Quando me perguntam “com quantas mulheres fiz sexo”, me dou conta de que nem mesmo sei definir o que é sexo. Você sabe?

 

As coisas são o que definimos que elas são

Um dia, casei.

Algum tempo depois, quando comecei a escrever sobre relações abertas, uma de minhas amigas mais antigas e queridas veio me dizer:

 

Ah tá. Agora entendi. Não é que você mudou sua opinião sobre casamento: você mudou sua definição de casamento!

As coisas são o que definimos que elas são.

henry moore

 

Uma amiga com quem você transa é uma amiga?

Tive uma ex que ficava revoltada por eu chamar de amigas todas as mulheres.

Eram amigas as pessoas que eu nunca tinha visto e só falava pela internet.

Eram amigas minhas colegas de infância quase-irmãs.

Eram amigas as mulheres com quem eu transava esporadicamente.

Eram amigas os maiores amores da minha vida.

Ela perguntava:

 

Quem é fulana?

Eu dizia:

 

Uma amiga.

E ela já ficava puta:

 

Mas é uma amiga que você come?!

Se respondia que sim, ela rebatia:

 

Então não é amiga, caralho, amiga não é isso!

Mas, na minha vida, amiga é quem eu digo que é amiga, não? Não transo com inimigas. (Bem, teve uma moça uma vez, mas divago.)

Para a ex, uma pessoa mais ciumenta e desconfiada, essa minha falta de precisão era uma maneira de lhe sonegar informações, mas ela parecia não perceber que eu respondia tudo o que perguntava sobre a ficha corrida das tais amigas: sim, já lambi a sola do pé; não, não meti, etc.

Eu não me incomodava de lhe passar as informações concretas.

Eu me incomodava era de reduzir as mulheres importantes da minha vida debaixo de rotulinhos limitantes.

henry moore

 

Se João e Maria passaram a tarde namorando… o que eles fizeram?

Durante seis anos, ensinei português para estrangeiros nos Estados Unidos.

Uma das grandes dificuldades práticas dos meus alunos, todos com cerca de dezoito anos e loucos para trazer seus hormônios em fúria ao mítico paraíso do sexo tupiniquim, era com os conceitos de namoro e namorar.

Afinal, estranhamente, o inglês tem palavras pra namorado e namorada, boyfriend e girlfriend (aliás, que também podem significar amigos com os quais você não transa) mas não tem o equivalente a namoro (a relação socialmente aceita e reconhecida na qual estão os namorados) e nem a namorar (o que fazem os namorados quando estão juntos).

Explicar namoro é relativamente fácil: namoro está para namorado e namorada como engagement para fiancé e fiancée, e marriage para husband e wife para marriage. Até aí, beleza.

Mas e namorar? Não existe verbo equivalente.

Namorar é um dos verbos mais ambíguos da língua portuguesa. Dependendo do contexto, namorar pode ser apenas uma troca de olhares silenciosa entre estranhos que nunca mais vão se ver:

 

“Maria Capitolina passava as tardes na janela de seu sobrado na Rua de Matacavalos namorando os belos moços que passavam.”

Ou sexo animal e desenfreado:

 

“Passaram a tarde namorando selvagemente; usaram seis camisinhas, um vidro de KY Hot e ainda traumatizaram o bode.”

Ou, claro, todo o resto que pode acontecer entre esses dois extremos.

(Não vou nem entrar em outra acepção bastante estranha para os gringos: “estou há meses namorando aquela jaqueta”, etc.)

Meus alunos perguntavam, confusos:

 

Qual é o sentido e a utilidade de um verbo assim tão vago?

E eu perguntava de volta:

 

Mas a quem interessa definir com precisão o que é namorar?

Quando a filha de quinze anos anuncia que está namorando, a última coisa que o pai quer é pensar muito sobre o que ela está fazendo com o namorado. Quando o mesmo menino sai de casa dizendo que vai namorar, ele também tem muitas esperanças mas, de fato, não faz nenhuma ideia do que vai acontecer.

Ele só sabe que vai namorar. E já está bom demais.

Henry Moore

 

Algumas definições mudam tudo

Pra complicar as coisas:

Os americanos falam muito do tal L-word, aquele momento-chave no relacionamento em que alguém deixa escapar pela primeira vez a palavra love e, então, tudo muda.

E eu explicava aos meus alunos que os brasileiros usam a palavra amor até demais. Amamos tudo e todo mundo. Amar aqui é fácil. De dizer e de fazer. (Aliás, ainda bem.)

Então, no Brasil, muitas vezes o momento-chave é quando alguém, sem querer ou de propósito, chama o outro de namorado ou namorada, ou se refere ao que eles têm como namoro.

Essa é a hora em que tudo muda.

Henry Moore

 

O amor é só uma palavrinha

Tive um relacionamento com uma moça que eu amava muito. Aparentemente, por tudo o que fazia e dizia, ela me amava também. Queria casar com ela. Não casamos porque ela não quis. Ainda assim, se sentia insegura. O relacionamento era aberto. Ela queria garantias, reiterações, afirmativas. Então, apesar de eu amá-la de verdade e já falar isso muito, eu falava “eu te amo” ainda mais vezes do que normalmente falaria. Porque, para ela, era importante ouvir.

Leia também  Esqueça o "não tinha para homem onde você comprou isso aí?"

Tive um relacionamento com uma moça que eu amava muito. Aparentemente, por tudo o que fazia e dizia, ela me amava também. Estava saindo de um relacionamento longo e tinha trauma de palavras como amor, namoro, relação, casamento. Falar em compromisso perto dela era como estourar fogos de artifício perto de um veterano de guerra. Éramos parceiros, amigos, confidentes, amantes. Conversávamos, viajávamos, ríamos, transávamos. Então, apesar de amá-la de verdade, eu não falava “eu te amo” quando normalmente falaria. Porque, para ela, era importante não ouvir.

Se amo e me sinto amado, que diferença faz usar essa ou aquela palavrinha?

São só letrinhas.

Henry Moore

 

Com quantas mulheres você transou?

De vez em quando, em mesas de bares pela vida, constantemente surgem questões como:

 

Quantas mulheres você já comeu? Afinal, Alex, transou com a fulana?, etc.

Mas… como responder essas perguntas?! Além de desinteressantes, são irrespondíveis.

Uma pergunta mais interessante seria:

 

O que é sexo? O que constitui uma foda?

Uma pergunta ainda mais interessante seria:

 

Por que perder tempo definindo sexo?

Henry Moore

 

Como definir uma trepada

Se chupei sua buceta, beijei seus pés e lambi seus mamilos, mas não penetrei, é sexo?

Se lambi entre seus dedos dos pés enquanto ela se masturbava, mas nunca nos beijamos, é uma ficada?

Se houve penetração, mas foi dela em mim, seja com um consolo ou fazendo fio-terra, é sexo?

Um boquete, pura e simples, é uma ficada, uma transada, ou nenhuma das opções acima?

Passei a noite inteira dedando a moça por debaixo da mesa: uma ficada, ou nem isso?

Os dois se masturbarem juntos é sexo? Um masturbar o outro, com dedo, língua ou consolo, é sexo?

Henry Moore

 

Sexo é penetração – ou não

Reparem que nem falei das muitas coisas que podem fazer amantes do mesmo sexo.

Essas pessoas que decretam que “sexo é penetração” devem ser como a mãe de uma moça que conheço: ela acha, de verdade, que a filha e a melhor amiga dividem um apartamento há dez anos, viajam juntas, uma sustenta a outra quando perdem o emprego, etc, mas são só amigas.

Afinal, de fato, se sexo é penetração, as duas nunca nem transaram. Resta ver novela e fazer tricô.

Henry Moore

 

Transei com as mulheres que não penetrei?

Em dezenove anos de vida sexual, enfiei o pau na boceta de nove mulheres. Todas pessoas incríveis por quem eu estava muito apaixonado. (Aliás, para quem acha que sou pegador, está aí o desmentido oficial.)

Mas sexo é isso? Sexo é pau na boceta? Posso então afirmar que “transei com nove mulheres” e pronto?

Ou…

Tive pelo menos dois relacionamentos, longos e sérios, intensamente sexuais e com mulheres que eu amava loucamente, onde nunca penetrei – por diversos motivos de gosto mútuo, preferíamos outras brincadeiras.

Tive um relacionamento de muitos anos com uma mulher que não tinha grande interesse em pênis ou penetração e, apesar de rolar a penetração ocasional, nos concentrávamos mais em outras atividades que lhe davam mais prazer.

Tive um relacionamento de muitos meses com uma mulher maravilhosa cujo grande tesão era que eu não gozasse nunca – e assim aconteceu.

Existem pelo menos quatro mulheres da minha vida que chamo de esposa, porque nos damos bem, dormimos juntos na mesma cama, as pessoas pela rua acham que somos casados – mas nunca rolou nem um beijinho.

A grande pergunta por trás desses detalhes privados e irrelevantes da minha vida é:

E daí? Isso prova alguma coisa? Esses rótulos tem algum significado, alguma utilidade?

Henry Moore

 

Definir é castrar

Essa nossa ânsia por rotular e definir tem o mesmo ímpeto autoritário de outras ânsias, como entender, nomear, buscar a verdade.

Entender X nada mais é do que uma tentativa de simplificar X ao seu mais básico denominador comum, de modo a poder defini-lo e nomeá-lo e, assim, chegar à verdade sobre X. Mas esse processo de simplificação é, por definição, redutor e autoritário: você lança o seu olhar sobre X, ignora inúmeros aspectos relevantes (praticamente qualquer objeto é mais complexo do que sua explicação), constrói uma narrativa explicativa baseada somente nos aspectos específicos sobre os quais você decidiu se concentrar, e, por fim, crava-lhe um rótulo autoritativo, dizendo “A verdade sobre X é isso!”

Entender, definir, nomear e buscar ou articular uma verdade são todas operações autoritárias demais pra minha cabeça. Entender é reduzir, definir é matar, nomear é controlar.

Definir é um gesto de dominação e redução.

Deixa vago. É mais gostoso.

* * *

As obras que ilustram esse texto são todas do escultor inglês Henry Moore.

* * *

assine a newsletter do alex castro

assine a newsletter do alex castro

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu