Sei que a gente tem essa relação estranha com os objetos do mundo. Tá que não cabem dois corpos no mesmo espaço, mas por vezes teimamos em desobedecer essa lei da física.
É a cada topada de dedinho no pé da cama que isso se confirma. Ou porta de armário que fecha de repente. E também aquele balcão, danado, pura pedra de granito, na altura do seu quadril, que te faz xingar na frente do seu filho num domingo de manhã. Ainda zonzo de sono, o moleque pulando na sua cama, é claro que você não repara que a quina da pia está logo ali.
O fato é que aquilo fica preto. Depois arroxeia, e aí vai pro verde, azul, amarelo. E haja cânfora que acelere o processo. Ou pode ser que você seja assim como eu e simplesmente deixe a natureza agir a seu tempo – talvez isso explique três manchas esverdeadas pelo meu corpo nessa semana.
É só porque, enquanto todo mundo parece se incomodar com a visão, eu não estou muito aí. E qual foi minha surpresa quando descobri gente que, mais do que não se importar com isso, ainda acha lindo. E vê poesia. E faz disso arte.
É o caso da finlandesa Riika Hyvönen. Ela pintou uma série de obras que mostram corpos femininos decorados por lindas marcas de mil cores, essas parecidas com as que ficam em mim e em você depois das nossas topadas.
A ideia surgiu quando uma amiga da moça postou, no mural do Facebook dela, um aviso de que estava com um machucado muito bonito na bunda. Ele tinha o tamanho da sua cabeça e doze cores diferentes. Será que ela queria ver uma foto? Sim.
A partir daí, a Riika começou a série, se inspirando nas atletas de roller derby, um esporte um tanto incomum no Brasil e, por ser agressivo, bem propício a topadas – patinar em grupos de cinco contra times adversários não parece fácil.
Mas no contexto do esporte, as manchas são consideradas um sinal de força, algo do que se orgulhar. Tanto que a coletânea recebeu o nome de Roller Derby Kisses.
Contei toda a história e sei que posso me arrepender, porque fiquei maravilhada mesmo é quando vi a primeira pintura ainda desinformada. Significou, pra mim, amar cada uma das nossas topadas.
Sabe, adoro marquinhas do corpo. Uma cicatriz escondida, buraquinho de celulite em lugares incomuns, estrias avermelhadas, tatuagens. Porque é lindo que estejamos dispostos a nos olhar tão de perto e ver, em outros corpos, uma história pra contar.
É gostoso perguntar, contar e lembrar que temos aquele cicatriz no joelho porque estávamos levando o cachorro pra passear e ele correu por demais, ou que aquele roxo no braço é porque doamos sangue na semana passada.
E quando a memória é ruim, vê-la ressignificar-se… Lindo. Estou romantizando demais? A vida é piegas, meu bem.
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