Quando fiz minha primeira viagem de aventura – uma expedição ao Monte Roraima na Venezuela em 2011 – , sabia que enfrentar oito dias de caminhada, ficar sem acesso à energia elétrica, tomar banhos gelados em rios, dormir em barracas, comer comida de trilha, conviver com 10 pessoas que não conhecia e alcançar o topo de uma montanha não era o mesmo que fazer uma excursão com amigos para me hospedar à margem da praia.
A verdade é que eu estava prestes a enfrentar um ambiente bem diferente daquele com o qual convivi toda a minha vida.
Planejei por meses o que levaria na mochila. As roupas, a bota, as meias, os itens de primeiros socorros, os casacos de frio, a capa de chuva. Cada item foi escolhido a dedo para não ocupar um grande espaço na bagagem, não pesar muito e não fazer falta na hora H.
Ao mesmo tempo que tinha de revisar item por item para não sentir falta de nenhum deles quando precisasse, também não poderia colocar todas-as-coisas-que-eu-preciso-no-mundo.
Bagagem feita, segui viagem e vivi momentos que se tornaram um marco na minha vida.
Daqueles oito dias, três foram só para subir a montanha. Eu, tão sedentária a vida inteira, tive dificuldades de acreditar que teria forças para chegar ao topo de uma montanha de mais de 2500 metros. Perceber que, mesmo estando cansada, eu ainda conseguia dar um passo a mais foi uma das sensações mais libertadoras que pude viver.
Meu guia, um venezuelano que praticamente era parte da própria montanha, me ensinou uma das frases que mais me lembro no dia a dia.
“Não caminhe olhando para o topo da montanha, caminhe olhando para o seu passo.”
Eu percebia que era diferente a sensação de estar cansada e olhar para o topo da montanha, tão distante, e olhar para meus passos.
“Sim, eu consigo dar um passo a mais”, era o que eu dizia quando estava muito cansada.
Foi o que eu disse para mim mesma nas outras três vezes que subi o Monte Roraima. Foi o que disse também no Peru quando fazia a trilha Inca em 2012. Foi o que disse na Patagônia Chilena quando eu percorria o parque Torres del Paine. Foi o que disse quando fiz a travessia da Serra Fina. E é o que digo todos os dias quando algo parece pesado demais para mim.
Mesmo que uma viagem como essa não trouxesse muitos insights – e traz tantos que os meus não couberam em mim e viraram meu primeiro livro publicado –, ela traz a descoberta valiosa de que “todas-as-coisas-que-eu-preciso” são bem menos coisas que eu imaginava.
Quando voltei da montanha, ganhei novos olhares para o que estava sempre ali comigo, como a cama, o vaso e o chuveiro. Aprendi a olhar de outra forma para tudo o que há por dentro e ao redor.
É o que uma montanha e uma mochila nas costas são capazes de fazer por nós.
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