A gente se desenvolve como homens à medida que a vida passa, mas aquela coisa lúdica e inocente da infâcia nunca morre. Sempre me peguei com essa frase: “brincadeira para adultos”. Para mim, ela tem um significado muito forte.
Com esse pensamento, um amigo e eu fechamos uma parte da nossa viagem pelos Estados Unidos. Morávamos em Vancouver na época e decidimos visitar a Costa Oeste americana. Terminaríamos em Las Vegas, parte do trajeto feito de ônibus, parte de trem e outra de carro. Claro, foi sensacional, com vários percalços e muita diversão, mas o que quero contar tem a ver com essa ideia da brincadeira para adulto.
Desde criança, fui muito ligado em carros. Comecei minha coleção da revista Quatro Rodas quando tinha 6 anos e estudei tudo que tinha a ver com esse universo. As estradas, lógico, também fizeram parte da minha vida, seja nas brincadeiras de infância, seja nas viagens propriamente ditas.
Uma delas era a tal Rota 66. Uma estrada que foi muito utilizada no meio do século passado e que tinha um significado de libertação. Nat King Cole, Chuck Berry e até os Rolling Stones já prestaram suas homenagens e Jack Kerouac, autor do livro Pé Na Estrada, cita a estrada em seu livro. Ponto de partida para diversas histórias. Ouvi falar e li muito a respeito. Como não podia deixar de ser, ela também estava nas minhas brincadeiras com carrinhos de fricção.
Toda essa história e a chance de poder usar essa rodovia para fazer o trajeto de Los Angeles a Las Vegas me deu uma certa animação.
Pensando nisso e sabendo que meu amigo também era vidrado em carros, coloquei essa ideia no ar: vamos pela rota 66 para Las Vegas?
Alugaríamos um carro em Los Angeles e devolveríamos em Vegas. Mas já que é uma ocasião tão importante, por que não alugar algo mais interessante? Meu amigo topou na hora.
Cheguei meio desanimado na locadora de carros no aeroporto de Los Angeles (a única que tinha o modelo em questão para o dia que queríamos). A fila daria pelo menos uns 20 minutos e não queria perder muito tempo. Quando cheguei ao guichê, o atendente disse que no dia anterior um cliente procurou pelo mesmo carro e eles não tinham.
Fiquei meio preocupado, mas depois de checar no sistema, o cidadão me olha com uma cara feliz e fala que eles tinham o meu carro no pátio. Abri um sorriso tão grande que ele até deu uma gargalhada.
Batemos um papo sobre como deveria ser a entrega do veículo e ele me entregou um GPS e os documentos. Falou que o carro estava na vaga com a chave no painel e apontou para onde eu deveria ir. Cheguei e lá estava ele, um belíssimo Ford Mustang 2013 preto, conversível. Que carro demais!
A primeira coisa que fizemos foi abrir a capota, ainda no estacionamento. Parecíamos duas crianças com seu brinquedo novo. Malas no bagageiro, partimos.
O único problema foi que, mesmo com o GPS, não conseguíamos achar um ponto de entrada para a rodovia. Decidimos começar do zero e fomos para o píer de Santa Mônica, onde termina a rota – ela sai de chicago e atravessa 8 estados até acabar em Santa Mônica na California.
Conseguimos seguir algumas placas por poucos minutos e nos perdemos novamente no trânsito de L.A. Tínhamos que chegar em Vegas naquele dia e começamos a nos preocupar. Eu lembrei de como a Rota saia pelo leste de Los Angeles e colocamos no GPS algumas cidades por ali para, pelo menos, sair daquele centro caótico.
Como não estava muito certo, decidi parar num posto e comprar um daqueles mapas rodoviários. Santo mapa! Ele não só nos dizia onde a rota começava fora de Los Angeles como também poderia servir de guia por todo o trajeto. O GPS nos ajudou a achar a cidade de Victorville e, chegando lá, demos de cara com um portal escrito “Old Town Route 66” e com uma placa indicando a estrada.
Abastecemos e seguimos. Paramos para comer mais à frente, em um dos vilarejos que foram esquecidos pela desativação da rodovia. Um povo bem simples, porém muito simpático. Sugeriram um restaurante mexicano que servia umas tortillas sensacionais. Comemos e seguimos rumo a Vegas, agora na parte divertida da estrada.
Perto de Los Angeles, a rota ainda é usada para tráfego local de pessoas, mas um pouco mais afastada, ela fica realmente abandonada. Tudo o que nós queríamos. Beirando a Rota 40 pelo estado da California, a Rota 66 fica completamente vazia.
Apesar de não ser uma reta contínua, como a maioria das estradas americanas, a estrada tem retas muito longas. De perder no horizonte.
Aceleramos muito, sem receio. A estrada vazia, o asfalto ainda em condições – e aquele carro. Era um conjunto de ingredientes que não podíamos deixar passar (acho que existe um esforço de conservação, apesar de ter trechos ruins e em outros nem se comparar aos tapetes das Highways).
Com o cair da tarde, um por do sol começou a se formar atrás de nós, competindo em beleza com o deserto à nossa frente. Nós, brasileiros, não estamos acostumados com a vista de areia e pedras sem fim. Tudo parecia muito mágico. Aquele momento era, para mim, o mais esperado da viagem. Curtindo um rock’n roll, nos divertindo com o carro e nos deslumbrando com o visual, fomos caindo na noite californiana.
O deserto, durante o dia, é muito quente e seco, mas à noite a temperatura cai bastante. Meu amigo sugeriu de fecharmos a capota e seguirmos mais confortáveis, mas o céu estrelado estava espetacular. A única luz até onde podíamos ver era do nosso farol e a noite estava sem nuvens. Acho que eu nunca tinha visto tantas estrelas. Meu amigo foi dirigindo e eu fui só contemplando a vista, sem palavras.
Passamos por vários postos e lojas abandonados durante o trajeto. A rodovia hoje não é mais utilizada e em alguns pontos é difícil saber para que lado ela vai após passar por outras estradas. Já era um pouco tarde e decidimos não arriscar, pegamos a rota 95 sentido Las Vegas e nos despedimos da 66.
A 95 era uma rodovia mais nova – e mais movimentada – então fomos mais na manha.
Víamos as luzes de Las Vegas ao longe e sabíamos que a aventura estava acabando, infelizmente. Chegamos a Vegas cansados e sujos, destruídos, mas tudo tinha valido muito a pena. A estrada às vezes é o prato principal de uma viagem.
Brincando, acabei conhecendo um lugar que eu apenas sonhava. Mesmo na imaginação não tinha sido tão sensacional.
Acho que essa história de brincadeira para adultos nada mais é do que isso mesmo, realizar um sonho de criança, porém melhor.
Os sonhos da infância talvez sejam os melhores para se realizar, em especial quando já é crescido. Você sai e se diverte como sempre imaginou e nunca achou que poderia. Simplesmente inesquecível.
Já realizou algum sonho de criança? Conta aí, quem sabe não vira uma boa ideia para a próxima aventura?
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