As lendas podem vir de tradições populares, de eventos históricos cuja autenticidade não se pode provar, de mentes fantásticas e/ou irônicas. Provavelmente nunca saberemos a verdade de nenhuma delas e é isso o que as tornam tão sedutoras e especiais.

Do folclore nacional (saci, curupira, mula-sem-cabeça, caipora) aos boatos da nova era que permeiam nossa imaginação e aguçam nossa curiosidade. O hambúrguer do Mc Donalds é mesmo feito de minhoca? A Coca-Cola realmente corrói os dentes e desentope pia? Os elefantes temem os ratos pelo simples fato de os pequenos roedores adentrarem em suas trombas? O vírus da AIDS foi mesmo criado em laboratório? As pegadinhas do João Cleber são grandes farsas (dentre uma infinidade) da televisão brasileira?

Na música a coisa não é nada diferente. Elvis não morreu e vive numa ilha junto com Tupac Shakur. David Bowie dormiu com Mick Jagger enquanto Keith Richards cheirava as cinzas de seu pai. Michael Jackson não tinha nariz e quem morreu mesmo foi o Paul McCartney. Marilyn Manson arrancou duas costelas pra fazer sexo oral em si mesmo de tanto ouvir que ele na verdade é o Paul Pfifer do seriado Anos Incríveis. Lucy In The Sky with Diamonds tem as iniciais que compõe a sigla LSD. Enfim, elas existem e continuam a se reproduzir e a se distorcer a esmo. Mas de todas as lendas, de todo o universo musical, uma se destaca.

Robert Johnson é um dos nomes mais cultuados do Blues. O impacto que esse homem tem na história do Blues é tão potente quanto nomes consagrados como Muddy Waters, B.B. King ou John Lee Hooker. Seu jeito inovador (para a época) de tocar é tão interessante quanto as lendas que cercam sua breve vida que foi encerrada aos 27 anos (a data exata é incerta), iniciando mais uma lenda: A maldição dos 27 (só pra reforçar, Hendrix, Joplin, Morrison, Cobain. Todos exemplos de morte aos 27 anos).

O trato com o demo

Seu nome verdadeiro é Robert Leroy Johnson e como haveria de ser, nasceu e cresceu no Mississippi (um dos berços do Blues, juntamente com Louisiana, Geórgia e Alabama). Reza a lenda que Johnson adquiriu incrível talento para tocar vendendo sua alma ao diabo perto da meia-noite, numa encruzilhada da rodovia 61 com a 49, levando consigo uma garrafa pela metade de whisky e sua Dobro 1927 californiana com as cordas tão velhas que abria cortes em seus dedos longos e finos. Logo após o momento Faustiano firmado com o demônio, Robert Johnson viria compor o que para muitos são os “maiores blues de todos os tempos”. A influência de Johnson é tanta que nomes como Muddy Waters, todo o Blues elétrico de Chicago dos anos dourados de 50, Eric Clapton, Rolling Stones e White Stripes (que gravou a música Stop Breaking Down em seu álbum de estréia) se declaram fãs incondicionais de seu trabalho.

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Tanta importância pra pouco registro. O que se sabe da carreira de Johnson estão nas 42 faixas gravadas em duas sessões feitas em 1936 que lhe renderam 29 canções que podem até espantar os mais desavisados devido à qualidade (obviamente estamos falando de musicas gravadas no começo do século). Mas a importância e a criatividade são tão anormais que, mais de 50 anos depois, o endiabrado Robert Johnson ganhou um prêmio Grammy e um disco de ouro.

Em 1990 a gravadora Columbia Records lançou uma série de cds intitulada Roots n’ Blues Series que continham todas as músicas de Johnson e, o que era uma estimativa de vendas de 20.000 cópias, renderam mais de 500.000 cópias espalhadas pelo mundo (sim, vou escrever por extenso: quinhentas mil cópias). Sua figura é tão mítica quanto sua morte. Com causa não definida, mas com muitas especulações, dizem os mais antigos que Robert morreu rastejando-se de quatro em um corredor de hotel, uivando feito uma besta. Seria o fim do contrato com o… You Know Who (muitas de suas músicas citavam o diabo, o inferno e a luta do bem contra o mal).

Lendas à parte, o que fica para os dias de hoje é a música de imenso magnetismo, carregadas de riffs e levadas por uma voz tentadora como o próprio inferno. Robert Johnson deixou seu legado no Blues e fez história ao contribuir fortemente com a padronização da estrutura consagrada dos 12 compassos. Uma relíquia que transcende os fatos soturnos e ilumina a estrada do Blues.

Escuta essas…

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados