Todos se lembram, nas aulas de história da arte, do professor que gostava de pautar que grandes movimentos culturais são paridos num momento de pós-guerra.
Nos anos 70, surgiram inúmeros cinemas de nichos. O cinema negro americano do blaxploitation, os cinemas de artes marciais da Shaw Bros, o Spaguetti Western e Giallos italianos enquanto o cinema major americano amargava uma fase de mea culpa com obras densas que circundavam o cotidiano de um taxista com traumas de guerra (Taxi Driver), de policiais da corregedoria infiltrados para descobrir a banda podre (Serpico) entre outras formas retratadas em vários filmes ditos “pesados”. Era realmente difícil ter alguma visão positivista em território americano quando a verdade da guerra do Vietnã batia à porta de cada realizador cinematográfico que tinha um compromisso com a história em seus trabalhos.
Apenas dois filmes no final da década de 70 conseguiram erguer o positivismo do americano: Rocky: Um Lutador, que nos mostrava o cotidiano de um imigrante italiano que só conseguiu “vencer na vida” como boxeador, e Star Wars, que retratou a vida de um simples camponês que estava predestinado a libertar muitos planetas de uma ditadura intergalática.
Vamos nos ater ao segundo filme. Como, agora, quem detém direitos da saga é a Disney, podemos dizer que não existe quem fique livre de ler o nome “Star Wars” em algum painel ou qualquer outra mídia existente. Alguns não aguentam mais o bombardeio midiático, outros se sentem prevalecidos por gostar da saga antes do hype, enquanto uma nova geração de fãs, a terceira, surge junto desta nova empreitada que, sempre quando chega, marca a lembrança de todos pela devoção que os fãs cultivam.
Nas duas vezes em que a franquia aconteceu, tivemos alguns fenômenos muito interessantes de analisar. Isso nos coloca como protagonistas de ver quais questões norteadoras a nova trilogia poderá nos trazer.
Apesar da genialidade “inventiva” de Lucas, que sempre foi elogiada por vários cineastas contemporâneos a ele, Coppola, Spielberg, Cameron, Zemeckis entre outros, o diretor sempre foi uma figura introspectiva. Fala baixo, as mesmas camisas xadrez. Mas ele tinha grande potencial porque carregava uma formação de repertório muito grande. Conhecia filmes orientais, foi aluno de Roger Corman, abraçou desde cedo a vida de independência oriunda de ter assistenciado Coppola na produtora American Zoetrope.
Começa aqui uma primeira quebra de paradigmas iniciadas por Lucas. Ser independente no território americano é ter autonomia total para que sua obra não sofra modificações ou edições por conta de um produtor executivo que estaria investindo no filme. Lucas era o próprio investidor em seu projeto, após o fracasso financeiro de THX-1138 quase ter acabado com a produtora Zoetrope. Star Wars era uma espécie de “tudo ou nada” que deu certo. O filme chegou com sucesso, encheu a porta do Chinese Teather de personagens e começou ali a valorização e apego aos tais personagens que tinham um profundo mergulho em arquétipos e mitologias.
O filme rendeu uma bilheteria monstruosa (um orçamento de 11 milhões que foi bancado no fim de semana de estreia, que arrecadou 35 milhões só em território americano). Disso nasceram duas empresas de efeitos especiais (Industrial Light and Magic e Skywalker Sound) que iriam manter hegemonia dos efeitos de inúmeros filmes que necessitassem de cuidados técnicos apurados e, depois do estardalhaço, uma continuidade por meio de brinquedos e outros produtos relacionados à logomarca. Ah! Claro, metade do filme fica na memória pelo peso sonoro das trilhas de John Williams.
É impossível não notar uma mudança na forma de se pensar cinema com tantos impactos em inúmeras linguagens midiáticas. Desde a década de 70 até hoje, pesquisadores de linguagem de marketing apontam que Star Wars é o pai da transmídia storytelling, pois os braços da saga atingiu os formatos de histórias em quadrinhos, literatura, mais de 100 títulos de jogos de videogame, desenhos animados, brinquedos para todas idades, roupas, jóias, acessórios e outras experiências de consumo que não sobrecarregam o público, pelo contrário, os torna colecionadores.
Ouso dizer que, com tamanho calibre para materiais em marketing, Star Wars está prestes a se tornar um folclore mundial.
Sua segunda investida no cinema parecia o retorno de um jovem à sua brinquedoteca. Lembro-me bem do Lucas como porta-voz da tecnologia de visual FX, vendo obras como Jurassic Park serem feitas e o visionário na retaguarda esperando o tempo certo do amadurecimento dos efeitos para embarcar uma nova trilogia.
Enquanto isso não acontecia, causou um novo impacto ao remasterizar a trilogia de Vader (a trilogia clássica), consertar alguns planos, omitir alguns atos com uma brisa de moralismo e, ali, se demarcou o início de seu divórcio com o fã mais fervoroso da saga. Óbvio que esta espécie jamais vai querer entender que, como foi uma obra de um independente, ele se sentiria no direito de revisitar sua obras quantas vezes quisesse para retocar o que julgaria como imperfeito.
Talvez o maior símbolo desta insatisfação moralista tenha acontecido com o fato de que Lucas não queria deixar uma carga de canalhice ao personagem de Han Solo (algo intrínseco do personagem interpretado por Harrison Ford) e o fez, num papo de mesa de bar, desviar de um tiro proferido pelo caçador de recompensas amador Greedo para daí replicar o fatal tiro de blaster. Todos os personagens amavam o anti heroísmo de Solo, mas estas pinceladas foram as primeiras ações de Lucas rumo à insatisfação de seus fãs exigentes.
Era virada de milênio e ali era o momento certo de trazer a nova trilogia. Filmes de fim do mundo predominavam o momento da expectativa de 1999 para 2000 e lá surge George Lucas, depois de 22 anos sem dirigir um filme. O hype da produção de uma nova trilogia era, de novo, uma peça de estudo, talvez o motivo que fez muita expectativa em torno de um filme de um velhinho old school que iria experimentar de novo com seus brinquedos. A ambição agora seria ir além do material transmidiático, pois ele já estava na lista da Forbes como um dos homens mais ricos do mundo.
O que ele precisava fazer desta vez com o cinema? Tinha alguma inovação?
Sim, ele tinha.
Foi atrás de realizar um cinema quase que todo em captura digital com novas câmeras da Panavision e uso exacerbado de CGI. Além de abusar da bitola digital de captura, ele queria ir mais longe: a exibição analógica tinha que ser revista. Não estava mais nos planos da modernidade uma projeção em película. Eles queriam o filme armazenado na nuvem ou em formato DCP (Digital Cinema Package) pra exibição. O velho acanhado conseguiu o que queria com seu lobby involuntário de que todos deveriam repensar o formato de exibição.
Embora o episódio 1 tenha causado muita expectativa, talvez expectativas demais, cinematograficamente o filme tem uma progressão narrativa interessante. Sinto que, às vezes, padece por não ter um protagonista, mas quase tudo do que o criador necessitava estava ali no filme destacado aos olhos de qualquer cinéfilo observador: o apelo infantil com Jar Jar Binks (a figura mais odiada, o maior vilão da saga), um tom adulto pela carga política, um vilão de aspecto visual pungente que julgam tê-lo desperdiçado, jedi com novas modalidades de luta e, claro, o que se torna “metade da saga” volta na batuta das trilhas incidentais: o mestre John Wiliams, que na época estava sendo acusado de não inovar mais suas trilhas.
E surpreendeu com a trilha “Duel of the Fates”.
A este filme, as reclamações eram previsíveis: o ator mirim era ruim, e Jar Jar Binks despertando ódio do público e lá se foi a chance de enxergar sim seus pontos positivos.
Na verdade, aquele fã amargurado dos retoques da trilogia de Vader estava agora bradando contra o filme por meros detalhes que não resumem o filme. E a notícia que se propagou para a posteridade é esta dos fãs fervorosos de que pouco se importaram com a boa recepção da crítica na maioria das revistas internacionais, que apontavam este recomeço com cotações de regular para bom em inúmeros sites de cinema.
Oras, sabendo que o velhinho retornou para que nós, público, apenas acompanhemos de perto, ficou meio sem sentido o tamanho ódio ao filme, com posicionamentos em textos como “o que o filme deveria ter sido” feito por inúmeros americanos que se colocam acima da obra.
Cinema, meus amiguinhos, não tem dessa. A obra que temos pra analisar é esta que existe e nem adianta querer imaginar como seriam os filmes como nós quiséssemos. E isso é apenas mais um fenômeno causado por fãs de franquia. Uma inauguração das reações de uma legião de apaixonados pela saga. Mais um marco em meio a tantos que Star Wars causa no seu fã.
Essa retomada ao passado de Vader nessa trilogia, agora intermediária, apesar de muito criticada, tem inúmeros pontos interessantes para retratação das guerras clônicas. A faceta de diretor de George Lucas não arredou o pé e dirigiu aos 3 filmes, por mais que alguns sonhavam com a parceria de Indiana Jones em que Lucas cria e banca enquanto Spielberg dirige.
Esse exagero de CGI me parece, às vezes, ser a única experiência apaixonante a ponto de deixar de dirigir bem os atores. A atriz israelense Natalie Portman reclamou que o filme quase lhe arruinou a carreira. Ewan McGregor reclamar da monotonia dos estúdios com muito Chroma Key.
Já estávamos na era de troca de informações e opiniões e, por isso, o brasileiro chegou tão rápido aos ideais do jovem americano que criou uma nova cultura: para mostrar aos outros que ama Star Wars, ele se sente no direito de odiar Star Wars. Parece confuso, né? Mas faz sentido.
Ao final desta trilogia, pelo menos pareceu que o criador acertou o passo em sintonia ao gosto do freguês. O terceiro episódio, como previsto, teria uma atmosfera densa onde se assistiria o nascimento de um dos maiores vilões da história do cinema. Fim de uma trilogia? Apenas para longas. A isca ainda era mordida pelas crianças que consumiam as animações no Cartoon Network e justificava que Star Wars fosse exemplos da era transmídia citada até mesmo por Henry Jenkins, um dos maiores pesquisadores de mídia no mundo, fã confesso da saga.
Pronto. Lá se foram 2 trilogias e, com elas, duas gerações influenciadas pela fantasia da saga, pela capacidade de sonhar que o indivíduo carrega e alguns achavam que pararia por aí.
Só que, em 2012, a Disney anunciou a compra da franquia das mãos de Lucas por 4 bilhões e, se nós já conhecíamos a capacidade da major do rato falante em recriar fórmulas, creio que agora ela tem em mãos a verdadeira galinha dos ovos de ouro. A prova disso é como a Disney coloca no mercado.
Tivemos, desde o dia de Star Wars (May the 4th be with you), inúmeras ações como o Force Friday do lançamento da linha de “The Force Awakens”, lançamento de teasers, trailers vinculados ao grupo Disney (como o trailer completo no intervalo do NFL na ESPN, que é do grupo Disney), além das mídias em massa presentes em todo lugar. Só de propagandas e vendas de produtos, já se arrecadou mais de 20 bilhões. Quem parece não estar contente é o pai da criança. Lucas andou metralhando em entrevistas que sua cria trilhou um caminho diferente dos seus planos.
Desde que o diretor escolhido para nos contar mais uma trilogia foi o J.J. Abrams, muitas notícias mostraram este fazendo um meio de campo para satisfazer aos novos donos, o antigo pai e, claro, aos fãs.
O criador declarou que foi como um divorcio. Assume certo rancor de como perdeu de vez suas crias e diz procurar não ler nada sobre o filme, ato este que me pergunto como ele conseguirá na era das imagens. Mais uma vez, o nome da franquia mexe com a sociedade e seus valores pessoais. Desde a escolha de um trooper negro, a primeira quebra de paradigma, se “experimentou mexer num ninho de vespas” e saiu na mídia como as reações atingem uma banda podre da sociedade.
Ou até mesmo nos medos dos verdadeiros fãs de Star Wars de como Disney imprimiria sua nova era, ou a clara escolha de uma mulher como protagonista desta nova “jornada da heroína”, talvez único ponto que foi aceito sem reações negativas.
Matreira, a Disney já anda trabalhando quebra de paradigmas desde que seus últimos desenhos como Valente ou Frozen, em que suas protagonistas passam por uma releitura atual da sociedade de que nem toda mulher quer ser princesinha e nem todo galã é o príncipe encantado. Agora, em poder da Disney, ela já sabe o que tem em mãos. A experiência ainda está sendo descoberta e, assim, compreenderemos melhor o que é que se faz com uma fórmula certa nas mãos de quem sempre soube se atualizar e distribuir sonhos e magias.
Sejam bem vindos vocês, fãs desta terceira geração.
Star Wars não é uma saga para nós, velhos chatos apenas, mas sim, de todos vocês que queiram experimentar o que faz as pessoas sonharem ha quase 40 anos e levar à frente formas de se amar e imergir dentro de cultura pop.
A força definitivamente está conosco, mais desperta do que nunca.
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