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“Des-pa-ci-to”. Devagarinho, essa canção dos porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee virou um fenômeno mundial. Ou nem tão devagarinho assim: em pouco menos de cinco meses, a música, que é um reggaeton com pegada mais pop, tornou-se um hit.
A canção foi lançada em 13 de janeiro de 2017, junto com um videoclipe. No fim de abril, então, ela atingiu 1 bilhão de visualizações no YouTube (o segundo vídeo mais rápido a alcançar a marca, atrás apenas de “Hello”, de Adele). E, em 16 de maio, virou a música mais tocada nos Estados Unidos segundo a lista Hot 100 Billboard — que desde 1958 é a referência da indústria fonográfica para medir o sucesso comercial de uma canção.
O feito chama a atenção porque “Despacito” é a primeira música composta e cantada principalmente em espanhol a estar no topo das paradas de sucesso desde “Macarena” em 1996.
O fator Bieber
Deu impulso a “Despacito” o fato de que ela foi encampada pelo ícone do pop Justin Bieber. Segundo a revista “Rolling Stone”, o cantor canadense ouviu a música em uma boate na Colômbia. Desde o lançamento, em janeiro, “Despacito” tornou-se rapidamente viral na América Latina. Bieber então gravou um remix e catapultou os versos do reggaeton original para as listas das mais tocadas nos Estados Unidos e no mundo.
Bieber é uma fábrica de sucessos comerciais. “Despacito” é a quinta música da qual ele participa ou da qual é o intérprete principal que ocupa o topo da lista da Billboard. A versão de Bieber abre com os versos iniciais traduzidos para o inglês e cantados pelo canadense. Na sequência, a canção volta ao idioma espanhol. O próprio Bieber canta em espanhol.
A versão de “Despacito” com Bieber tocou 7 milhões de vezes por dia em maio, segundo o Spotify. Ela é a mais ouvida do mês na Austrália, Áustria, Alemanha, Bélgica, Canadá, Hong Kong, Inglaterra, Itália, entre outros, de acordo com a plataforma de streaming.
Fenômeno reggaeton
“Despacito” tem uma estrutura musical simples. Segue uma divisão de tempo básica, 4/4, e utiliza elementos genéricos que lhe emprestam um “tempero latino”, como o violão espanholado do início da música. Os próprios versos em espanhol — que falam de um jogo de sedução em que se quer “respirar o seu cangote” e “despir com beijos”, “devagarinho” — dão um charme aos ouvintes que não compreendem o idioma.
A batida é a clássica do reggaeton, mas numa versão mais comercial, suavizada e menos crua. É um ritmo levemente atrasado, que faz dançar. É esse ritmo, com a quebra de tempo do refrão — quando surge a palavra-chave da música: “des-pa-ci-to” —, que faz a canção grudar na cabeça. O aspecto chiclete da música virou piada na Itália, num vídeo em que amigos estão no carro falando como “Despacito” é ruim, mas quando a canção começa, todos cantam juntos.
O gênero surgiu nos anos 1970 no Panamá, pela mistura da música jamaicana com a latina e elementos de hip-hop. Nos anos 1990, tornou-se muito popular em Porto Rico, que virou um dos principais exportadores da música com versos que misturam espanhol e inglês — como ocorre no dia a dia porto-riquenho.
O reggaeton começou a se espalhar pela América Latina como um gênero underground e chegou até mesmo à Cuba. Hoje, tornou-se um estilo de música “mainstream”. Assim como algumas vertentes do funk carioca, o reggaeton muitas vezes fala sobre ostentação e idealiza o universo de consumo, além de ter letras que são criticadas pelo conteúdo sexista.
Mais restrito aos circuitos de ouvintes falantes de espanhol, na América Latina e Caribe, passou a alcançar audiências maiores em meados dos anos 2000. E um dos principais responsáveis pela popularização do gênero nos Estados Unidos e na Europa foi Daddy Yankee, que canta “Despacito” com Luis Fonsi. O rapper porto-riquenho é o autor de “Gasolina” e “Lo que pasó, pasó”, dois hits lançados em 2004.
Quem são os compositores
“Despacito” foi composta por Luis Fonsi, de 39 anos. Natural de San Juan, capital de Porto Rico, foi criado a partir dos dez anos em Orlando, na Flórida, nos Estados Unidos. Antes de “Despacito”, Fonsi já havia alcançado sucesso razoável, com oito discos lançados desde 1998. Em 2009, ele levou um Grammy Latino pela composição de que “Aqui estoy yo”.
Em entrevista à “Billboard”, Fonsi diz que compôs a música chiclete de 2017 no violão. “Queria fazer uma música divertida, com um sentimento latino e uma melodia que me deixasse confortável em cantar. E que faria as pessoas simplesmente dançarem", afirmou o compositor. Ele teve a parceria da cantora panamenha (e filha de brasileiro) Erika Ender para fazer a letra.
Originalmente, a música era para ser uma cumbia, tradicional gênero latino, mas então Fonsi conta ter querido dar um clima “mais urbano” à canção. Chamou o rapper Daddy Yankee, também porto-riquenho, para fazer uma participação e cantar junto com ele. Para Fonsi, “Despacito” é uma “mistura entre uma melodia pop e uma batida urbana sutil que une o melhor desses dois mundos”, isto é, mistura a leveza do pop com a pegada do reggaeton.
Daddy Yankee comenta que o sucesso expande o alcance da música latina. “É um grande acontecimento não só para Luis Fonsi e para mim, como para a música em geral. Estamos cruzando barreiras culturais e unificando o mundo pela música”, disse o porto-riquenho à “Billboard”.
No Brasil, o gênero reggaeton também vem vencendo o obstáculo da língua. Alguns dos maiores nomes do mercado da música nacional têm feito parcerias com artistas de outros países da América Latina e explorado o ritmo dançante. Claudia Leitte gravou Daddy Yankee, e Ludmilla gravou com a dupla porto-riquenha Zion & Lennox. Anitta gravou com os colombianos J Balvin e Maluma. Até o cantor sertanejo Luan Santana gravou uma música com batida latina — e fez um clipe em Havana, Cuba.
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