Quem estivesse a fim de saciar essa incrivelmente bizarra vontade que é “consumir notícias” encontraria na Folha.com da segunda de carnaval veria as seguintes chamadas:

Eu poderia escolher outras reportagens, já que há sempre pelo menos 70 links só na home. Mas todas essas aí podem ser, de alguma forma, classificadas como “sérias” (“Pepê e Neném” serão sempre nomes engraçados, mas o assunto é sério).

Tente fazer algo parecido agora. Entre no seu portal de notícias favorito e pare alguns minutos para analisar o menu oferecido hoje e todos os dias. E tente responder: quantas notícias seriam efetivamente “importantes”, na sua opinião? Metade do total? Um quarto? Duas?

Será que você precisava mesmo desse revival de carnaval com Pepê e Neném?

E, afinal, o que é uma notícia “importante”? Pra que serve um jornal? A Folha ostenta lá no topo que está “a serviço do Brasil”. De que forma, exatamente? Volto à pergunta que Caetano Veloso fez há décadas, ao ver bancas repletas: “Quem lê tanta notícia?” E pra quê?

É difícil achar uma resposta fácil. Um jornal, justamente porque precisa agradar todo tipo de consumidor, cobre quase todos os assuntos, ao menos superficialmente. Então, o que a princípio é importante para mim, não é para você. Acho que podemos concordar também que há coisas que certamente não são “importantes” para qualquer pessoa, mas que rendem cliques, que é o que fazem os sites pagarem a conta com publicidade, gerando um monte de ruído no meio do caminho. Sem saber o que é “útil”, o que desperta interesse legítimo ou que simplesmente entretém a pessoa, o jornalão vai lá e metralha toda a munição que tem. Estamos acostumados a isso, mas há muita, muita coisa errada neste processo, fundamentalmente.

Quando vamos comprar comida, estamos cada vez mais atentos aos processos de fabricação, informação nutricional e impacto na nossa saúde antes de colocar os itens no carrinho. Acho que precisamos de um approach parecido na hora de decidir o que alimenta o nosso cérebro. E isso vale inclusive para o que parece saudável à primeira vista.

Nassim Nicholas Taleb, em seu livro Antifragile, diz que a mídia incorre constantemente na iatrogenia – termo normalmente usado na medicina para descrever quando o médico, tentando tratar e ajudar o paciente, acaba piorando a saúde dele.

“Eles [os jornais] precisam encher as suas páginas todos os dias com uma série de notícias – particularmente as notícias apresentadas por outros jornais. Mas se fossem fazer a coisa certa, eles deveriam aprender a ficar em silêncio na ausência de notícias significativas. Os jornais deveriam ter duas linhas em alguns dias, 200 páginas em outros – mantendo a proporção adequada de sinal e ruído. Mas é claro que eles querem fazer dinheiro e precisam vender pra gente junk food. E junk food é iatrogênica.”

Taleb tem razão. Nós – falo aqui em nome de quase toda mídia, profissional ou não – produzimos ou reciclamos informação demais, sem muita razão aparente. Cansei de publicar coisas que eu tinha certeza que eram irrelevantes, apenas para “cumprir a meta”. Fazemos isso porque “sempre foi assim”, comercialmente falando (mais posts = mais cliques), e porque acreditamos que “informar demais” nunca fez mal a ninguém. Mas será mesmo?

Por séculos a nossa sociedade endeusou a “informação” como um fim em si. Logo, ter muito de algo muito bom nunca foi visto como um problema, pelo contrário. Para mostrar seriedade, os políticos afirmam que leem três jornais assim que acordam – mesmo que a redundância represente tempo desperdiçado; um operador da Bolsa sempre tem pelo menos dois monitores na sua frente, para acompanhar tudo em tempo real – mas ele ignora que acompanhar microvariações obsessivamente dificulta uma visão mais ampla das trajetórias das empresas; nos vangloriamos de bibliotecas particulares repletas, mesmo que não tenhamos lido metade do que está na estante e continuamos comprando coisas novas; guardamos páginas nos favoritos para ler depois e nunca voltamos a elas; sintonizamos o rádio de manhã e ouvimos a situação do trânsito em uma rua que nunca vamos pegar. No fim, usamos muito a informação como marketing, e não somos os únicos.

Os canais de notícia garantem que nos deixarão “bem informados sobre tudo” e buscamos isso, ainda que, no fim do dia, não fique claro que diferença fez saber os resultados do campeonato francês ou os detalhes de uma nova enchente no Sudeste asiático.

Dá para dizer que você fica pior ao saber dessas coisas inúteis? Deixe eu colocar algumas minhocas na sua cabeça.

O nosso cérebro tem bastante espaço, é verdade, mas existe algo chamado “memória de trabalho”, algo como a RAM do computador, que – grosso modo – é onde fica o que estamos aprendendo antes de ser assentado na memória mais profunda. É possível sugerir que se entupirmos a nossa cabeça de coisa que necessariamente vamos esquecer antes de dormir podemos ficar sem espaço para rodar programas mais importantes, ou para desempenhar tarefas com mais foco.

O espaço ocioso no cérebro é importante, para desenvolvermos novas ideias ou concatenar pensamentos soltos.

Abrir espaço para concatenar ideias é importante

Ainda sobre o nosso corpo, poderíamos também começar a pensar que “informação em excesso faz mal” porque a maneira que escolhemos para consumi-la – cada vez mais, sentados diante de uma tela –, pode arruinar nosso senso de tempo e aumentar o sedentarismo.

Precisamos notar qual o efeito psicológico que essas notícias têm sobre nós. Comece a perceber qual a sua reação ao ler algo online. Você fica mais ansioso, querendo responder imediatamente (talvez nos comentários)? Ou mais desnecessariamente preocupado, por causa da notícia de um crime ou um acidente de avião (o cérebro não se importa muito com estatísticas)? Ou mais desesperançoso e cínico, por não acreditar nos nossos representantes e a democracia, depois de mais uma notícia de corrupção (você lembra de ter lido algo positivo sobre algum político)? Com mais inveja de uma celebridade e sua barriga malhada?

É claro que essas não há só efeitos negativos. Uma “boa” informação pode melhorar a sua visão de mundo, lhe deixar mais empático, mais “empoderado” para lidar com os problemas do seu dia-a-dia etc. Mas continuemos no raciocínio.

Pensar melhor sobre o que consumimos de informação é, em última instância cuidar da nossa saúde física e mental. E, se os motivos que listei aqui parecem etéreos demais para você, pense em um mais óbvio: o seu tempo é finito. Temos mais o que fazer com nosso tempo e nossa massa cinzenta – até porque sempre podemos usar a memória terceirizada.

Ser inteligente hoje poderia então ser definido como ser seletivamente ignorante. Ou, para usar outra citação de Nassim Taleb:

“Eles acham que inteligência é notar coisas que são relevantes (detectar padrões); em um mundo complexo, a inteligência consiste em ignorar coisas irrelevantes (evitar padrões falsos)”.

Sabemos que precisamos escolher melhor nossas batalhas, para conseguir algum foco. Decidir por não acompanhar uma série de TV hypada ou ignorar um assunto que vem sendo destacado pela mídia pode ser tão importante quanto o que escolhemos, conscientemente, seguir.

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Mas por que é tão difícil? Por que damos tanta atenção a coisas que não temos qual poder ou influência? Não falo apenas de notícias de futebol, já que acreditamos magicamente que a nossa “torcida” pode mudar o destino do time (e pode mudar). Mas falo de coisas ditas relevantes mesmo. Ainda que você saiba tudo sobre o papel da Rússia na Criméia, o que fazer com toda essa informação? Será que entender os detalhes da prestação de contas do seu condomínio – que não sai em nenhum site de notícias – não seria mais importante?

OK, não quero cagar regra aqui ou ser tão pessimista. “Ficar informado” sobre os grandes eventos, ou os pequenos eventos (em importância) mas que viralizam pelas redes sociais tem, no mínimo, uma aplicação prática: o senso de sociabilidade, de não querermos ficar de fora das conversas. Eduardo Fernandes define isso de maneira mais provocativa:

“Você não acessa um site porque está curioso sobre o conteúdo. Você apenas quer, consciente ou inconscientemente, se tornar ‘mais esperto’. Compartilhar links. Ganhar mais seguidores. Manter-se atualizado. Acompanhar modas. Quer dizer, você não se relaciona necessariamente com o conteúdo, mas com o seu próprio desejo de consumir mais. Livros, sites, gadgets, filmes etc., passam a ser veículos para apaziguar esse velho sentimento de que a grama dos outros é mais verde”.

O valor social da informação, de começar conversas, não pode ser desprezado. Se não lermos a “pauta do dia” vamos sempre falar sobre o calor – uma informação que, para obtermos, só precisamos olhar para fora da janela. Mas ele também não pode ser superestimado. Se não saber qual é o grande meme do Twitter hoje significa que você vai precisar de outro assunto – talvez mais profundo – quando encontrar aquele seu amigo para conversar, tanto melhor.

O ideal, então, seria ter uma dieta de consumo de informação um pouco menos voltada para o entretenimento e socialização, e mais para o crescimento pessoal e da nossa comunidade. E, certamente, em menos quantidades. “Ah, Pedro, mas esses portais tão cheios de porcaria!”, poderá dizer alguém, jogando a culpa na mídia – este que é o segundo maior esporte nacional.

Mas se a mídia em geral ataca nossos sentidos primários e tenta nos entupir de informação, somos cúmplices dando audiência. Sim, como público, nós não somos vítimas, somos cúmplices. Porque, e isso é importantíssimo deixar claro, nós temos o controle: consumir informações ainda é um processo ativo.

Na TV isso sempre foi mais óbvio: se achamos um absurdo a exploração das pessoas em um programa do João Kleber ou o que o valha, simplesmente mudamos de canal, não damos audiência. E se todos votarem com o controle remoto, a programação muda. Na internet deve ser a mesma coisa: podemos escolher não acessar o portal, não entrar em discussões vazias, não dar ibope à polêmica fabricada, não clicar em galerias de fotos quase iguais.

Se ninguém troca de canal, a audiência justifica a programação

Talvez você já faça isso. Ou melhor, eu sei que pelo menos tenta. Tenho fé que você não consome tanta informação gordurosa e açucarada. Mas a tentação é muito grande. Porque hoje em dia é muito fácil conseguir qualquer informação. E o problema do consumo excessivo ou desbalanceado não se resume às notícias jornalísticas, é claro.

Quando comecei a me interessar pelo basquete da NBA, no início dos anos 1990 (por meio do videogame, vejam só), tinha que torcer para ver alguma notinha de meio parágrafo no Correio Braziliense com os placares da rodada e me contentar com a partida que a Band transmitiria, durante a madrugada, algum dia da semana. No blog de esportes que acompanho, o SBnation, é normal ler em um único dia cinco ou seis notícias só sobre LeBron James, o meu jogador favorito da liga americana. Se abrir o aplicativo da NBA no iPad, posso ver cada uma das suas cestas em uma partida de um ano atrás ou ver em que pedaço da quadra ele se sai melhor quando é marcado por alas de menos de 2’05’’. Eu tenho acesso, e tenho meia dúzia de amigos loucos que efetivamente leem esse tipo de coisa, mas para quê exatamente? Eu não vou conseguir ser auxiliar técnico, não escrevo sobre o assunto nem aposto em partidas.

Não sei se quero que esse tipo de informação suma – no mínimo, por uma questão corporativista, já que há jornalistas cada vez mais superespecializados hoje em dia –, apenas acho importante saber controlar quão fundo vamos em algo que não vai nos fazer crescer em última instância. Porque, pela maneira como a internet é projetada, com seus links e vídeos espalhados por todos os lados e a possibilidade de agradar a todos os microgostos, há a real possibilidade de você ver seu tempo sendo sugado por bobagens, por mais interessantes que elas possam parecer à primeira vista. Se você começa lendo a página de um ator qualquer em um site de cinema, pode acabar, alguns cliques e vídeos depois, no verbete sobre a guerra civil galáctica de Guerra nas Estrelas na Wikia. Há 19 mil palavras para ler, cobrindo todos os detalhes da vitória do imperador Palpatine.

Não quero ser tão duro com você, fã de temas muito específicos como Guerra nas Estrelas – eu leio blogs sobre jogos de tabuleiro para iPad, se isso te tranquiliza. Saber muito sobre algum assunto, qualquer assunto, é uma das coisas que nos diferencia, no fim das contas, faz parte do que somos. No sentido de desenvolver nossa personalidade, a internet tem bastante potencial, permitindo-nos orbitar por vários gostos e comunidades.

Eu darei voltas, relativizarei, jogarei poréns e não darei uma resposta definitiva às perguntas iniciais: o que é algo importante e quanto de informação é muita informação? Porque não, há, como você deve ter percebido, uma resposta única. Isso não quer dizer que não devamos deixar de buscá-la.

Comece a pensar sobre com este texto. Depois de ler essas 2 mil e poucas palavras, como você está se sentido agora? Quanto tempo você perdeu? Como, olhando em retrospectiva, o título, o site, as fotos, vão ajudar a selecionar melhor onde você vai gastar a sua atenção? Repita o exercício algumas vezes por semana, e em pouco tempo seu cérebro começará a ter uma alimentação mais saudável. E nós, que produzimos a comida, precisaremos ter mais cuidado com o que oferecemos.

Nota do editor: esse texto é uma versão adaptada de um trecho do livro Conecte-se ao que importa – Um Manual para a Vida Digital Saudável, lançado em janeiro. O Pedro Burgos ofereceu uma cópia de seu livro para oferecermos a quem participar da discussão. Quem comentar até terça-feira, dia 18/03, entra no sorteio e pode levar um exemplar do livro para casa.

Pedro Burgos

Já escreveu para um monte de revistas, como Superinteressante, Galileu, Exame e VIP, e passou 3 anos como editor-chefe do Gizmodo Brasil. Atualmente, prefere compartilhar artigos conversando ao vivo, mas também seleciona boas leituras para estranhos na Newsletter do <a>Oene</a>. Lançou este ano seu primeiro livro