É muito fácil notar a importância da trilha sonora certa nos mais diversos momentos da nossa vida. Se naquela festinha americana não tivesse rolado Roxette você possivelmente não teria dado o seu primeiro beijo, se naquele show no colégio não tivessem tocado Ramones você provavelmente não teria ficado engessado pela primeira vez e se naquela vez em que a sua vizinha bateu na sua porta pedindo açúcar você não estivesse ouvindo Abba e dançando com aquele short amarelo, provavelmente ela não teria começado a achar te achar meio gay e você ainda teria alguma chance com aquela gata.

Músicas definem momentos, músicas criam o clima certo pra situações, músicas relaxam, músicas animam e, claro, músicas geram profundas injustiças porque todo mundo sabe que “Dancing Queen” é música de macho e comentários dizendo o contrário são apenas injustos e levianos.

Ao mesmo tempo o carro é, ao menos no mundo moderno, uma forma de extensão da casa de um homem.

Alguns, como aquele Landau do seu avô, eram praticamente a antiga União Soviética e lá seria possível morar, criar seus filhos e talvez até ter uma pequena horta perto do porta-luvas, enquanto outros, como aquele Fiat 147 do seu pai, eram uma espécie de Liechtenstein do automobilismo, levando praticamente ao intercurso carnal obrigatório entre todos os presentes no veículo – e você claramente não quer pensar em como isso pode ter afetado seu processo de concepção. Mas um carro também é, portanto, parte essencial da sua vida (quer você tenha carro ou não, porque pegar carona também é um processo importante) e tem influência direta em diversos momentos e situações pelos quais você vai passar.

Sim, carro e som são coisas importantes, mas não necessariamente dessa forma

Daí a trilha sonora do seu carro – esse ponto de convergência entre a música que você ouve e o veículo que você dirige – ser algo de suprema importância e o rádio ser tão importante para a fruição divertida e segura de uma viagem quanto o volante, o freio de mão, o cinto de segurança e aquela trava de crianças que você usa pra irritar seus amigos que estão sentados no banco de trás.

E daí também ser tão importante saber escolher o tipo de música que você vai deixar tocando em cada ocasião, para não apenas fazer o melhor uso da combinação som e carro como também evitar situações desagradáveis como aquela envolvendo sua vizinha e o disco do Abba. Aquilo foi realmente chato.

Música pra criar climinha

Vocês saíram, aconteceu aquele jantar legal, aquele cinema divertido, aquela noite bacana, e agora vocês estão no carro, a caminho da casa dela. Você está confiante num convite pra subir e conhecer o apartamento ou tomar um café, se “conhecer o apartamento” envolver transar em todos os cômodos e café for um sinônimo para “noite alucinante de sexo selvagem” em esperanto.

Vocês estão conversando e você resolve colocar uma música tocando ao fundo, de leve, bem baixinho, apenas pra já ir criando um clima. E nesse momento amigo, uma escolha errada, um deslize, pode significar a diferença entre aquela noite de carinho e romance e aquela noite de “Depois eu te ligo” – que como todos nós sabemos, em esperanto quer dizer “Espera sentado, seu babaca”.

Pense esse cara, só que em forma de música. É isso que seu rádio tem de tocar

Aquele CD do Catra que o seu irmão esqueceu, aquela rádio pré-programada que só toca axé, aquele pendrive com as melhores do Teodoro e Sampaio são várias daquelas pequenas escolhas pessoais que podem realmente matar um clima com a mesma velocidade e fúria com que Jason mataria um grupo de adolescentes numa cabana isolada e colocar em risco a sua noite. Na dúvida o melhor é ir na certa e tentar aliar sutileza e clareza de objetivos, de forma que fique claro que “Sim, você quer, eu sei” mas que não pareça que você é um tarado e está usando uma cueca de elefantinho por baixo da calça, que é de velcro e ela não notou.

Alguns vão tentar fazer isso com John Mayer, outros com Frank Sinatra, vários com Marvin Gaye. Minha opção hoje seria o Raphael Saadiq, que consegue aliar diversão e climinha. Asa de Águia, Sandy e Junior e NXZero não são recomendados.

Música pra esperar o trânsito

Se você vive numa grande cidade, uma verdade inegável é que durante boa parte do tempo que você passa dentro do seu carro ele não está exatamente se mexendo. Sinais, trânsito, acidentes, engarrafamento, várias dessas coisas que fazem com que, assim como num filme do M. Night Shyamalan, aquilo que deveria ser facilmente resolvido em 15 minutos se arraste por quase duas horas e deixe você estressado, chateado e querendo descontar em amigos e familiares.

E também nesse tipo de momento uma boa escolha musical pode fazer a diferença entre conseguir sair do carro relativamente ileso ou aparecer num link direto com o Datena explicando por que você atacou aquelas pessoas com o macaco. E não era o macaco do carro, era um macaco mesmo, que você roubou do zoológico.

“Em minha defesa alego que a Dutra tava toda engarrafa…”

Tente dar uma chance pra músicas leves mas não depressivas – porque tudo que você não precisa quando sabe que vai passar uma hora sozinho numa caixa de metal gigante é ficar deprimido – ou algum tipo de rock mais moderado. Músicas excessivamente animadas podem não ser uma boa escolha, se você for do tipo que vai dançar de forma suspeita dentro do carro e colocar sua reputação em risco. Metal é pouco recomendável porque pode despertar instintos excessivamente selvagens e te fazer decidir que não precisa daquela máquina maldita e vai sair dali caminhando por cima dos carros ao som de Judas Priest.

Minhas sugestões: Beach Boys, Norah Jones ou Weezer. Mas desconsidere essa minha sugestão sobre o Weezer porque é minha banda favorita e eu sugeriria em todos os tópicos se pudesse.

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Música motivacional

Você está a caminho de uma entrevista de emprego, de um primeiro encontro, de um almoço de família, do alistamento na legião estrangeira, de uma ida ao futebol com o seu sogro ou de qualquer um desses eventos em que você precisa de coragem, autoconfiança, nervos de aço e possivelmente se preparar pra algum tipo de embate físico.

Mesmo saindo de casa tranqüilo, após os primeiros quilômetros uma certa insegurança começou a se alastrar, um certo nervosismo teimou a nascer e você precisa daquele gás especial, daquela palavra de incentivo, daquela voz dizendo que sim, vai ficar tudo bem, vai dar tudo certo. Você precisa de… Yoda. Mas como é muito complicado achar um mestre jedi quando você precisa, a solução é uma música que possa fazer exatamente a mesma função.

E nessa situação eu poderia sugerir dezenas de bandas, centenas de discos, milhares de canções, mas nenhuma delas seria tão efetiva quanto ela, a maior e mais perfeita mensagem motivacional já criada pelo homem, magicamente atrelada a maior história de superação já contada em qualquer universo e realidade, paralela ou não: “The eye of the tiger”.

Sim, essa música do grupo Survivor tem tudo que você precisa para não apenas sair do carro e conseguir o emprego, agarrar a garota e marcar 3 gols olímpicos (tudo isso no almoço de família) como também passar um período de horas se sentindo capaz de derrotar Ivan Drago e arrastar trenós pelo meio da neve russa. Apenas deixe no repeat e veja a magia acontecer.

Trilha sonora perfeita também para socar peças de carne

Música pra noitada

E estão lá você e os seus amigos se preparando para aquela balada pesada e hardcore que possivelmente irá mudar os rumos da noite como nós a conhecemos e fará com que, quando alguém digitar “night” no Google, o seu nome vá aparecer ao lado das bandas de metal melódico e daquela música clássica da Corona.

Caras prontos para colocar em prática táticas de sedução antes só vistas em clipes do Wando, padrões de romance que só existiriam em discos do Bryan Adams e graus de malícia que fariam Al Green voltar pra casa em busca de terapia. Mas e aí, qual a trilha sonora que pode manter vocês nesse clima de vitória até chegar na boate/festa/casa de amigo/local desconhecido que não citaremos para a segurança de todos?

No som toca aquela famosa mixtape chamada “Vegas, baby, Vegas”

Ainda que seja possível sugerir inúmeras músicas, deixo como referência 2 clássicos: “Rock and roll all night”, do Kiss; “Play that funky music”, do Wild Cherry. Transmitem animação, disposição, coragem, malícia e certeza de que vocês terão uma noite de puro winning sem precisar fazer como o Charlie Sheen e perder o emprego e a guarda das crianças.

Black Eyed Peas não é sugerido, assim como “Bohemian Rapsody”, do Queen. Sério, não é porque a gente viu em Quanto mais idiota melhor que é bacana na vida real. Dependendo do seu estado é recomendado que você não se preocupe tanto com a música na volta e pegue um táxi.

Música pra viagem

Viagem, o momento mais longo da sua convivência com o carro. Aquelas horas que você vai passar com os seus amigos ou a sua namorada rumo a praia ou a serra, numa maratona que desafia seus instintos, suas habilidades na direção e, dependendo de quem estiver no carro, também a sua paciência.

Esse tipo de ocasião, em que quase sempre diversas pessoas e possivelmente diversos gostos musicais estão envolvidos, é tipicamente crítica e possui grande capacidade de, quando não manobrada da forma adequada, gerar atritos, grave tormento psicológico, sensação de aprisionamento e até mesmo quatro horas ouvindo Ivan Lins e Oswaldo Montenegro.

“E era assim que eu estava até colocarem pra tocar aquela fita cassete do Jordy”

Nesse caso, por mais grosseiro, cruel e desalmado que isso possa parecer, é hora de voltar aos primórdios da humanidade e trabalhar o conceito de territorialidade: o carro é seu, você é quem manda.

Não importa se sua namorada é fã da Shakira, se o seu amigo tá com uma coletânea “muito maneira” do Travis, se a sua mãe quer ouvir o acústico do rei pela 10ª vez, você é a única pessoa no carro que tem a obrigação de se manter acordada, atenta e relativamente não-psicótica durante todo o trajeto, então qualquer tipo de escolha musical deve vir de você ou passar primeiro pelo seu crivo. Seja direto, seja claro, seja implacável. Se Molejo te relaxa ou você quer ouvir Quim Barreiros e música portuguesa de duplo sentido pra não dormir, ninguém tem nada a ver com isso, parceiro.

A sua música no seu carro

Claro que sendo o gosto musical algo tão pessoal quanto uma camisa ou uma escova de dentes – tanto que várias vezes não nos sentimos exatamente confortáveis tendo que usar o do outro – qualquer comentário ou dica que eu tenha dado aqui pode soar totalmente errado pra vocês e alguém vir me contar uma história absolutamente brilhante sobre como aquele disco da Fat Family foi essencial pra ganhar aquele beijo de despedida no carro ou como conseguiu um emprego depois de quinze minutos ouvindo Copacabana Beat, então essa é a hora para as sugestões.

O que funciona pra você? O que não funciona? Qual é a melhor trilha? Qual a pior? Você passou por algo pior do que aquela minha viagem de final de semana com irmã mais nova ao som do melhor de Xuxa só para Baixinhos?

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João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode