Entre notícias ruins e pesadas que os jornais vêm emitindo nas últimas semanas, o dia de hoje nos deu o presente de acordar pra boas novas: Robin Wright agora ganha o mesmo salário milionário de Kevin Spacey para atuar na esquizofrênica House of Cards.

Quem já conseguiu dar um tico de olhada nos primeiros episódios, percebeu que a personagem de Robin, Claire Underwood, é tão peça-chave nas articulações políticas fictícias quanto Frank, personagem do Spacey. Como a própria atriz define, a série é uma das “poucas nas quais o homem, o patriarca, e a matriarca são iguais”.

E se isso não ainda não parecia motivo suficiente pra que Wright recebesse o mesmo salário que Kevin Spacey, ela tratou de arranjar ainda um outro: “Eu estava olhando algumas estatísticas e a personagem de Claire Underwood era mais popular do que Frank por um determinado período de tempo. Então, capitalizei em cima disso.”

Bastante sagaz e sabida de seus direitos e oportunidades, Robin Wright abriu precedentes e nos deu um show de negociação e, sim, militância.

Suas palavras não se escusaram de apontar incoerências não só nos regimes de pagamentos de Hollywood, mas também na própria escalada da carreira das atrizes, que muitas vezes precisam fazer escolhas bastante condicionadas.

Ela fala da responsabilidade da maternagem – Robin é mãe de dois jovens que, hoje, já estão na casa dos vinte anos – pela qual teve de levar a carreira em ritmo mais lento por alguns anos.

“Porque eu não estava trabalhando em ritmo integral, eu não estava construindo minha escalada salarial. Se você não constroi isso com notoriedade e presença, está fora do jogo. Você se torna um ator classe B. Não é cotado para grandes bilheterias. Não tem o valor que teria se tivesse feito quatro filmes e um ano como Nicole Kidman e Cate Blanchett fizeram durante o tempo no qual eu estava criando meus filhos. Agora estou numa espécie de retorno aos 50.”

Ora, se são a maternidade e paternidade uma escolha, dessas que gostamos de ver florescendo no mundo, não seria mais apropriado, então, compreender que a maternagem e criação dessas crianças como possível parte da vida adulta? Aceitar e incentivar a presença atenciosa desses pais, independentemente do gênero, na vida de seus filhos como uma atividade que vai tomar tempo e energia sem com isso depreciar seus valores enquanto profissionais?

E que Robin bem utilizou seu espaço de fala no tapete vermelho já sabemos, mas a militância mora principalmente no seu ato: a exigência foi arriscada e poderia lhe custar a carreira, mas acabou por reverberar e, quem sabe, abrir precedente pra que mais mulheres corram pra passar na frestinha dessa porta que se abriu.

Wright materializou uma demanda feminina que ganhou destaque no comecinho de 2015 e só vem crescendo. Você se lembra do discurso de Patricia Arquette no Oscar de 2015?

Não foi só neste ano que a premiação pautou boas e afiadas discussões sobre questões sociais – a coisa começou a esquentar mesmo com Arquette levando para os palcos de Hollywood a militância pela igualdade salarial entre homens e mulheres na indústria do cinema.

Entre a alegria do Oscar de melhor atriz coadjuvante por seu papel em Boyhood e a vontade de usar o espaço de fala pra reivindicar direitos iguais, a respiração entrecortada da atriz não diminuiu a força de suas palavras, que reverberaram por muitas mulheres na plateia – Meryl Streep batia palmas vigorosamente.

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Desde então, a militância vem ganhando outras vozes bastante relevantes na indústria, que não hesitam em denunciarem essas disparidades.

É o caso de Jennifer Lawrence, que também criticou a desigualdade salarial no que foi um belo de um desabafo, dizendo que já estava “cansada de encontrar uma maneira ‘doce’ de dizer o que pensa para ser levada em consideração” e que “nenhum dos homens com quem trabalhei se preocupa por ter personalidade ‘difícil’ ou parecer ‘mimado”.

E quando o assunto é injustiça, pode ser benéfico não se utilizar de eufemismos para reivindicar um direito – melhor é agir em sua direção, como nos ensinou Robin.

Emma Watson, embaixadora da ONU pelos direitos das mulheres, apoiou Lawrence no twitter.

Além delas, outras atrizes já botaram a boca no trombone também.

Gwyneth Paltrow o fez em entrevista à revista Variety, sem pudores de exemplificar: enquanto ela mesma, eleita uma das atrizes melhor pagas do mundo pela Forbes em 2015, teve ganho estimado em US$9 milhões, Robert Downey Jr., que contracenou com ela em Homem de Ferro no mesmo ano, teve ganho estimado em US$80 milhões.

Para efeito de comparação, a atriz mais bem paga do ano de 2015 havia sido Jennifer Lawrence, com ganhos em torno de US$52 milhões. Diferença de US$28 milhões.

Emma Thompson também não teve papas na língua na entrevista à Radio Times. Disse até que o machismo em Hollywood só estava piorando, e trouxe um outro recorte bastante interessante para a cena: o de idade. A atriz de 56 anos disse que o mercado era mais acolhedor quando entrou, há 30 anos, e que o foco na beleza, hoje, é ainda pior do que antes.

E o recorte por idade não poderia estar mais relacionado à supervalorização do capital da beleza. A própria Patricia Arquette já havia participado de uma esquete de humor – bem ácida e crítica, por sinal – sobre o momento no qual as mulheres não são mais capital estético pra indústria cinematográfica e, portanto, passam a ser preteridas em papeis e desvalorizadas em números.

Agora, na conquista de Robin Wright, essas mulheres podem finalmente ver que o fio elétrico que vêm construindo conseguiu, finalmente, acender uma luz. É claro que ainda é preciso fazer recortes de classe e raça nessa história, afinal, salários milionários não costumam existir sem os miseráveis, mas, por hoje, nos demos a delícia de saborear as boas novas.

Uma mulher pediu por direitos iguais. E conseguiu. E somos todas por uma, uma por todas.


Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.