Tony Sly, caralho, tu morreu. Que bosta.
Deixa eu te contar uma história, man.
Eu não cresci com música. Meus pais não eram daqueles que ouviam Beatles ou Rolling Stones ou Elvis ou nada desse tipo. Entrei na adolescência virgem não só de sexo, mas também de guitarras e baterias e baixos.
Com meus 11 ou 12 anos, fiz amizade com um colega que era fã de uma banda chamada The Offspring. Tinha uma caveira na capa do CD. Coisa de louco. Mas ele gostava tanto, o saudoso Dênis; o saudoso Dênis que tocava bateria com canetas nos cadernos como todos os bons já fizeram em aulas chatas; que resolvi ver qualé que era. E foi ali que eu comecei a me tornar a pessoa que eu sou hoje. Uma pessoa que se define, se expressa e se apaixona por música.
Sim, com Offspring.
Bem poucos anos mais tarde, já inexoravelmente seguindo pelos caminhos desse mundo de power chords e baterias “pátupátupátu”, comecei a frequentar os arcos da Redenção em Porto Alegre. Era onde a galerinha que passava a semana falando merda pelo mIRC (long live #via-rs) se encontrava para tocar violão, beber vinho barato e exibir suas novas camisetas surradas de bandas. Numa dessas, conheci o Fischer.
Fischer era um herói para mim. Ele tinha uma banda de punk rock. A Hauri. Não só ele tinha a banda, como era o guitarrista, vocalista e letrista. Eu pagava um pau desgraçado praquele cara, e foi da banda dele o primeiro show de rock que eu assisti, numa casa abandonada numa esquina do centro de Porto Alegre, dentro de uma sala com menos de 3x3m, cuja única iluminação era uma TV velha e sem sinal pendurada num canto.
Nessa noite eu, ainda molequinho que só:
- Vi meu primeiro show de rock
- Saí à noite pela primeira vez, aliás
- Arrastei para casa pela primeira vez um amigo completamente bêbado (fala aí, Deh)
- Vi pela primeira vez um casal de gays se beijando
- Vi pela primeira vez um casal de lésbicas se beijando
- Vi pela primeira vez (de relance) pessoas cheirando.
Desnecessário dizer que aquela noite mudou a minha vida e a minha percepção do mundo.
Eu sempre tive facilidade para me aproximar das pessoas que eu realmente admiro, e com o Fischer não foi diferente. Ainda que ele fosse meu herói, fiz dele um amigo. Um dia, lá em casa, quando tocávamos um pouco de guitarra juntos – ele era naquele momento a primeira pessoa a fumar no meu quarto, um autêntico quarto de guri direitinho, que até Igreja frequentava –, ele parou e me disse quem era o herói dele. Tony Sly.
“Tudo que eu queria era um dia ter escrito essa música”, disse, com o cigarro na boca, enquanto tocava em meu violão de som fraco os acordes fortes de International You Day, cantando junto.
ᔥYouTube | Chills, man. Fucking chills. Down my spine and all
Depois disso eu comprei violão, guitarra, bateria, aprendi a escrever e me arrisquei a compor, mas até hoje tudo que eu queria era conseguir compor uma música assim. Radiohead é gênio, Muse é hipnotizante, The Raconteurs é das coisas mais fodas do mundo, mas entre a complexidade técnica desses caras e o feeling de um hardcore com melodia vocal perfeitinha, distorção crocante e bateria firme, eu preferiria mil vezes compor uma International You Day.
Tony Sly, morto aos 41 anos de causas ainda não divulgadas, você foi o herói do meu herói, por isso foi o meu herói também. Tenho muito carinho e lembranças fodas relacionadas a várias bandas do gênero, como Lagwagon, Millencolin, The Ataris e o próprio Offspring, mas nenhum dos vocalistas dessas bandas escreveu International You Day. Nenhum deles canta como você cantava. Nenhum deles parece sentir as coisas como você sentia. Como eu sinto.
E ontem, porra, tu morreu.
Que bosta.
No Use For a Name, para quem não conhece
Se você tem alguma afinidade com esse tipo de música e ainda não conhece No Use For a Name, nada do que eu puder falar vai ser melhor do que ouvir o conveniente álbum All The Best Songs. Eu fiquei ouvindo o tempo todo enquanto escrevia este texto.
Quem usa o Rdio, pode clicar aqui. Senão, ouça abaixo:
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