Daniel Melão é mineiro, músico e, acima de tudo, um sonhador. Daquelas criaturas fascinantes que acredita e ama o que faz. Fala e age, se expressando com a alma, sorrindo com os olhos. Sua missão no mundo definitivamente é levar cultura, educação e alegria por meio de seu batuque.

Em 2009, munido dos instrumentos que ele próprio confecciona, resolveu fazer uso do dom que tem desde menino, dando continuidade a um grupo de percussão em Viçosa, interior de Minas Gerais, que ensina música a dezenas de pessoas.

Denominado “O bloco”, esse grupo, formado na maior parte por alunos da Universidade Federal, tem por objetivo o estudo e prática da percussão brasileira em conjunto, com foco principal no maracatu de baque virado, ritmo típico de Recife-PE.

Os alunos desse Bloco chegaram a realizar pesquisas e intercâmbios com as Nações de Maracatu do Recife, participando de oficinas com mestres e batuqueiros. Além disso, desfilaram nos carnavais recifenses de 2010 e 2011, o que demonstra valorização e respeito pelo manifesto cultural.

O Bloco numa das apresentações na Estação da UFV | Foto de Mariana Duarte
O Bloco numa das apresentações na Estação da UFV | Foto de Mariana Duarte

Entre os ensinamentos, Daniel gosta de destacar que saber tocar um instrumento não basta. O aprendiz tem de equilibrar-se em alguns tradicionais pilares do bom senso: convivência adequada, saber respeitar, aceitar os puxões constantes de orelha, e, principalmente, ter humildade e disciplina para cumprir essa cartilha.

Feliz com o retorno positivo, em 2012, com o empenho que lhe é natural, “diagramou na raça”, como ele mesmo diz, um projeto que batizou de “Coral Popular Cosme Damião”, sempre com a ajuda do músico e amigo Júlio César. Esse projeto tinha a meta de empregar a música como forma de educação numa associação comunitária muito simples, sem fins lucrativos, localizada em Araponga-MG, batizada “Família Agrícola Puris”.

Esse colégio foi montado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais da referida cidade e atualmente é mantido – acredite se quiser – com o parco numerário oferecido pelo programa “Bolsa Aluno”, bem como pelas doações ofertadas pelas comunidades vizinhas.

Com esse projeto, Daniel resolveu concorrer aos incentivos financeiros oferecidos pelo Fundo Nacional da Cultura (FNC) para dar corpo à esta iniciativa. Esse Fundo é um mecanismo do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que é administrado pelo Ministério da Cultura e tem por objetivo captar e destinar recursos para projetos culturais.

Instrumentos
Instrumentos confeccionados pelo próprio Daniel | Fotografia de Juliana Ducatti

Para se ter uma ideia, o FNC destinará, no corrente ano, nada menos que R$10,5 milhões para financiar diversas propostas culturais em todo o Brasil, sendo que os recursos somente são aplicados em projetos culturais após aprovados, com parecer do órgão técnico competente, pelo Ministro de Estado da Cultura.

Tudo isso seria louvável se não fosse por um detalhe.

Os verdadeiros contemplados

Dentre os contemplados  que são escolhidos pelo Ministério da Cultura, está a cantora Cláudia Leitte, que recebeu uma autorização para realização de shows no valor de R$5,8 milhões. Já Rita Lee teve incentivo de R$ 1,8 milhão para gravar um DVD e também fazer shows.

Humberto Gessinger ganhou mais de R$ 1 milhão para gravar um DVD em comemoração aos 50 anos de vida. O projeto apresentado pela banda Detonautas, por sua vez, recebeu mais de R$ 1,08 milhão.

Já o projeto de Daniel, cuja previsão de gasto era de aproximadamente R$200.000,00 e tinha como objetivo ensinar música a alunos carentes e rurícolas, ficou em sexto lugar excedente. O curioso é que este era um dos que tinha a menor previsão de gastos, a despeito de seu argumento, que era proteger através da sua música as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e responsáveis pelo pluralismo da cultura nacional.

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Por que isso acontece?

O objetivo dessa Lei é educar as empresas e cidadãos a investirem em cultura. Para isso, o numerário que a empresa vier a investir num projeto é descontado proporcionalmente de seu imposto de renda. Acontece que, como são as próprias empresas que escolhem as ideações que desejam financiar, nenhuma delas chegou a escolher os projetos que Daniel teve aprovados. E também muitos outros semelhantes.

É que a gana dessas empresas de ter visibilidade na mídia, muitas das vezes, é maior do que a vontade de ajudar na construção da educação de alunos carentes. Na lógica do mercado, o feedback ao escolher um show da Ivete Sangalo, por exemplo, é maior do que contemplar projetos como os de Daniel. O que é triste. Duro e triste.

Daniel Melão conduzindo o Bloco
Daniel Melão conduzindo o Bloco

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Após o resultado do Edital, Daniel, que estima ter ensinado música a mais de duzentas pessoas, rumou para Belo Horizonte e abriu uma oficina de Maracatu mesmo sem qualquer tipo de apoio financeiro.

Mesmo com todas as dificuldades, já que deixou de atuar na área em que se graduou para estudar e ensinar música, atualmente está concorrendo pela Lei Municipal de Cultura da cidade de Belo Horizonte, na modalidade Fundo Municipal de Cultura, aos incentivos para ampliar seu novo projeto voltado para o maracatu, que está começando a engatinhar.

Por sorte, ele é apenas um dos muitos que tocam projetos como esse na raça.

Darcy Ribeiro, renomado escritor brasileiro, disse em sua obra “O Povo Brasileiro” que está na hora de construirmos o Brasil que a gente quer. Enquanto temos Leis que na prática acabam deixando a desejar, Daniel faz sua parte, batucando pelos cantos da vida.

O Maracatu de Baque Virado, com toda sua essência, sua simbologia, suas cores, seus fundamentos e sua musicalidade impactante têm atraído os mais variados público. Toda essa cultura maravilhosa tem o poder nos fazer sentir mais brasileiros. Minha opção é pela cultura popular, pelos tambores, pelo povo simples, pelo respeito aos mais velhos, pela humildade, disciplina e educação que seja para a vida.” –Daniel Melão

Nota do Editor: A Oficina de Maracatu de Daniel Melão é realizada todo domingo, das 16 às 19 horas, na Rua Jacutinga (antiga Feira Coberta), 821, Padre Eustáquio, Belo Horizonte/MG. Quem for um admirador dessa arte e quiser aprender a tocar está convidado.

Aliás, se você tiver em casa um instrumento sobrando e quiser doá-lo para que pessoas carentes façam uso dele, entre em contato pelo telefone (31) 8885-1363. Daniel não tem recursos para confeccionar instrumentos suficientes para todos os alunos.

O custo da matéria prima de cada um gira em torno de R$200,00. Quem quiser financiar esse projeto, fazendo doações, por menores que sejam, pode entrar em contato com o Daniel pelo número citado ou depositar nesta conta corrente: 9245-2, Agencia 0274-7, Banco do Brasil.

Caso você faça um post divulgando este projeto ou outros semelhantes, por favor, cole o link nos comentários. É importante que mais pessoas, instituições e empresas conheçam a atuação de pessoas como Daniel Melão. 

sitepdh

Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.