Vamos admitir logo de saída: por mais bem intencionado que alguém seja, por mais votos e compromissos de fidelidade que tenha definido, há sempre a possibilidade de beijar, transar, se apaixonar por uma terceira pessoa. E a frequência dessas relações paralelas é muito maior do que imaginamos.

Se repararmos com curiosidade nos movimentos presentes o tempo todo, se soubermos lidar mais diretamente com a possibilidade de traição, em vez de ignorá-la e surtar quando acontecer, talvez nossa própria relação monogâmica melhore.

Para mandar a real, vou listar 6 mitos sobre traição. Ilusões, crenças equivocadas, mentiras, autoenganos, enfim, tudo o que queríamos que fosse verdade… Mas não é.

Antes, dois avisos:

  • Já vivi a experiência da traição algumas vezes, de modo bastante cruel (só faltou gravidez, o resto aconteceu), então escrevo com a motivação de ajudar a diminuir esse sofrimento. Não é uma questão de usar argumentos, de concordar ou discordar, mas de olharmos juntos como podemos encarar melhor a realidade das relações paralelas.
  • Não faço apologia da poligamia, da monogamia, do relacionamento aberto ou da putaria generalizada (trair à vontade como se isso não causasse sofrimento).

Mito #1: “A traição é um fato”

“Seu marido me disse que deseja sua felicidade. Você também deseja vê-lo feliz?” (Fonte: Life.com)

Acreditar que a traição é um fato, uma situação externa, independente de nossa percepção, só aumenta o medo anterior e a dor posterior. A traição não é um evento objetivo, é uma experiência: nos sentimos traídos, abandonados, rejeitados, humilhados, indignados. Se fosse um fato e se tal fato nos causasse sofrimento, nunca poderíamos parar de sofrer.

Observe como alguns se sentem traídos quando o outro sai para dançar sem avisar, enquanto outros não se sentem traídos quando rola sexo, mas sem envolvimento. A questão não depende exatamente das expectativas e acordos prévios, mas de como nos sentimos ou não traídos. É possível se sentir traído sem ter nenhum acordo rompido, assim como é possível não se sentir traído mesmo quando alguma expectativa se quebra.

Viver a traição como uma experiência é o começo de uma atitude mais autônoma: toda experiência é uma construção de corpo e mente, então pode ser transformada. É possível diminuir o sofrimento seguindo como marido em meio a uma relação paralela, sem olhar, pensar e agir excessivamente da posição do corno, assim como já fazemos com as relações passadas (quem se sente traído pelos ex-namorados da namorada?).

Mito #2: “Fidelidade é prova de amor”

O que chamamos de amor é um conjunto embaçado de benefícios. Vou listar algum deles:

  • O prazer que surge pela presença do outro.
  • A felicidade de beneficiar um ao outro.
  • Os movimentos positivos que o casal impulsiona ao redor – cada casal é uma entidade maior que a combinação de duas pessoas, é algo que tem forças próprias, qualidades, riquezas.
  • A liberdade que um amplifica no outro e as possibilidades que se abrem.

Em alguns casos, dá para manter isso tudo quando surge uma relação paralela. Amar sem fidelidade. Na maioria dos casos, um terceiro só aumenta a confusão, mas isso é apenas falta de habilidade do casal. Nesses casos, a opção mais sem contra-indicações é trair sua mulher com ela mesma (muito melhor do que ser fiel).

“Mamãe deu pra outro cara, mas papai vai continuar no casamento. Papai está bem, entendeu? Entendeu?”

Mito #3: traímos somente quando há algum problema no relacionamento

Um dos maiores enganos é pensar na traição como sintoma de alguma doença, efeito de algum desvio, cagada, erro. Muitos homens e muitas mulheres cultivam relações paralelas sem que estejam infelizes. Pelo contrário, às vezes um homem transa com uma terceira durante seu melhor momento no casamento. É como se pensasse: “Eu amo tanto minha mulher, visualizo tanta coisa em nosso futuro, tenho tanta confiança em nossa relação que não vejo problema algum em ficar com outras”.

Mesmo se fizermos tudo certo, ainda poderemos ser traídos. Tal constatação é essencial para diminuir o excessivo cuidado em sustentar a relação, um apego, um medo, uma insegurança que às vezes chamamos de amor.

Mito #4: “Uma traição destrói a relação”

Grande parte dos casais consegue seguir depois de uma noitada ilegal ou mesmo depois de uma paixão não oficial. Uma relação paralela pode enriquecer o casal de um modo que eles nunca conseguiriam sozinhos. Claro, ninguém está preparado e corremos o risco de sofrer desnecessariamente, mas a verdade é que já sofremos desnecessariamente ao encarar a traição como um problema quase intransponível.

Se você quer mesmo ficar junto com sua mulher, se ela faz parte do seu direcionamento na vida e se sua presença é benéfica na vida dela, por que raios você acabaria tudo por causa do pau de um zé mané?

Mito #5: “É saudável reprimir qualquer desejo por uma terceira pessoa”

Lidar diariamente com a possibilidade de uma relação paralela é um bom jeito de se relacionar com o desejo livre do outro.

Quanto maior o espaço, quanto mais amplo for seu mundo, sem tanta repressão, sem tantas leis e paredes que impeçam sua mulher de contar qualquer coisa ou agir em qualquer direção, mais profunda será sua conexão, o mundo de vocês em comum. Se você tiver muitas regrinhas (“Se fizer isso, está tudo acabado”), ela vai esconder partes do mundo dela, desejos, fantasias, possibilidades. Ou seja, você vai deixar de penetrar boa parte do corpo feminino.

Ser o Richard Gere não resolve. As mulheres só são felizes em Toscana.

Por outro lado, podemos também lidarmos diretamente com nosso desejo livre. Como disse Contardo Calligaris recentemente, “é bom reconhecer os novos desejos, mesmo que deixemos de realizá-los”.

Eu não iria tão longe quanto Maryse Vaillant, para quem os homens que não traem podem ter “fraqueza de caráter”, mas é interessante observar como uma mulher respeita e se entrega mais àquele que tem mais condições de traí-la. Não é por acaso que o fim da admiração coincide com o momento em que ela quase diz, gargalhando: “Você me trair? Você é incapaz de seduzir uma mulher!”.

Mito #6: “A traição é um problema específico”

A experiência de ser traído não é grande coisa, tampouco necessita de soluções específicas. Ela é basicamente uma variação da morte. No trabalho ou em um casamento, as relações movimentam nossa energia, sustentam nossa identidade, conferem sentido ao mundo, criam felicidade. Sempre que essa experiência positiva é interrompida, sofremos, perdemos energia, sentido, identidade. Como se o Sol apagasse.

Em uma traição, não sofremos porque perdemos a mulher, mas porque nos perdemos. Como disse Fábio Rodrigues:

“Se sentimos que a segurança do nosso relacionamento é ameaçada porque nossa mulher está com outro cara, vamos ficar aflitos. Se sentimos nossa segurança ameaçada porque ela tem telefones de outros homens na agenda, aflitos. Se é porque ela não nos ligou hoje, aflitos. Não importa o motivo. Basta sentirmos que ele ameaça nossa segurança e estabilidade. Para alguns esse limite é mudar o sofá de lugar, para outros é descobrir um câncer fatal.”

Se não apostássemos quase todas as nossas fichas de felicidade no relacionamento amoroso, não sofreríamos tanto com a traição.

Gustavo Gitti

Professor de <a>TaKeTiNa</a>

Leia também  A primeira barba de um homem (ou o que a gente nunca mais esquece)