Marcos Alberti, fotógrafo brasileiro, saiu pelo mundo com uma câmera, uma ou duas luzes, um tripé e umas cortinas de lona escura. Das duas mil mulheres que se interessaram em participar do ‘Projeto O’ – uma sessão fotográfica para defender a liberdade sexual e o prazer feminino – só 22 continuaram interessadas depois que o Marcos contou a ideia completa. Atrás das cortinas tinham um massageador e a ideia era sentar e se masturbar às escondidas enquanto ele, vendo do ombro pra cima, tentava captar a feição de um orgasmo.
Marcos fotografou o antes, dois durante e vários depois. O resultado juntou umas caras de serenidade, vários sorrisos faceiros, uns três momentos de contorcimento, umas quatro mãos tentando conter algum barulho, tudo muito único e pessoal. Amostras de diversidade. Afinal, orgasmo não tem uma cara certa, uma única expressão que contenha todas as outras. E se essa cara existisse, por certo não caberia em um frame.
O bonito é a banalidade de cada um dos rostos congelados. É o prazer normal e ordinário de simplesmente se tocar, ali, como quem não quer nada, e sentir as cócegas de um vibrador, as pontas dos dedos, aquele friozinho na barriga.
A beleza das fotos de Marcos não é a plasticidade sexual de um corpo gozando em ápice, retorcendo-se. Nem tem muito a ver com o corpo. É mais uma aventura na sensação de liberdade e de desapego. De maneira muito menos erótica, mas tal qual em Sexo, Mentiras e Video-Tapes (1989), o que o personagem de James Spader busca não é o erótico pelo físico, mas o fetiche da revelação, de ver as mulheres enfrentarem seus medos ao desnudar segredos de uma sexualidade reprimida na frente de uma câmera.
As 22 mulheres, que aceitaram segurar o massageador atrás das cortinas e se deixaram ser fotografadas, representam 1% das que se interessaram pelo ‘Projeto O’. Se hoje não houvesse mais tabu sobre o prazer feminino (e se não houvesse medo do que se pode passar a uma mulher, a sós, numa sala, com um fotógrafo homem), provavelmente o número de corajosas seria maior. E o seria porque a coragem não seria precisada. Por mais que cada vez haja menos, a siririca e o prazer feminino ainda vem com uma vergonhazinha. Uma necessidade de segredar.
Se parecer mais confortável assim, que se mantenha em sigilo os prazeres privados. Que se guarde em segredo, mas que ninguém tenha receio de cultivar vários deles, toda uma plantação fértil e versátil de desejos, sensações e curiosidades, das mais inocentes às mais cabeludas. Podemos guardar nossos toques pessoais, nossas vontades e orgasmos bem guardados, quentinhos e escaldados, em compotas de conserva meio meladas e bem trancadas em algum armário.
Podemos guardá-las para que nos fartemos depois, as solas, lambendo os dedos, sem que ninguém saiba, sem que ninguém peça um pedaço.
Na miúda ou escancaradamente, debaixo da mesa ou compartilhando receitas nas redes, o que não podemos é nos privar de lamber os dedos e de se fartar no prazer do gozo por medo da culpa.
O prazer feminino deve ser assim, normal. Coisa de todo dia. Respiro e alívio cotidiano, que mesmo quando nos falta (e muita vezes acontece), nunca deixa de ser precisado.
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