Gene Simmons, o – tão famoso que dispensa apresentações – baixista do Kiss, tem falado bastante em entrevistas sobre diversos temas. Em uma recente conversa com o site SongFacts.com, quando perguntado se ainda falava ou saia com os antigos membros da banda, ele desmereceu a depressão como uma preocupação real (tradução livre):
“Digamos que um garoto de 20 anos diga ‘Eu estou deprimido. Eu vivo em Seattle.’ Foda-se, então se mata. Eu nunca entendo, porque eu sempre os pego no seu blefe. Eu sou o cara que diz ‘Pula! quando tem um cara no topo de uma construção falando que ‘é isso, eu não aguento mais. Eu vou pular!’ Você está brincando? Por que você está anunciando? Cala a boca, tenha alguma dignidade e pula! Você já conseguiu o público, agora pula!”
E continua:
“Se você chegar em um cara que ameaça saltar de uma borda, colocar uma arma na cabeça dele e disser ‘Eu vou estourar seus miolos!’ Ele vai falar ‘por favor, não!’ É verdade. Ele não é tão maluco assim.”
É bem difícil tentar ter um consumo mais consciente, entender qual a cadeia de eventos que culmina em um determinado produto final e, então, se engajar com aqueles que geram menos danos.
De uns tempos pra cá, faço, na medida do possível, um esforço para não comprar ou me envolver com coisas que claramente envolvam escravidão, racismo, machismo, abuso com animais, danos descarados ao meio ambiente, etc. Não é tarefa fácil. Em geral, envolve apenas dizer “é, dentre esses, esse aqui é o menos pior”.
Mais complicado tem sido transpor esse esforço pro material cultural que tanto gosto, especialmente quando se trata do rock. Está cheio, mas realmente cheio de coisa nociva e equívocos deliberadamente sendo transmitidos como verdade, pela estética de ser badass.
Falo isso por que, quando diz respeito a uma banda como o Kiss, que fez parte da minha adolescência inteira e já foi trilha sonora de um monte de momentos super divertidos na minha vida, dói ter a percepção de que muito do que está por trás é bem problemático.
O Kiss, como banda, é demais. Sério. Mas ultimamente, tudo o que tenho ouvido sair da boca do Gene Simmons é preocupante. Ainda não sei de que forma me posicionar em relação à obra dele (que gosto muito) por causa dessas falas.
Algo que o baixista Nikki Six, do Mötley Crüe, falou em resposta ao Gene Simmons ressoa em mim.
“É bem chato porque [Simmons] acha que todo mundo o ouve, que ele é o Deus do Trovão. Ele vai dizer pra você que é o maior homem na Terra, e pra ser honesto com você, eu gosto do Gene. Mas nessa situação, eu não gosto do Gene. Eu não gosto das palavras do Gene.
Há um garoto de vinte anos lá fora que é fã do Kiss, lê isso e diz ‘Quer saber? Ele está certo. Eu deveria me matar.'”
Não quero que você faça o mesmo e nem que vá fazer muita diferença em comparação aos 27614579225 fãs da banda, mas enfim, repensando aqui meu apoio ao Kiss.
Digo isso especialmente por que, apesar de conhecer muito pouco da obra do Nikki Six e sequer saber se ele passa pelo meu crivo ou não, concordo demais com o que ele disse sobre a fala do Gene Simmons a respeito da depressão. Você, em uma posição como a dele, de influência quase religiosa sobre o que tantos jovens (ou mesmo adultos) pensam, não pode simplesmente sair dizendo por aí “uma pessoa em depressão, reclamando da vida, tem mais é que se matar mesmo”. Não pode.
Parece uma extrapolação, um exagero, mas alguém em um momento de fragilidade pode, sim, acabar se matando ao ouvir alguém que admira dizer uma coisa dessas. Da mesma forma como muitos de nós se sentiram extremamente fragilizados quando ouviu uma ou outra palavra mais dura dos nossos pais, por exemplo.
Um exemplo antigo, porém famoso, disso, foi o caso do garoto que se suicidou ao ouvir uma música do Ozzy chamada “Suicide Solution“. A música fala de um alcoólatra que tem pensamentos suicidas. É uma história. Mas o garoto interpretou como uma ode ao suicídio. Na mente dele, era o próprio Ozzy dizendo que o suicídio era, sim, a solução. Uma falha (possível) de interpretação das palavras e o dano irremediável está feito.
E isso por que era uma música, não uma entrevista. Não era a pessoa real do Ozzy lá falando isso. Agora, pense no perigo que é o próprio Gene Simmons sair por aí falando que racismo pode, que os outros têm mais que se matar…
Admiração, estima, respeito, enfim, essas coisas contam. Se você é visto, de alguma forma, como um exemplo pra algo, como o próprio Gene já foi pra mim, como músico, isso inclui uma responsabilidade da qual não dá pra escapar. Ainda que ele ache que não tem essa responsabilidade, ela está lá, assim como o ar continua existindo, mesmo que você não acredite nele.
As pessoas ouvem você, só por estar em uma posição de poder falar. E, por mais que você não veja, isso não quer dizer que as consequências não existam.
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