O português é falado por 260 milhões de pessoas (sendo que 210 milhões como primeira língua) e é o idioma oficial de 10 países, em todos os continentes. Em vários países da África e Ásia, é usado como língua-franca, possibilitando o contato entre tribos e etnias de raízes as mais diversas.

Em regiões de presença portuguesa historicamente forte, a língua ainda é amplamente falada: Goa, Diu, Málaca, Zanzibar, Sri Lanka, Andorra, Luxemburgo, Namíbia, Paraguai e, por que não?, Boston e Newark. (No Path, trem urbano entre New Jersey e Nova Iorque, escuta-se mais português do que inglês, em grande parte aliás pelo volume.)

Além disso, em países como Zâmbia, Uruguai e Argentina, o ensino de português é obrigatório nas escolas.

O Messi aprendeu português na escola. Que será que ele disse pro Cristiano Ronaldo na vitória do barça?

A escolha do português no Timor-Leste

No Timor Leste, por exemplo, colônia portuguesa por 400 anos, o idioma português foi proscrito pelo conquistador indonésio por 30 anos. Era proibido até mesmo possuir livros em português. Duas gerações de timorenses cresceram sem falar português.

Ainda assim, quando o país f inalmente tornou-se independente e seu novo Congresso, democraticamente eleito, decidiu qual seria a língua oficial do novo país, o português foi escolhido. O lobby dos Estados Unidos e da Austrália (vizinho e principal parceiro comercial) em prol do inglês foi forte. Afinal, as duas gerações que cresceram proibidas de falar português se educaram falando parcialmente inglês. O lobby pelo tétum, a mais falada das línguas nativas à ilha, também foi forte. Afinal, não era uma língua européia, imperialista, imposta. Mas e todas as outras etnias e línguas locais?

Finalmente, decidiu-se pelo português, não só por ter sido a língua histórica do país pelos últimos séculos, por ter sido a língua da resistência à Indonésia mas também, muito importante, por ser uma língua global, consolidada, com tradição científica, que poderia ser usada tanto para escrever uma constituição nacional quanto um manual de engenharia química.

Minha ex-esposa foi mandada pela CAPES ao Timor Leste em 2005, para ajudar na transição do país para uma nação de língua portuguesa e, depois de duas missões, se apaixonou pelo país. Hoje, ela trabalha para a ONU, alocada no equivalente timorense ao Tribunal Superior Eleitoral, ajudando a organizar as eleições locais.

Sincretismo luso-africano

As duas principais nações africanas de língua portuguesa, Angola e Moçambique, com um total de 40 milhões falantes, estão em momento cultural exuberante, produzindo excelente literatura pela pena de gente como Mia CoutoAgualusaPepetela.

Link YouTube | Trailer de Terra Sonâmbula, um dos livros de Mia Couto. Uma história triste, contada do jeito mais doce possível

Quarenta anos depois de suas independências, agora finalmente livres do ranço imperialista colonial português, essas nações podem, ao mesmo tempo, abraçar sua herança cultural lusitana e, também, mesclá-la livremente à rica cultura local tradicional milenar africana, produzindo assim uma literatura nova, própria, única.

Mia Couto, especificamente, está fazendo acrobacias com a língua portuguesa que seriam impensáveis algumas décadas atrás.

Portugal se volta para a Europa

Portugal também vive um excelente momento. Depois da Revolução dos Cravos, de perder as colônias africanas e das difíceis décadas de setenta e oitenta, os portugueses estão vivendo literalmente uma renascença.

Por um lado, a distância temporal está permitindo que a literatura finalmente revise criticamente e faça as pazes com a presença portuguesa em África – basta citar alguns excelentes livros de Lobo Antunes, como “As Naus” e “Esplendor de Portugal“.

Por outro, finalmente livres do seu império e da sua heróica vocação marítima, e agora membros da União Européia, a cultura portuguesa está, talvez pela primeira vez desde que Henrique o Navegador tomou Ceuta em 1415 e deu início aos Grandes Descobrimentos, se voltando para dentro, explorando sua vocação européia, discutindo afinal o que existe de europeu no Portugal.

Saramago, apesar de uma figura humana algo chata, produzia literatura de primeira. Lobo Antunes (que em minha opinião deveria ter ganho o Nobel de Saramago), além de seus experimentos estilísticos que estão levando a língua portuguesa para além de onde a levou Clarice Lispector, também tem agido como a consciência de Portugal para questões como a guerra de Angola (“Os Cus de Judas“), a ditadura salazarista (“Manual dos Inquisidores“) e a difícil integração dos africanos negros à sociedade portuguesa (“Meu Nome É Legião“).

Lusitanos! Agora vai!

Para não falar, claro, de toda uma novíssima geração explorando não apenas esses temas mas também a crescente europeização de Portugal.

O mercado consumidor brasileiro

Já o Brasil, por seu lado, não tem nenhum escritor da estatura de Mia Couto ou Lobo Antunes, levando a língua portuguesa ao seu limite. A cultura brasileira, já consolidada e estável, não está passando por nenhuma dessas dramáticas eras históricas que deram origem à exuberante produção contemporânea em Portugal e nos países africanos de língua portuguesa.

Nossa revolução é outra: somos 80% dos falantes de português, em um país estável, consolidado, de economia forte, de mercador consumidor gigantesco. Apesar das cassandras que desde sempre clamam a morte do mercado editorial brasileiro, esse mesmo mercado só faz crescer, consistentemente, há décadas. Dados de 2010 mostram que os brasileiros estão lendo mais do que nunca: 4,7 livros por habitante, sendo 8,3 por habitante com formação superior.

Os 40 milhões de brasileiros que saíram da miséria nos últimos anos (um pouco menos do que a população conjunta de TODOS os outros países falantes de português juntos) não estão consumindo somente carne, mas também cultura. Somos nós que, ao comprá-la e lê-la, vamos viabilizar a nova produção literária em língua portuguesa: a melhor receita para estimular a nascente literatura moçambicana é colocá-la nas estantes dos brasileiros.

O mercado consumidor da língua portuguesa somos nós.

Os gringos querem aprender português

Morei nos EUA por seis anos. Estudei e trabalhei no Departamento de Espanhol & Português considerado o segundo mais produtivo do país. A biblioteca da minha universidade tinha o segundo maior acervo de latino-americana dos Estados Unidos.

Nas minhas aulas, ensinadas em português, alunos americanos (mas não somente) leram, no original, autores como José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Gilberto Freyre, Dias Gomes, Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, entre outros.

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Nelson Rodrigues, com suas ótimas putarias escritas em bom português, conquistou também os gringos

Apaixonados pela língua e pela cultura brasileira, meus alunos não eram somente estudantes de literatura voltados para uma carreira acadêmica. Ensinei médicos de doenças tropicais, advogados se especializando em direito internacional, empreendedores querendo fazer negócios com o Brasil, ativistas buscando trabalhos em ONGs brasileiras.

Meus alunos viam o Brasil como uma economia pujante e uma cultura exuberante. Eles achavam que o Brasil iria longe e queriam fazer parte disso. Consideravam que, no futuro, onde quer que estivessem, falar português e entender o Brasil iria lhes trazer oportunidades pessoais e profissionais.

A língua é uma escolha

Antes de sair do Brasil, eu também não via nada disso. No exterior, aos poucos, comecei a perceber.

Eu estudava e trabalhava ao lado de colegas de todos os países da América Latina. Por falta de oportunidades em seus países, iam ficando, ficando e, quando percebiam, tinha feito a vida e a carreira nos Estados Unidos.

Quanto mais ouvia as histórias de terror e penúria dos colegas, mais valor eu ia dando ao Brasil. Um dos colegas era um homossexual nicaraguense com uma tese brilhante sobre o discurso machista e as imagens fálicas nas eleições latino-americanas. Ele gostaria muito de voltar para a Nicarágua – mas pra fazer o quê? Nos EUA, ele em breve seria um professor universitário merecidamente bem pago. Na Nicarágua, além de sofrer forte preconceito, suas perspectivas profissionais eram minúsculas – e ainda menores por sua orientação sexual.

Eu trabalhava cercado por latino-americanos que, apesar de estudar a América Latina e morrer de saudades de seus países, simplesmente se resignaram de que a única maneira de terem vidas dignas como acadêmicos era morando nos Estados Unidos.

Minha experiência com meus colegas me fez ver que eu, como brasileiro, ao contrário deles, tinha escolha sim. Somente entre 2003 e 2009, foram criados 110 novos campi de universidades federais em 27 estados brasileiros – isso pra não falar da explosão de universidades particulares que, apesar de não terem pesquisa de primeira, oferecem centenas de milhares de empregos para professores universitários.

Professores latinos querendo dar aulas nos Estados Unidos

Então, eu tinha a escolha. Como tantos colegas, poderia fazer a escolha perfeitamente válida de ficar nos Estados Unidos e construir ali uma carreira. Mas, ao contrário da maioria deles, eu tinha a escolha de voltar para um país com um campo universitário amplo, livre e bem-pago, onde poderia desenvolver as mesmas pesquisas que desenvolveria nos Estados Unidos, onde também poderia construir uma carreira próspera.

Esse mês agora, julho de 2011, fiz a escolha fatídica e voltei definitivamente para o Brasil.

A língua portuguesa é

Nós, brasileiros, precisamos nos dar conta de duas coisas: uma para levantar nosso ego e outra pra abaixar nossa bola.

Em primeiro lugar, temos que botar na cabeça que o português não é uma língua coitadinha,  não está na defensiva, não está decadente, não está morrendo, não precisa ser salva, não precisa ser defendida.

Ela não tem o monopólio de palavras (nem mesmo de saudade) e não é mais rica nem mais pobre, mais linda nem mais feia que nenhuma outra língua (isso não quer dizer nada), mas está sim presente em todos os continentes, é a sexta língua mais falada do mundo e a terceira do ocidente.

A língua portuguesa é. E isso basta.

Uma língua que assim, na largada, produziu O Auto da Índia e O Auto da Barca do Inferno, não precisa que ninguém a defenda. Gil Vicente sozinho defende e justifica nossa língua. Com Camões por um lado e Fernão Mendes Pinto pelo outro (ficando só no século XVI!), não precisamos de mais ninguém. É nosso dream team. O Brasil contribui com Machado de AssisGuimarães RosaGilberto Freyre e Clarice Lispector. E, para não dizer que fico somente no passado, dois dos maiores autores vivos em qualquer país escrevem em português: Lobo Antunes e Mia Couto.

Em segundo lugar, temos que tirar a cabeça da areia e olhar para o mundo em volta. Português não é sinônimo de Brasil. Podemos ser a maioria dos falantes mas a língua não nos pertence. Existem diversas sociedades que também tomam o português para si. Que vivem, amam, morrem, guerreiam, sonham em português. E é uma vergonha não consumirmos praticamente nenhuma cultura desses países.

Link Youtube | Entrevista com o diretor do documentário “Língua: Vidas em português”

Quantos livros angolanos você já leu? Quantos filmes portugueses você já assistiu? Quantas músicas cabo-verdianas você já ouviu?

O Festival de Teatro da Língua Portuguesa (Festlip)

Bem, agora é a sua chance de conhecer um pouco mais do mundo lusófono – pelo menos, no teatro.

Entre os dias 21 e 30 de julho de 2011, acontece  no Rio de Janeiro o Festival de Teatro da Língua Portuguesa, ou Festlip. São treze espetáculos com quarenta apresentações em seis teatros pela cidade ao longo de dois fins de semana. Grupos teatrais de Portugal, Angola, Cabo Verde e Moçambique que jamais teríamos oportunidade de assistir no Brasil. Tudo com entrada franca. (Por isso, recomendo chegar bem cedo, as senhas se esgotam rápido!)

Em 2011, pela primeira vez, teremos um grupo de língua não portuguesa, mas quase: o ABRAPALABRA, da Galícia, interpretando em galego – a língua mais próxima que existe ao nosso português.

A programação completa também inclui mostras culinárias, exposições de fotos, oficinas teatrais e palestras.

Esse não é um publieditorial. Não recebemos nem entrada de graça porque os espetáculos já são gratuitos. É um serviço de utilidade pública do Papo de Homem aos nossos leitores, tentando mostrar que a língua portuguesa é muito mais do que imaginamos.

Eu, Alex, vou tentar ir ao máximo de peças que puder no primeiro fim-de-semana e, depois disso, faço um texto resenhando e indicando as melhores peças pra vocês.

Se estão no Rio de Janeiro, ou perto, e gostam de teatro, não deixem de ir ao Festlip.

Programação completa da mostra teatral.

Tânia Pires, organizadora do Festlip, subitamente lembra que esqueceu o bolo no forno.
Tânia Pires, organizadora do Festlip, subitamente lembra que esqueceu o bolo no forno.

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu