Entre a ida e volta guiado por taxistas, digamos, ligeiramente malufistas (Onde vivem? O que comem? Como se proliferam?), deu para ser feliz no Lollapalloza 2014.

Quem, como eu, duvidava que pulsa um amor e uma vontade incontrolável de festejar por trás de cada coraçãozinho indie, ficou de cara. Era possível ver o brilho nos olhos e sentir a atmosfera mágica no ar. Teve até abadá: camisa xadrez, camiseta de banda ou os dois juntos, de preferência. Valeu também resgatar uma camiseta surrada de um filme do Tarantino.

O espaço

A organização estima que 80 mil pessoas perambulavam por lá no primeiro dia de festa. Ontem, não deve ter sido muito diferente disso.

O Autódromo de Interlagos é enorme. Sem nunca ter pisado lá antes, a chegada dá medo: “Mas que porra vim fazer aqui?”.

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Parece grande? É porque é mesmo

Alardeado como um grande ponto positivo – o local é cinco vezes maior que o Jockey Club, a casa das edições passadas –, na prática, a distância entre os palcos “Skol”, “Onix” e “Interlagos” tornou impossível aquela tradicional escapadinha de um show que está meaboca para a tentativa de algo mais aprazível no palco vizinho.

Na outra ponta, as velhas interferências de som entre uma apresentação e outra acabaram. Se você foi até lá ver o Johnny Marr reeditar os Smiths com ex-colega Andy Rourke (mas sem o Morrissey), é exatamente isso que você ouviu.

O estrangeirismo

Beleza. O festival é gringo, as atrações em sua esmagadora maioria são gringas, mas o cardápio precisa ser gringo também? O resultado era uma exposição de “corn”, “chicken” e “pork” completamente gratuitos, by the way.

Isso me lembra que, além de sublimar o português, o Lolla também não teve nenhum convidado nativo com um dos principais neste ano. O Silva foi o primeiro a subir ao palco “Onix”, no sábado. Alguém lembra do Planet Hemp no palco Butantã ano passado?

Vinhozinho ou Skol litrão?

Duas garotas foram flagradas com taças – de plástico – de vinho perambulando pelo festival. Há relatos, inclusive, de que uma delas pediu para experimentar a bebida antes que ela fosse servida, como se estivesse num restaurante quatro estrelas nos Jardins ou na Vila Madalena.

Detalhe: as taças de tinto ou branco saíam por acachapantes 18 reais (!). O chope de uma das patrocinadoras custava a metade. Por falar nele…

Homem-chope

Não tinha fila, mas o chope do “homem-chope”, essa ”coisificação” estranha e interessante com um barril nas costas e uma bandeira nos ombros, acabava sempre na sua vez. Era ir lá e se deparar com a desolação de quem encontra uma miragem no deserto. O jeito era caminhar mais uns 400 metros até o bar mais próximo – que na real fica bem longe – para se consolar.

Vampire Weekend e a guitarrada de Nova York

Com moral alta lá fora e presença na maioria das listas de melhores discos de 2013, o Vampire Weekend entregou o prometido: indie dançante e competente.

Em dado momento, debatia com o paraense Luciano Ribeiro, um dos editores aqui da casa, se os riffs do vocalista Erza Koeing em sua guitarra tinham ou não um quê de guitarrada.

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Em dois minutos viria o hit “A-Punk” e nossa dúvida acabaria: mesmo que sem querer, o Norte brasileiro foi parar lá em Williamsburg, a meca dos moderninhos nova-iorquinos.

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Soundgarden & Pixies: a competência de anos de estrada

O Pixies segue uma bela banda ao vivo mesmo com os integrantes já na casa dos 50 anos de idade e sem a presença da baixista Kim Deal, uma das fundadoras da coisa toda.

Destaque para o baterista Dave Lovering, hoje um simpático senhor calvo, de barba grisalha e camisa hipster que continua esmurrando a bateria como se tivesse metade da sua idade.

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Olha quem estava lá no Pixies
Olha quem estava lá no Pixies

Ainda no campo da experiência, valem os pontos para a estreia do Soundgarden por aqui (é estranho escrever isso). Ouvir “The Day I Tried To Live”, classicão de 1994 – e lá se vão duas décadas. Foi massa.

O Chris Cornell é uma espécie de anti-Axl Rose. Segue em forma e com a voz intacta. E nenhum camarim foi quebrado.

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Palco do Soundgarden
Chris Cornell segue em excelente forma
Chris Cornell segue em excelente forma

A catarse do Arcade Fire

É daqui que surgiu o título desse texto. Do momento em que o telão se iluminou com um trecho do filme “Orfeu Negro”, do francês Marcel Camus, até o último urro de Win Butler no meio da plateia na apoteótica “Wake Up”, o Arcade Fire fez vigorar o seu Carnaval-alternativo-Baixo-Augusta.

Megaproduzido, com referências sonoras haitianas e a veia dançante do produtor James Murphy (do extinto LCD Soundsystem) cravada na veia, a nova encarnação da trupe (quase) circense do Canadá é um desbunde.

Régine Chassagne, a mulher da linha de frente da banda, não para um minuto. Da bateria para o acordeon, do teclado para as maracas. Ainda sobrou tempo para os agrados patrióticos – Régine cantou “O Morro Não Tem Vez” e os bonecões no maior estilo circuito Recife-Olinda que têm acompanhado a banda na turnê fizeram citação de “Nine Out Of Ten“, do discaço “Transa”, de Caetano Veloso.

A chuva de papeis picados em “Here Comes The Night Time”, o pianinho maneiro em “The Suburbs”, o baixão e quebradeira em “Neighborhood #3 (Power Out)“…

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Ponto também para o engenheiro de som do festival, esse ilustre desconhecido que conseguiu fazer a mistura bizarra entre violino e congas funcionar tão eficiente quanto nos disco. E ainda mais num espaço aberto.

Mas não há isenção aqui, meu caro. Lembre-se que votei no disco deles como o melhor de 2013. De modo que você tem todo o direito de achar tudo isso uma puta babação de ovo.

Link Youtube | Para matar um pouco a saudade, tem duas playlists inspiradas nas atrações do festival, separadas por dia. Essa é a de sábado

Ah, antes que me esqueça e você estranhe a falta de artistas do sábado (vi que o Phoenix foi para a galera como no Planeta Terra anos atrás e acabou “apalpado”, que o Imagine Dragons lotou o palco principal, mas quer descansar e que o Julian Casablancas está cada vez mais esquisito e dependente dos Strokes…), vale explicar que acompanhamos o segundo dia de festival à convite da Pepsi (com uma bela vista do palco “Skol”, aliás…).

E para você, qual foi a do Lolla deste ano?

sitepdh

Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.