No último dia de TEDGlobal, houve um piquenique de despedida no Holyrood Park, nas cercanias da casa da rainha do Reino Unido e ao pé do Arthur’s Seat, um vulcão adormecido que se lança a 800 metros de altura com uma visão espetacular de Edimburgo. O local foi palco da continuação da palestra de Markus Fischer, que chegou despretensiosamente com sua equipe e soltou seu pássaro mecânico. Trata-se de uma engenhoca com o dobro do tamanho de uma gaivota, feita para simular à perfeição o bater de asas de um pássaro.

Antes da apresentação ao ar livre, Fischer estava no palco com uma voz sofregante, nitidamente nervoso, para explicar como funcionava o pássaro mecânico. Falou cerca de cinco minutos e, como aqueles que sabem o que fazem, soltou o bicho para voar sobre a cabeça dos participantes. E ele voou, controlado por um dos assistentes, tirando rasantes e gritos da plateia. Já no Holyrood Park, o pássaro mecânico começou a voar a cerca de 20 metros de altura e logo começou a ganhar companhia. Uma gaivota, duas gaivotas, cinco, dez e em menos de três minutos, 50 gaivotas voavam grasnando enlouquecidamente, falando entre si, certamente tentando entender do que se tratava aquilo. Algumas davam rasante no pássaro mecânico, e grasnavam no ponto em que chegavam mais perto do pássaro mecânico. Sensibilizados pela gritaria atordoante das gaivotas, os pesquisadores fizeram o bicho pousar. E as gaivotas relaxaram e sumiram do céu.

O pássaro robô de Fischer em ação. (Foto: Robert Leslie/TED)

As opiniões se dividiram. Alguns diziam que não era legal interferir daquele maneira na paz dos pássaros – eles nitidamente ficaram estressados. Outros olhavam fascinados para aquele espetáculo de poucos minutos. Eu fiquei com a certeza do atrevimento do bicho-homem em imitar a natureza à perfeição. A prova disso na engenhoca de Markus Fischer foi a curiosidade insaciável das gaivotas em descobrir quem era aquele invasor.

Atrevimento como combustível

Os palestrantes do TED são prodigiosas em atrevimento. Não poucas vezes, ressoa na minha cabeça a frase:

“A ignorância é atrevida.”

É paradoxal, porque ignorância é o que menos existe ali. O que tem, sim, é muita inventividade na maneira de olhar para os problemas. Vejamos o caso do carro voador.  Anna Mracek Dietrich contou que, desde sempre, o que eles quiseram construir foi um avião que pudesse ser dirigido, em vez de um carro que voasse. Assim, construíram esse veículo híbrido, que custa cerca de 300 mil dólares.

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Outro atrevimento do dia, também na voz trôpega de outro pesquisador, Harald Haas, foi a apresentação do “Li-fi”. Em vez de transferência de dados wireless (ou wi-fi), o futuro vai possibilitar a transferência pela luz.

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Olhe para cima e imagine que estas lâmpadas no teto, se tiverem um receptor adequado, podem transmitir dados. Haas não deixou barato e exibiu um filme em HD no palco. Para provar que não estava mentindo, colocava a mão entre a lâmpada e o receptor. E o vídeo parava. Imagine as aplicações e as possibilidades de criar uma conexão permanente nas ruas, por exemplo, via iluminação dos postes. Basta, para isso, que cada celular tenha um receptor e seja capaz de enviar de volta os dados para o poste. Exatamente como é feito com as antenas de celular.

Haas: em breve, Lámpadas recarregarão baterias. (Foto: James Duncan Davidson/TED)

Para acabar o TEDGlobal, subiu ao palco Jeremy Gilley, que há 11 anos teve a ideia de criar o Dia da Paz. O objetivo era instituir um cessar-fogo mundial na data de 21 de setembro. Começou com um documentário, uma ideia simples e aos poucos, com muita persistência, foi ganhando espaço pelo mundo. No dia 11 de setembro de 2001, Gilley teria espaço para uma conferência de imprensa com Kofi Annan, então secretário-geral da ONU. Mas aí vieram o ataque às Torres Gêmeas. No lugar de desistir, ele pensou:

“é justamente para isso que criei esta causa.”

E continuou.

Entre outras coisas, como o apoio do ator Jude Law em uma viagem ao Afeganistão, Gilley conseguiu um dia de cessar-fogo neste mesmo país. Em 24 horas, a violência diminuiu 70%. “Imagine o que conseguiríamos com um cessar-fogo mundial durante um dia inteiro.”

Fico pensando o quão simples é a causa de Gilley – às vezes, até ingênua. Talvez inversamente proporcional a tudo o que ele mobilizou. Ou não: a simplicidade com a qual mobilizou tudo o que criou até hoje é sua grande força. Uma ideia e muita energia em cima dela. E o atrevimento como combustível para fazer a luz transmitir dados, pássaros mecânicos e carros voarem, entre muitas outras ousadias de cerca de 70 palestrantes em quatro dias de mais um incrível TED.

Nota do Editor: As palestras do TEDGlobal 2011 aconteceram entre os dias 12 e 15 de julho. O PdH encerra hoje a publicação dos highlights do evento. Veja aqui os melhores momentos dos dias um, dois e três.

Rodrigo Vieira da Cunha

Estuda movimentos contemporâneos de evolução da humanidade para interpretar e compartilhar conteúdos em diferentes formas: palestras, textos, apresentações, artigos e conversas. Rodrigo é embaixador-sênior do TED no Brasil e sócio das agências de comunicação LiveAD e ProfilePR. Também organiza retiros sobre desenvolvimento de consciência com líderes de diversos países, está escrevendo o livro Humanos de Negócios" e organizando o "Flow" – um festival para trazer ferramentas e aumentar o nível de consciência das nossas relações. "