Desde que pedi demissão e fui estudar no Chile, minha única fonte de renda e dedicação tem sido o famigerado “empreendedorismo”. Como vim estudar sobre o assunto, posso ter ficado mais exposto a esse tipo conteúdo do que a maioria das pessoas normalmente fica, criando uma visão um pouco mais crítica sobre tudo o que vejo publicado por aí.

O mundo vem criando uma visão mítica em torno do empreendedorismo, principalmente com o boom da cultura de startups. Todo mundo acha que pode ser o próximo Facebook ou Instagram.

Tudo começa com os motivos errados para empreender, pessoas acreditando no conto da carochinha, da vida mansa e do dinheiro fácil.

1. Cansei de ter chefe

Esse é um dos principais discursos que ouço vindo das pessoas quando pensam em largar uma carreira convencional para abrir um negócio próprio. Se você é um desses que quer “ser seu próprio chefe”, pense novamente.

Ter clientes é drasticamente mais difícil do que ter um chefe. Por mais que, no final das contas, no seu emprego com chefe você também tenha clientes, quando algo dá errado, você só responde para uma pessoa: aquele cara com a gravata torta.

Meu primeiro negócio tem hoje quase 200 clientes pagantes e todos me cobram com toda força possível. Qualquer coisa que saia errado ou que não funcione direito, eles me lembram que me pagaram e que querem o problema deles resolvido.

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Quando tem seu próprio negócio, você não tem apenas um superior, tem centenas de chefes. E essas pessoas são a força por trás da sua empresa. E ao contrário do gerente tradicional, clientes costumam ser bem menos compreensíveis nas cobranças, afinal de contas, não convivem diariamente com você, e se te ofenderem, não é problema deles.

O outro caso são das empresas que recebem investimento. Essas então, ganham um chefe de imediato. Querendo ou não, quem está colocando grana na mesa dita as regras. Seja o chefe que assina sua carteira de trabalho, o cliente que compra seu produto ou um investidor que botou dinheiro em você e espera um retorno. Você sempre vai precisar responder para alguém.

2. Quero fazer meu próprio horário

Fugir do modelo padrão de trabalho 8~18 também é um dos fortes argumentos dos discursos pró-empreendedorismo, principalmente quando existe alguém tentando vender o empreendedorismo como forma de sucesso fácil.

“Quer ganhar dinheiro sem sair de casa? Pergunte-me como.”

Ontem eu escrevi uma mensagem para minha namorada com os seguintes dizeres: “Nunca trabalhei tanto como depois que me demiti”. Se quer trabalhar pouco, empreendedorismo não é para você.

Minha namorada veio me visitar no Chile durante o período que eu estava produzindo um curso online. Ela passou 10 dias no chile e 7 deles passei virando noites para entregar o produto para meus clientes. Me sinto bem mal de ter feito isso, mas eu tinha que entregar, não era justo.

Eu tenho 5 projetos acontecendo em paralelo e gasto pelo menos 16 horas trabalhando com eles, todos os dias. Ainda preciso me exercitar, comer direito, beber muita água, participar de reuniõas, aparecer na minha mentoria e, durante um período, fazia tudo isso enquanto ainda tinha as aulas na Exosphere.

Também tem os textos que escrevo para o PdH , alguns representam parte da minha receita.

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Vida de rockstar? Não.

Tenho textos dos meus blogs, posts que recebo convite para escrever, como no site da associação de startups e empreendedorismo digital. Estou num momento onde todas as oportunidades são abraçadas, porque tudo isso está compondo meu quadro de aprendizado.

E sabe porque eu trabalho tanto? Porque ninguém vai fazer por mim. E, se algo não acontecer, se o planejamento falhar, eu posso não ter o que comer no próximo mês.

Mesmo na sua empresa consolidada, depois que possuir funcionários e gente trabalhando pra você, saiba que por muito tempo ela só vai andar se você for o primeiro a chegar e o último a sair.

3. Receita é o mais importante

Essa é uma frase forte, mas sim, receita é o mais importante na empresa.

A primeira coisa que eu pergunto para toda startup que converso é: “E como você gera receita?”, tente você também, é a dica certa para ver alguém gaguejar. Fazendo essa pergunta num evento de Startup aqui no Chile, cheguei a ouvir a mocinha falando: “Ah, gerar receita é chato”.

O mais absurdo, para mim, é ver gente tentando imitar modelos como o do Instagram, por exemplo. Construir um produto, se colocar gratuitamente no mercado e esperar que alguma empresa grande te compre. Somos enganados pelas poucas vezes que vemos isso acontecer, mas para mim isso é como apostar na loteria. Mensalmente, mais pessoas ganham na loteria do que podemos ver isso acontecer.

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Somos enganados pelo alarde que a grande mídia faz em cima desses casos raros.

Então, quando pensar em montar um negócio, a primeira coisa é pensar em como essa ideia vai trazer dinheiro.

Se uma empresa não está dando dinheiro, ela não pode mudar o mundo. Ela não pode fornecer qualidade de vida para seus funcionários. Sem dinheiro, o filho do João, o programador, não vai fazer escolinha de futebol e não vai ganhar o campeonato brasileiro de 2025 com um gol de falta.

Dinheiro é o fôlego de uma empresa e, mesmo com investimentos, uma hora o fôlego acaba e todo o sonho de mudar o mundo acaba junto.

4. Não existem super heróis

A cultura americana nos fez acreditar que existem pessoas que conquistaram tudo sozinhos, vencendo todas as adversidades da vida. Bullshit. Ninguém faz nada sozinho. Steve Jobs não seria o que conhecemos sem Steve Wozniak, Mark Zuckeberg também não fez nada sozinho.

Em todo caso de sucesso existe um time envolvido, uma equipe suou junto para aquele resultado acontecer. Quer ver a importância de um time? Lembre da seleção Brasileira. Nossos jogadores se apresentam muito bem quando estão em seus times, mas passam sufoco ao jogarem na seleção. Um time precisa de entrosamento, confiança e cumplicidade.

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Vejo muita gente achando que pode acordar e mudar o mundo sozinho, sem um sócio ou até mesmo uma equipe de sócios. Observe um pouco da história e veja que em raríssimos casos isso deu bons frutos. Quer montar uma empresa? Arrume um bom sócio. Alguém que você saiba que vai segurar o rojão dos problemas quando tudo der errado. Alguém que vai te fazer acordar de madrugada quando todas as suas energias estiverem esgotadas. Que vai te fazer lembrar do porquê, desde o inicio, vocês começaram a construir aquele sonho.

5. Seu negócio não vai dar certo

Por padrão, seu negócio não vai dar certo. Sua primeira ideia não vai pra frente. Você vai se ver deitado na cama com seus olhos cheios de lágrimas, pedindo para voltar no tempo.

A maioria dos negócios fracassa. Essa é a grande verdade.

E não existe curso, MBA, mágica ou tela branca do Akuma. Nada pode garantir que seu negócio seja bem sucedido. Se você acredita nisso, bem vindo ao mundo real.

Falhar é um processo doloroso e se torna ainda pior com o estigma social de que falhar é feio. A forma que você vai lidar com suas falhas é o que mais pode determinar sua capacidade de sucesso.

A maioria dos negócios vai para a mesa de planejamento e volta para as ruas dezenas de vezes até engatar. Cada vez que sua ideia falhar, saiba reconhecer o que deu errado, coletar o aprendizado e retomar o processo de planejamento. Quanto menos vinculado ao ego seu negócio for, mais fácil será lidar com a falha.

Não preciso dizer que ninguém planeja falhar, mas preparar-se psicologicamente para quando isso acontecer deve ser um trabalho recorrente. Entender que não existe uma ciência por trás de um negócio. Que mesmo fazendo tudo dentro do que indicam as melhores práticas, você pode não se dar bem.

E aí, é bola pra frente.

* * *

Muito do que dizem sobre negócios é balela. Tentar copiar o modelo de quem já está muito adiante no mercado é um grande erro. Assim como os marombeiros que imitam os exercícios do Schwarzenegger esperando ter os mesmos resultados, copiar o modelo de um grande caso de sucesso pode representar o seu caminho do fracasso. Cada situação é muito específica, cada negócio tem propriedades e seu publico reage de uma forma diferente. Tudo é meio que imprevisível.

O que você acredita ser um fator determinante para um negócio? É a ideia que conta? O esforço dos envolvidos? A sorte?

Cada um tem um segredo que colheu em suas experiências, qual é o seu?

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.