você, consegue lembrar de algum momento de transformação que mudou um comportamento? Será que não precisamos mais disso em nossas vidas? 

* * * 

Outward Bound Brasil

A OBB é uma instituição brasileira sem fins lucrativos (que faz parte da Outward Bound internacional). A rede é pioneira em aprendizagem experiencial ao ar livre desde 1941, com programas abertos em formato de aventuras na natureza espalhados pelo Brasil e pelo mundo para todas as faixas etárias.

Os programas duram de 2 a 14 dias, são pagos, mas a OBB possui um Fundo de Bolsas ativo para os interessados que não puderem arcar com os cursos no Brasil. 

Para saber mais acesse o site deles ou acompanhe-os pelo Instagram Facebook. 

 

 

Bruno Romano

Comunicador e <a> instrutor da Outward Bound Brasil</a>. Apaixonado pela vida ao ar livre